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Os premiados

14 de julho de 2011

Leia aqui as matérias de Davi Lira de Melo, Rafaella Sígolo Coury e Michela Zamin, premiadas no Concurso Direitos Humanos no Brasil.

https://p.dw.com/p/11r6d
Foto: Brian Jackson/Fotolia

1º colocado

Trabalho infantil ainda atinge 270 mil crianças e adolescentes em Pernambuco

Recife abriga um jovem trabalhador com nome de rei, e que sonha em ser bombeiro. O menino de 12 anos, residente no Córrego da Areia, no bairro da Macaxeira, Zona Norte da capital pernambucana, é o "cara do milho" há quase três anos. Ajudante número 1 da avó, vendedora de tapiocas e quitutes regionais nas ruas do bairro nobre dos Aflitos, também na Zona Norte do Recife, o garoto tem uma rotina de responsabilidades diárias.

Quando a escola não está em greve, o trabalho começa ao meio-dia. Até as 19h30, hora do fim do "expediente", a brasa que cozinha o milho não pode ficar sem assistência, o lixo não deve acumular e o cliente apressado e mal-educado tem que ser atendido prontamente, com delicadeza. O menino não percebe que trabalha, nem que fica tantas horas em pé. A sobrecarga de serviços acaba sendo "sutil". Ele nasce dentro dessa rotina que já faz parte da cultura da família, e a sociedade não reprova a "ajuda" que o garoto oferece à avó trabalhadora.

No entanto, de acordo com um estudo publicado pelo Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil em Pernambuco, esse jovem faz parte, sim, do total de 270 mil crianças e adolescentes do Estado que são explorados no trabalho. "É bastante alta a intensidade desse tipo de ocorrência. Meninos e meninas que trabalham no comércio ambulante informal são vítimas, precocemente, de exploração. Esse tipo de situação, mesmo banalizada, é muito grave e está no mesmo patamar do trabalho do aviãozinho, aquele garoto que realiza o comércio ilícito de drogas e o transporte de armas", afirma Paulo Lago, do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social de Pernambuco (Cendhec), entidade fortemente envolvida na construção de um Plano Estadual de Combate ao Trabalho Infantil, proposta presente no programa governamental Pacto da Vida, mas que tem previsão de aprovação apenas em meados de 2011.

O Cendhec, juntamente com o Ministério Público do Trabalho do Estado, através da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), encabeça a movimentação, em Pernambuco, das atividades de esclarecimentos à população, promovidas em função do Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, lembrado no sábado (12 de junho) e comemorado desde 2002 pela Organização Internacional do Trabalho.

"Esse esclarecimento mais corpo a corpo junto à população realmente precisa ser feito, principalmente nos estados nordestinos que aceitam com certa naturalidade o trabalho infantil de embaladores em supermercados, de gazeteiros juvenis nas ruas, de crianças que trabalham em feiras livres e meninas que se escravizam em casas de família", afirma a auditora do trabalho Simone Brasil, da SRTE, representante do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco.

NÚMEROS – Do total de 4,4 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que trabalham no país, quase 2 milhões estão no Nordeste, segundo dados de 2008 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os números assustam, ainda são altos, mas o panorama estatístico em Pernambuco, que ainda possui a maior concentração de trabalho infantil vinculado às atividades de agricultura familiar na zona rural, acompanha a queda percentual de crianças e adolescentes que trabalham no Brasil.

De acordo com o coordenador de projetos do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, da Organização Internacional do Trabalho da ONU (Ipec-OIT), Renato Mendes, "hoje podemos dizer que apenas 0,9% das crianças menores de dez anos de idade trabalham. O Brasil praticamente extinguiu a exploração nessa faixa de idade. No entanto, a situação ainda não é confortável no país".

"Mesmo com o avanço da queda nos casos em cerca de 50% nos últimos 18 anos, o ritmo de diminuição de práticas de exploração de mão de obra infantil no Brasil de 2003 a 2008 não acompanhou o ritmo acelerado de queda de 1992 a 2003. O país chegou ao núcleo mais duro; agora é mais difícil a ação".

O extrato mais duro a qual se refere o representante máximo do tema na OIT Brasil é a exploração invisível, de difícil combate, que é aquela onde as crianças de 10 a 15 anos de idade são forçadas, por necessidade ou imposição, a trabalhar no tráfico de drogas, na exploração sexual, na agricultura familiar e no trabalho doméstico.

