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Os escritores esquecidos e os obscuros

Ricardo Domeneck
6 de fevereiro de 2018

O que leva um escritor a ser festejado e outro a ser esquecido? Podemos confiar no julgamento de gerações anteriores? Uma pequena nota sobre escritores famosos e outros obscuros, no Brasil e na Alemanha.

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Horst Bienek
Romancista e poeta alemão Horst BienekFoto: picture-alliance/dpa/C. Hoffmann

Todo país desenvolve sua tradição nacional, decide quais autores serão lidos nas escolas, e o público em geral pode muitas vezes manter viva a obra de um autor por simplesmente a continuar lendo. Cada caso de recepção de uma obra literária tem uma história individual, com suas idiossincrasias, seus altos e baixos.

Há escritores que são muito famosos em vida, mas caem no esquecimento após a morte, inundando os sebos com seus livros. Outros são completamente ignorados em vida, para depois se tornarem centrais no cânone quando já mortos. Alguns dirão que se trata apenas de uma questão de qualidade. Há obras que sobrevivem e outras que não. Mas sempre há complicações.

Pensemos num caso brasileiro. Este ano, Hilda Hilst será a homenageada na Festa Literária Internacional de Paraty. Sua obra poética completa foi lançada pela Companhia das Letras, e em breve virá a reunião de sua prosa. Nos últimos anos, os livros haviam sido lançados de forma individual pela Editora Globo. É o sucesso. A consagração. E, no entanto, Hilda Hilst abandonou a literatura na década de 1990, após sua incursão pela pornografia, pela falta de leitores, da qual ela sempre se ressentiu.

Voltemos à Alemanha. Uma passagem pelas livrarias de Berlim poderia nos dar uma visão errônea sobre quais autores são hoje influentes no país. Para os que acham que um Prêmio Nobel salvaria a literatura brasileira, basta pensarmos em Nelly Sachs (1891-1970), que ganhou o prêmio em 1966. É claro que seus livros podem ser encontrados em qualquer livraria. São, imagino, lidos, já que editoras não são exatamente instituições de caridade.

No entanto, não conheço autores alemães jovens que tenham Nelly Sachs como influência. Sua temática terá certamente algo a ver com isso, tendo escrito alguns dos poemas famosos da língua dedicados ao horror da Shoah. Mas o mesmo se dá com outros autores, como Gottfried Benn e Else Lasker-Schüler. São canônicos. São estudados. Mas raramente mencionados em conversa fora do âmbito acadêmico.

Outro exemplo é Marie Luise Kaschnitz (1901-1974), contemporânea das brasileiras Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa. Seu caso talvez seja parecido ao das brasileiras, e penso aqui no artigo de Juliana Bratfisch publicado este mês no Suplemento Pernambuco (À procura de uma Cecília impossívelSuplemento Pernambuco, fevereiro de 2018).

Trata-se talvez das complicadas expectativas em relação à escrita feminina. O problema que tanto o Brasil quanto a Alemanha parecem ter com o lirismo, um "torcer de beiços" para certa escrita que soterrou por um tempo no Brasil a escrita de Hilda Hilst ou soterra por aqui, por exemplo, a escrita de Inge Müller.

No meu caso, venho me interessando cada vez mais nos últimos tempos pela escrita de Horst Bienek (1930-1990). Romancista e poeta, ele estreou com o volume de poemas Traumbuch eines Gefangenen (Diário de sonhos de um prisoneiro, 1957). À época, o livro foi criticado por usar "metáforas" de encarceramento que, num país que há pouco tempo ainda via o retorno de prisioneiros de guerra do leste, pareciam já datadas.

No entanto, não eram apenas metáforas. Horst Bienek foi preso em 1951 não como soldado, mas pela Stasi, e condenado a 20 anos de prisão por "incitações antissoviéticas". O autor passaria quatro anos no campo de trabalhos forçados conhecido como Workuta, experiência sobre a qual ele ainda escreveria no livro de memórias que traz o nome do campo, publicado postumamente.

Horst Bienek parece-me um escritor excelente. Perguntei sobre ele a meus amigos escritores alemães: a maioria não sabia sequer de quem se tratava, alguns o conheciam de nome mas não o tinham lido.

A literatura de um país pode por vezes ser um labirinto. Descobertas a cada curva. Eu ando emprestando meus volumes de Horst Bienek para quem aceite descobri-lo.

Na coluna  Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.

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