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Ovelha negra do clã, Nike Wagner faz 70 anos

Rick Fulker / Augusto Valente9 de junho de 2015

Executiva artística experiente, a atual diretora do Beethovenfest não deixa de frequentar o Festival Wagner todos os anos, embora se distancie da família cercada de escândalos. "A Fifa está por toda parte", diagnostica.

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Nike WagnerFoto: Beethovenfest

Dos 12 bisnetos do compositor Richard Wagner (1813-1883), três mulheres se destacam no escalão máximo da música clássica. E, entre elas, Nike Wagner é aquela cuja atuação profissional não está atrelada ao grande legado familiar, o festival de ópera de Bayreuth, cuja direção é atualmente partilhada pelas meias-irmãs Katharina e Eva Wagner-Pasquier.

O fato é sintomático, confirmando Nike como a ovelha negra do clã. Para quem tiver dúvidas, deve bastar sua descrição dos Wagner, que compara com uma trágica e perversa família da mitologia grega.

"Um clã dos Átridas, em que os pais castram os filhos, e as mães os sufocam amorosamente; em que as mães repudiam suas filhas, e as filhas denunciam as mães como hereges; em que os irmãos pisam uns nos pés dos outros, e irmãos se erguem contra irmãs, assim como as irmãs contra os irmãos; em que as filhas são silenciadas, e as noras, oprimidas; em que os homens são femininos e as mulheres, masculinas, e no qual um bisneto já vai roendo o fígado do outro."

Em casa em Wahnfried

Nike Wagner se expressa sempre com palavras precisas, quase literárias, geralmente com uma pitada de humor seco. Nascida em 9 de junho de 1945, como terceira filha do neto do músico Wieland e sua esposa, Gertrude, ela cresceu na Vila Wahnfried, em Bayreuth, Baviera, na antiga casa do bisavô.

Após o recomeço dos mal afamados festivais – que foram a menina dos olhos de ninguém menos que Adolf Hitler –, ao fim da Segunda Guerra Mundial os artistas viviam entrando e saindo do teatro de ópera – desde pequena, uma segunda casa para Nike, assim como para seus irmãos e primos.

No entanto, o contato entre os filhos dos dois diretores do festival, os irmãos Wieland e Wolfgang Wagner, nunca foi muito estreito. O pai de Nike até mandou erguer um muro no jardim da Vila Wahnfried, separando a mansão principal da Casa Siegfried Wagner, onde a mãe dele, a matriarca Winifred, recebia os velhos amigos da época nazista.

Bildergalerie Bayreuth: 01 Festspielhaus
Bayreuth ainda presente na vida de Nike WagnerFoto: picture alliance / dpa

Rejeitada por Bayreuth

Nike estudou musicologia, teoria teatral e literatura. Depois de se doutorar na Northwestern University de Illinois, EUA, com uma tese sobre o autor austríaco Karl Kraus, tentou a carreira como compositora de música eletroacústica e foi redatora assistente na TV NDR. A partir de 1975, passou a viver como autora independente de livros e ensaios.

Após a morte de Wieland Wagner, em 1966, Wolfgang assumiu sozinho a direção do Festival de Bayreuth. Nike se transformou numa de suas críticas mais implacáveis, constatando a estagnação artística da "Colina Verde" e reivindicando a destituição do tio.

Quando, em 1999, Wolfgang Wagner iniciou o processo para escolha de seu sucessor à frente do festival, ela se candidatou juntamente com Elmar Weingarten, então diretor-geral da Filarmônica de Berlim.

Mais tarde fez uma nova tentativa em conjunto com o compositor e executivo artístico Peter Ruzicka; depois, mais outra com a prima Eva Wagner-Pasquier. E, por fim, pouco antes do encerramento da concorrência, junto com o belga Gerard Mortier, aclamado diretor de cena e de festivais morto em 2014.

Visando tornar ainda melhor um evento tão bem sucedido como o Festival Wagner, Nike submeteu diversos projetos, que incluíam sua abertura a obras de outros compositores: uma ideia bastante improvável, que implicaria a alteração dos estatutos da fundação encarregada do Festival de Bayreuth.

No fim, o grêmio decisório, o conselho da fundação, optou por uma dupla diretoria para os festivais, a cargo de Eva Wagner-Pasquier e Katharina Wagner.

Liszt em Weimar, Beethoven em Bonn – e ainda Wagner

A partir de 2004, Nike assumiu a direção artística do Festival de Artes de Weimar, focado num outro ancestral: seu tataravô e sogro de Richard Wagner, o compositor e superstar do piano Franz Liszt (1811-1886).

Ao fim de seus dez anos de gestão, em que apostou na música de câmara, recitais solo e interdisciplinaridade, ela declarou, em entrevista à DW: "Como cresci em Bayreuth, Richard Wagner esteve sempre no centro da minha vida. Mas aprendi a gostar muito de Franz Liszt. Tive que me ocupar intensamente de suas obras, sua biografia e o contexto da época, e isso me fez bem."

Em 2014, ela foi nomeada diretora-geral de um evento muito maior, o Beethovenfest de Bonn. Ao tomar posse, a cria de uma família artística deixou bem claro de que lado se coloca: "É preciso amar os artistas, considerá-los sagrados, tratá-los com cuidado, como se fossem ovos crus, fazer tudo por eles. Pois à noite eles têm que subir ao palco e dar tudo de si, correndo o risco de fracassar."

Hoje uma diretora de festivais experiente, que dá ênfase ao conteúdo, Nike Wagner aplica sua visão pessoal em Bonn. "O Beethovenfest precisa um programa estruturado. Justamente por Ludwig van Beethoven ser executado em todo o mundo, precisamos refletir sobre como lhe dar um destaque e uma honra especiais. Suas obras precisam ser colocadas em relação com outras épocas."

Quanto ao capítulo Bayreuth, ele não está inteiramente encerrado na vida da bisneta de Wagner. Todos os anos ela visita o festival, como espectadora. E, juntamente com os irmãos, considera entrar na Justiça contra o esvaziamento dos direitos da família na organização do evento.

Sobre as mais recentes controvérsias em torno do festival, envolvendo a demissão antecipada de sua prima, Eva Wagner-Pasquier, Nike Wagner se limita a fazer um comentário sumário: "A Fifa está por toda parte."