RELATÓRIO – Entre as inúmeras citações positivas sobre a ação do Brasil no combate à exploração do trabalho infantil, há destaque para a ratificação de protocolos da OIT; a mobilização nacional da sociedade e da mídia para atacar e discutir o tema; o trabalho de conscientização de agricultores familiares realizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag); os programas sociais de assistência social do Governo Federal; a implantação de ações específicas de combate à exploração, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI); e o próprio desenvolvimento econômico do país, que propiciou uma maior redistribuição de renda para as camadas sociais mais vulneráveis.

Espera-se, agora, que a próxima conferência sobre o tema seja feita no Brasil, em 2013. Tomara que até lá o sonho do nosso jovem trabalhador "do milho" em se "transformar" em bombeiro possa estar mais próximo de sua realidade, ainda tão desconhecida por ele próprio; e pelos cidadãos recifenses, que insistem em ficar alheios a essa situação.

SERVIÇO – Para denunciar a exploração no trabalho de crianças e adolescentes basta ligar, das 8h às 22h, para o Disque 100 , serviço gratuito e nacional, criado pela Secretaria de Direitos Humanos.

Autor: Davi Lira de Melo
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) / Jornalismo/ 7º semestre
Professora responsável: Isaltina Maria de Azevedo Mello Gomes

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2ª colocada:

Trabalho escravo não é trabalho

Santa Catarina foi o terceiro estado brasileiro em número de pessoas resgatadas do trabalho escravo em 2010. De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), até 18 de agosto tinham sido libertados 228 trabalhadores em solo catarinense. Somente Goiás, com 343, e Pará, com 338, tiveram número superior. No Brasil, as operações de resgate, organizadas pela Polícia Federal, em conjunto com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o MTE, socorreram mais de 3,5 mil pessoas, em 2009.

O MPT, instituição vinculada ao Ministério Público da União, criou, em setembro de 2002, um órgão específico para combater o trabalho escravo no país, a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete). Em novembro de 2010, essa coordenadoria se reuniu com procuradores do trabalho de todo o país para traçar novos planos para a erradicação desta prática ilegal.

À época, foram discutidos projetos como a elaboração de um manual para orientar os procuradores sobre o procedimento de resgate de pessoas em situação de escravidão e a criação de uma campanha institucional para conscientizar a população em relação às condições degradantes de trabalho.

Escravos de novo tipo

A palavra escravidão não é mais utilizada por nenhum órgão público porque indica um estado permanente que não existe mais desde a Lei Áurea, assinada em maio de 1888. As pessoas assistidas pela Conaete não são escravos acorrentados e dificilmente ficam sob a vigilância de homens armados.

A professora de Direito e juíza do trabalho Maria Zuila Lima Dutra define o modo de trabalho forçado atual: "De acordo com a Constituição, o trabalho no Brasil é livre, o que, na teoria, significa dizer que todo trabalhador pode dispor de sua força de trabalho de acordo com sua vontade. Mas, na prática, testemunhamos a libertação de homens, mulheres e até crianças que se encontravam submetidos a jornadas sem limitação, precárias condições de higiene, moradia e saúde, e com dívidas impagáveis com o empregador".

Para a magistrada, a questão racial hoje é secundária e a exploração do trabalhador, na maioria das vezes, é feita de uma maneira sutil, sem que ele tenha consciência da realidade em que vive.

Santa Catarina

Jaime Roque Perottoni, procurador-chefe substituto da Procuradoria Regional do Trabalho de Florianópolis, afirma que atualmente há uma espécie de escravidão contemporânea, na qual o empregador mantém seus trabalhadores com as mínimas condições de sobrevivência. Além disso, "não existe mais aquilo de o empregador segurar o trabalhador. Mas, geralmente, quando contratado, o trabalhador recebe um dinheiro emprestado de seu contratador, dinheiro que ele vai ficar devendo e que vai mantê-lo no local", acrescenta Perottoni.

No caso de Santa Catarina, São Joaquim é uma das cidades onde o trabalho escravo está presente. Em junho de 2010, a fiscalização encontrou, em apenas uma propriedade rural, mais de 150 trabalhadores em situação análoga à escravidão, trabalhando sem equipamentos de proteção, dormindo em alojamentos sem condições de higiene, conforto e privacidade, e em jornadas intermináveis. Os trabalhadores vinham de Santana do Livramento, Vacaria e Três de Maio, no Rio Grande do Sul.

