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Pé na praia: A medida certa de germanidade

Thomas Fischermann
13 de setembro de 2017

Na Oktoberfest de Blumenau, as bandas têm que tocar 90% de "música típica alemã". Thomas Fischermann está intrigado com os costumes locais e pergunta por que a cultura musical blumenauense é tão rígida.

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Em seu passeio por Blumenau, Georg Mirwald achou que tinha visto um bávaro. O homem usava trajes tradicionais, as Lederhosen, e estava "brutalmente perfeito", como disse. Tentou falar com o transeunte. "Griaß Eich", gritou, no dialeto de sua cidadezinha da Baixa Baviera. Estava certo de que tinha encontrado um turista de sua terra. "Mas o homem não entendeu nada e simplesmente seguiu em frente."

No momento estou no mundo enigmático de Santa Catarina, onde me contam histórias desse tipo todo dia. Vim para cá seguindo o conselho de alguns leitores: "Não fique no Rio de Janeiro!" O correspondente de um jornal alemão deveria se mudar para o Sul – porque lá a vida funciona melhor, e os outros alemães também vivem por lá. Estou me apaixonando pelo Sul, mas preciso me acostumar com algumas coisas. Semana passada escrevi sobre como muitas pessoas aqui levam a sério o uso de trajes típicos, tocam música de fanfarras e balançam no ar suas canecas de cerveja. Não fazem isso todo dia, não, mas o ano todo, sim, nas Oktoberfeste, nos festivais de cerveja, nas paradas escolares, nos encontros dos Schützenvereine e nas noites culturais.

Por isso, quis conversar com o Georg Mirwald: um homem forte, com cabelo grisalho, que vive arraigado nas tradições de sua terra, a Baixa Baviera. "Mirwald é o cara que cuida da germanidade", tinha me revelado um funcionário do departamento de turismo de Blumenau. Há alguns anos – foi o que disse o funcionário – a Oktoberfest em Blumenau estava perdendo o rumo. Muitas bandas estavam tocando música pop ou misturas de muitos estilos. O espírito alemão estava em plena decadência. Mas agora não mais, graças a Georg Mirwald!

Atualmente, o bávaro, empresário de uma banda de Lederhosen chamada "Deggendorfer Stadl Musikanten", viaja regularmente para Blumenau. Encontra-se com músicos e avalia os repertórios. A prefeitura deliberou que as bandas têm que tocar 90% de música alemã na Oktoberfest. Achei isso interessante. Como assim, música alemã?

"Muitas pessoas no Brasil sempre me perguntam como tudo é feito na Alemanha, por exemplo na Oktoberfest de Munique", explicou Mirwald. "Sempre digo: cada um tem seu estilo próprio. Os blumenauenses devem fazer as coisas como acham melhor."

Na minha impressão, porém, a música alemã não é tratada de forma liberal em Blumenau – pelo menos não na Oktoberfest e em outros eventos em que são esperados muitos turistas. No ano passado, a banda Band VoXXClub veio da Alemanha para o sul do Brasil, e algumas pessoas me perguntaram num tom crítico: "Isso é mesmo música típica alemã?" Os senhores do VoXXClub até que usavam Lederhosen autênticas, com as quais se poderia tocar uma boiada inteira nos Alpes. Mas eles tocaram puro rock, o que agradou bastante ao público, e se sacudiram no palco como uma boy band.

Daqui de Blumenau mesmo existe uma banda chamada Vox 3, cujas músicas viraram grandes hits. Fazem um tipo de paródia da germanidade alastrada em sua cidade natal ("Sexy Frida"). "Esses artistas não são a norma, são mais como um cisco no olho", pessoas da cidade me confidenciaram. Fiquei curioso e me encontrei com os rapazes, que repetiram umas cinco vezes: "As nossas paródias são só alegria! E não somos desrespeitosos para com as omas e os opas!" Ainda não conheço tanto as coisas por aqui, mas tive a impressão de que estavam preocupados. Medo dos organizadores das festas? Do establishment de Blumenau?

Georg Mirwald, o avaliador da Baviera, com certeza tem um perfil mais adequado sob os olhos da administração pública. Além de seu trabalho como músico, em casa ele também se envolve com as atividades da associação folclórica. Desde que ele completou 60 anos, sua mulher não permite mais que ele suba no palco e fique sacolejando – especialmente não no Brasil, onde as pessoas dançam de forma tão louca. Seu trabalho de consultoria em Santa Catarina é organizado pela Senior Expert Service, uma organização na Alemanha que manda aposentados com boas qualificações para todo o mundo para auxiliar. Em sua cidadezinha, já foi elogiado na imprensa local: "Cooperação para o desenvolvimento musical no Brasil!", constava no artigo.

Perguntei a Mirwald se a cultura musical germânica no Brasil não poderia interagir um pouco, por exemplo com o pagode ou o funk. O Brasil não tem os músicos mais criativos do mundo? Será que não poderia surgir de Blumenau uma influência para a Volksmusik na Alemanha? "Nos eventos, isso não é benquisto pelos organizadores", respondeu Mirwald, de forma enfática. Deparei-me com essa postura várias vezes. Quando, há alguns dias, conversei com agentes culturais sobre o cenário musical, contei que está acontecendo muita coisa interessante na Alemanha. Hoje em dia tem rap alemão, por exemplo, e celebridades como Bushido, cujo nome verdadeiro é Anis Mohamed Youssef Ferchichi (nasceu em 1978 em Bonn). Mas não me senti muito bem compreendido.

Mirwald, o consultor, me mostrou como é seu trabalho em Blumenau. Basicamente não é "fiscalizar alguma coisa", mas divulgar gravações de bandas folclóricas contemporâneas e fornecer partituras musicais. Em Blumenau existem músicos muito bons, disse Mirwald, mas alguns deles tinham um repertório reduzido. "Ficam tocando a mesma coisa o tempo todo", disse.

Lá haveria supertradicionalistas, como o suposto bávaro que ele viu na rua: 100% com aparência e jeito dos velhos tempos. Mas mesmo essas pessoas raras vezes sabiam o que significavam os textos alemães ou como escrevê-los. Na outra ponta do espectro estariam as bandas com sabor alemão: usam Lederhosen, sacodem os acordeões para lá e para cá, se balançam nos palcos com os quadris germanicamente endurecidos. "Aí as tradições foram se esmaecendo, tem mais a ver com a indústria do espetáculo", disse Mirwald. E foi logo acrescentando: "Na Alemanha, na Oktoberfest em Munique, algumas vezes também é assim".

De qualquer forma, a banda do Georg Mirwald, os Stadl Musikanten, como há vários anos, vão se apresentar em Blumenau nesta Oktoberfest. "Dessa vez são os nossos jovens que vão escolher o repertório", decidiu, "e tenho a impressão de que não querem tocar muitas peças antigas alemãs".

O que está acontecendo, Herr Mirwald? Qual o problema? Ele riu. "Acho que tiveram experiências ruins no passado. Quando tocaram canções tradicionais demais, o público foi embora. A não ser quando estava tão cheio em frente ao palco que ninguém mais conseguia sair." Ok, e o que teve uma boa repercussão em Blumenau? Mirwald refletiu a respeito e então disse: "Acho que nossa versão de Bate Bate Bate foi um grande hit".

(Farei um pequeno intervalo com as histórias de Santa Catarina para retornar em breve, como repórter na Oktoberfest, disfarçado de alemão!)

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna "Pé na Praia" faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter. Traduzido por Fernanda S. Canelas