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Opinião: Se a Alemanha realmente quiser ajudar a África

Asfa-Wossen Asserate
12 de setembro de 2017

O mais importante é questionar tradicionais conceitos políticos, econômicos e de ajuda ao desenvolvimento, opina o analista político Asfa-Wossen Asserate, sobrinho-neto do último imperador da Etiópia.

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Asfa-Wossen Asserate, escritor e analista político

Por um lado, a Alemanha deveria manter a sua tradicional cultura de acolhimento. Por outro, o país deveria enfrentar a real causa da migração e da fuga: os maiores exportadores de migrantes são os tiranos africanos que não oferecem às suas populações a oportunidade de ter vidas decentes em seus próprios países. Graças às políticas ocidentais de apaziguamento dos últimos 50 anos, esses ditadores são apoiados por subvenções que saem dos bolsos dos contribuintes europeus.

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Se for para a África ter de fato um futuro, a Europa deve, em primeiro lugar, despedir-se de suas desastrosas políticas econômicas e comerciais. Precisa, de uma vez por todas, parar de subsidiar seu setor agrícola às custas dos países em desenvolvimento. E precisa, também, pressionar por medidas internacionais eficazes contra land grabbing [apropriação de terras por grandes investidores estrangeiros] em todo o mundo, o que priva os países pobres de seu bem mais valioso: terra cultivável.

A África necessita de um incentivo amplo à agricultura de pequeno porte e uma proibição dos produtos importados que levam ao dumping e que minam a produção local de alimentos.

Ainda mais importante, é necessário incentivar as mulheres africanas – elas são a chave para o futuro da África. Se a África quiser ser bem-sucedida ao lidar com o problema do crescimento demográfico, precisa colocar o foco nas mulheres.

A urbanização, a importação de sistemas econômicos e jurídicos, as novas mídias e estruturas etárias modificadas levaram a mudanças dramáticas nos sistemas de valores sociais e culturais na África. Hoje em dia, frequentemente se testemunha uma mescla de valores antigos e novos que, especialmente em ambientes urbanos, é redefinida continuamente. Às vezes, riqueza e poder parecem ser os valores dominantes na África de hoje. Como consequência, as relações sociais, familiares, mas também administrativas se tornam altamente monetizadas.

Esse problema, porém, não existe apenas no continente africano. Os demônios da cobiça e da voracidade estão soltos por todo o nosso mundo globalizado. O capitalismo, em sua forma atual, não é justo nem sustentável. Por conseguinte, nosso principal desafio no século 21 é reconciliar demandas de mercado com humanidade.

Mesmo as melhores intenções podem ter consequências fatais. Ajuda alimentar gratuita do Ocidente destrói o mercado para a agricultura africana. É com demasiada frequência que o dinheiro da ajuda ao desenvolvimento não alcança as pessoas que deveriam recebê-lo – especialmente quando esses recursos são transferidos como apoio direto ao orçamento. Nas mãos dos cleptocratas no poder, esse dinheiro se transforma numa ferramenta de retenção do poder, fornecendo assim um lubrificante para a corrupção desenfreada.

Não são apenas economistas ocidentais – como William Easterly, da Universidade de Nova York, ou o escocês Angus Deaton, vencedor do Prêmio Nobel de Economia – que estão criticando conceitos correntes de ajuda ao desenvolvimento como totalmente equivocados. O que é urgentemente necessário é um "escritório internacional de auditoria para a ajuda ao desenvolvimento", baseado na instituição alemã Bundesrechnungshof, ou Tribunal de Contas da Alemanha, que examina, todos os anos, como o setor público lidou com o dinheiro dos pagadores de impostos. Afinal, a ajuda ao desenvolvimento só faz sentido se incentivar as pessoas a terem iniciativa própria.

A África precisa de uma ajuda ao desenvolvimento que seja sustentável e se apoie na iniciativa própria, pois uma coisa é certa: ninguém de fora – nem os Estados Unidos, nem a Europa, nem a China – será capaz de "salvar" a África. O continente só pode atingir esse objetivo sozinho, se seus povos reconquistarem a confiança e a fé em suas próprias forças. Só aí o êxodo de talentos africanos terá um fim.

Os africanos precisam tomar as rédeas de seu próprio destino. A Europa pode e deve ajudá-los para que o continente africano, que hoje sangra, possa se transformar num continente do futuro.

Dr. Prince Asfa-Wossen Asserate é membro da antiga dinastia imperial etíope. É sobrinho-neto do último imperador da Etiópia, Haile Selassie, e vive na Alemanha há mais de 40 anos. É consultor de negócios para a África e o Oriente Médio, autor de best-sellers e analista político. Além de vários prêmios literários, ele recebeu a Ordem do Mérito da República Federal da Alemanha em 2016.