No mesmo mês, na cidade de Arvoredo, 40 paraguaios e cinco brasileiros foram encontrados trabalhando na construção civil, sem condições de alimentação e moradia, em uma época do ano que a temperatura na região chega a 0ºC. O cultivo de erva mate no estado é o segundo maior do Brasil, depois do Paraná. Em 2010, 12 pessoas que trabalhavam na colheita da erva da cidade de Irineópolis foram resgatadas. Sua jornada de trabalho ia das 7h às 19h, elas se alojavam em um chiqueiro desativado e tomavam banho no rio.

Como denunciar ao MPT

Esses casos foram descobertos pela fiscalização que a Conaete fez a partir de uma denúncia recebida pelo MPT. Os cidadãos podem denunciar um crime contra os direitos do trabalho pelo site da instituição (www.mpt.gov.br), por carta, telefone ou diretamente nas procuradorias de sua localidade. O MPT instaura um inquérito civil público, ou seja, uma investigação exclusiva do Ministério Público, feita pela Conaete para confirmar a violação através de inspeções.

Assim que constatada, a questão pode ser resolvida diretamente no Ministério Público do Trabalho que propõe ao infrator a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta. Se o termo não for cumprido, o caso é levado à Justiça e pode acarretar em multa e prisão ao proprietário.

O MPT se divide em oito coordenadorias que, além da atividade junto à Justiça, instituem políticas públicas para promover a igualdade de oportunidades trabalhistas, garantir a liberdade sindical, mediar conflitos coletivos de trabalho, entre outras ações. O MPT tem órgãos em cada estado para facilitar o recebimento de denúncias. Em SC, os procuradores da 12ª região podem abrir um inquérito se aceitarem a acusação ou podem recusá-la e enviá-la para a decisão final da coordenadoria nacional.

Autora: Rafaella Sígolo Coury
Universidade Federal de Santa Catarina / Jornalismo / 4º semestre
Professora responsável: Maria José Baldessar

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3ª colocada

Resgate de Vida

A implantação e a execução de projetos de inclusão social resgatam as pessoas que vivem em vulnerabilidade social, dando a estas uma nova visão para suas vidas.

Falar em inclusão social é, acima de tudo, resgatar a dignidade e o bem-estar de uma pessoa, oferecendo novas oportunidades para que ela possa reintegrar-se socialmente e estruturar-se psicologicamente. Um fator muito importante para que pessoas de vulnerabilidade social sejam inseridas em um novo contexto psicossocial é o melhoramento das políticas públicas, realizando e colocando em prática projetos de assistência para que se possa pensar em melhores condições de vida.

Segundo a ONU em seu relatório sobre o que é projeto, de 1984, "um projeto é um empreendimento planejado que consiste num conjunto de atividades inter-relacionadas e coordenadas, como o de alcançar objetivos específicos dentro dos limites de um orçamento e de um período de tempo dados". No município de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, há um trabalho de resgate social de moradores de rua, que proporciona uma nova chance para o restabelecimento de suas vidas, orientando e auxiliando estas pessoas.

A Secretaria de Desenvolvimento e Inclusão Social da cidade de Balneário Camboriú realiza desde 1998 atividades para a inclusão de cidadãos. O nome do projeto era Migração, mas a partir do início de 2009 passou a atender pelo nome de Resgate Social, tornando o serviço de abordagem mais humanizado e voltado à ressocialização de moradores de rua, dependentes de álcool e outras drogas e pessoas com distúrbios mentais.

O departamento que presta esta assistência tem o auxílio das polícias militar e civil, secretaria de segurança pública e colaboração de moradores para serem informados sobre os locais onde migrantes que estão em condições precárias, vivendo nas ruas, em casas e terrenos particulares. O trabalho é realizado todos os dias, pela manhã, tarde e noite. Conta com uma equipe de motorista e três fiscais, eles fazem a ronda nas ruas da cidade para encontrar pessoas que estão desalojadas, que vieram em busca de trabalho ou de melhores oportunidades de vida ou até mesmo aqueles que seguem vivendo de cidade em cidade, sem rumo certo.

O diretor do projeto é Paulo Roberto Pedreira de Souza, autor do livro De Mendigo a Milionário, em que conta sua vida e a época em que morava nas ruas. "Nada melhor do que quem vivenciou o problema para entender a situação que estas pessoas enfrentam", explica o secretário de Desenvolvimento e Inclusão, Luiz Maraschin. Paulo demonstra muito amor e dedicação ao trabalho na coordenação do departamento e se emociona ao lembrar a fase que viveu nas ruas, segundo ele, "entregue ao álcool e à desilusão".

Osni Farias, um dos fiscais da Kombi que realiza a ronda, conta que "os fiscais e motoristas também aprendem muito com a história de vida dessas pessoas". Segundo a fiscal Daniela Dutra Schmidt, todos os dias eles se deparam com diversas situações, pais que foram abandonados pelos filhos, pessoas cujas famílias não querem mais oferecer ajuda, usuários de crack, "que pelo tempo de uso acabam perdendo noção do certo e do errado, entregues à própria sorte", lamenta.

O trabalho realizado pelo Resgate é, em primeiro lugar, retirar pessoas das ruas e se assim o quiserem encaminhá-los à Casa de Passagem, fundada em 2008 pela Prefeitura Municipal. No local, os cidadãos recebem higiene, alimentação adequada, repouso para o restabelecimento. Após todos os cuidados, recebem a resolução de seu encaminhamento, são estudadas diversas possibilidades de acordo com o que a pessoa desejar, encaminhando-os para sua cidade de origem, locais onde familiares ou amigos possam oferecer algum tipo de ajuda, casas de reabilitação, como o Lar Betesda e o Viver Livre, e outros locais na região onde são ofertados emprego e alojamento.

Essas instituições recebem doações de alimentos, roupas, livros, móveis arrecadados em eventos realizados pelo Departamento de Inclusão Social. Se houver a necessidade de cuidados médicos, encaminha-se a pessoa para o Hospital Municipal Santa Inês ou para o Pronto Atendimento do bairro da Barra, no município de Balneário Camboriú.

"Muitas pessoas encontradas nas ruas não querem receber ajuda, mesmo encontrando-se em estado deplorável", lamenta um dos motoristas do resgate, Edésio Simas. Exemplo disso é o morador de rua, João Maria Neto, que já foi resgatado pelo departamento social, voltou a sua cidade de origem, retornou ao município e em função de não conseguir deixar a dependência das drogas, hoje está de volta às ruas, não aceita ajuda e não quer tratamento.

Mas, muitos aproveitam a nova chance de vida para se conscientizar sobre sua situação. É o caso de Igor Pereira Bueno, de 19 anos, que ao saber do trabalho de resgate social procurou ajuda, ficou na casa por alguns dias e recebeu passagem para retornar a casa de sua irmã em Londrina no Paraná. Ele conta que lá irá se tratar de sua dependência do crack, que já dura quatro anos, procurar emprego e constituir uma família. "Não quero mais esta vida, a droga me levou para um caminho muito ruim".

A resolução de problemáticas sociais é um trabalho de suma importância, devemos encarar o processo como um conjunto de ações a serem discutidas e postas em prática com o auxílio do poder público, entidades e instituições especializas para que seja proporcionada a execução dos direitos humanos. Segundo o Secretário de Desenvolvimento e Inclusão, a colaboração de todas as pessoas e empresas do setor privado também tem um papel muito importante para que essas pessoas que vivem em condições precárias e de desalento, sem nenhuma perspectiva, tenham uma esperança e encontrem um novo rumo.

O diretor do projeto, Paulo Roberto, é um exemplo de como as pessoas podem mudar sua condição de vida se tiverem oportunidades, ajuda de terceiros e força de vontade para sair de determinada situação. Ele cita o filósofo Voltaire em seu livro: "Os melhores reformistas do mundo são os que começam por se reformar". Paulo usa sua experiência de vida na luta diária para o trabalho que executa. Ele aguarda a parceria de colaboradores para um projeto sócio-educativo de resgate social, que se estenderia para todos os municípios da Foz do Rio Itajaí-Açu (Amfri), no total de 11 cidades, ampliando e melhor estruturando o atendimento com dignidade e profissionalismo.

Autora: Michela Zamin
Universidade do Vale do Itajaí- Univali / Quarto semestre
Professora responsável: Valquíria Michela John