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Pé na praia: A "palestra" do chato da plateia

15 de março de 2017

Tanto brasileiros como alemães são grandes palestrantes espontâneos em eventos, mas fazem isso de formas diferentes. Em Salvador, o colunista se deparou com um homem que agarrava o microfone como se fosse um tesouro.

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Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Estive recentemente em Salvador para ser moderador de um debate. Tratava-se de políticas do esporte, uma tema que desperta muitas emoções. Minha colega no palco era uma profissional da Rede Globo: conduzia o programa com charme e desenvoltura, ia passando os pontos do dia, deixava à vontade os entrevistados tímidos e introvertidos jogando para eles bolas de futebol. Já as minhas habilidades como alemão foram requisitadas para as questões frias e objetivas – e para organizar a participação do público. Fui mandado à plateia com um microfone sem fio para reunir reações e opiniões. Já tinha feito esse tipo de coisa com frequência em eventos. Tenho experiência no assunto.

O problema quando se está num show ao vivo e se reúne opiniões do público são as ditas "palestras". Na teoria, o público faria perguntas duras e críticas relacionadas ao tema tratado. Na prática, alguém pega o microfone e dá uma palestra de vários minutos sobre mil coisas que sempre quis dizer. Algumas vezes elas têm a ver com o tema, outras não. Nunca é por querer, pode até mesmo ser interessante, mas em geral irrita o público. Enfim, o moderador tem que evitar as "palestras" – ou adiá-las para após a transmissão ou show.

Tanto brasileiros como alemães são grandes palestrantes espontâneos em eventos ao vivo. Fazem isso de formas diferentes. Nós, alemães, somos uns sabe-tudo irritantes. Damos palestras espontâneas com observações criteriosas, mais ou menos assim: "Todos os argumentos que ouvimos nas últimas horas contêm os seguintes erros primários", "gostaria de ressalvar aqui a ingenuidade do moderador e de sua plateia e em vez disso falar sobre o seguinte tema", "minhas observações seguintes serão sobre um tema totalmente diferente que explicarei estruturado em dez pontos".

Brasileiros são diferentes. Suponho que os participantes de uma plateia brasileira que se candidatem a falar sejam mais espontâneos, que com frequência eles sintam o clima geral do lugar, a socialização no espaço e se deixem guiar por isso. Participantes de uma plateia brasileira se levantam e passam os primeiros cinco minutos agradecendo os organizadores, os outros espectadores, o mundo inteiro (e até mesmo os moderadores). Dizem: "Primeiro, eu quero parabenizar". A palestra vem logo depois, frequentemente desorganizada, algumas vezes brilhante. Como de praxe, as palestras discorrem sobre os seguintes pontos: "Erros primários da discussão", "ingenuidade dos moderadores e seus convidados" e "um assunto completamente diferente que escolhi".

Assim foi em Salvador. As pessoas da mesa gostam de me enviar para a plateia por eu ter um jeito intimidador. Sou alto, uso ternos ameaçadoramente cinzas, além de não soltar o microfone por nada nesse mundo. No curso de formação de moderadores me mostraram que o melhor é nunca tirar o microfone da mão. Você se posiciona junto à mulher ou ao homem que se manifestou para falar, ombro a ombro, e segura amigavelmente o microfone na frente do nariz. Assim pode-se encorajar as pessoas tímidas – mas também pode-se tirar o microfone se, em vez de uma pergunta, vier uma palestra. Só que, nesse dia, em Salvador, isso não deu certo.

Não sei onde meu amigo baiano aprendeu esse tipo de coisa, mas, de qualquer forma, em poucos segundos o microfone desapareceu da minha mão. O espectador era um homem de meia idade com cara de bonzinho. Vestia uma camisa larga e colorida sobre a calça, sua voz era agradável e sua imagem, reconfortante. "Primeiramente gostaria de cumprimentar todos os presentes", e então riu, segurando profundamente o fôlego.

Quando seu discurso já durava mais ou menos uns cinco minutos, minha colega da Rede Globo desceu do palco. Seu rosto estava com um sorriso forçado, também eu já estava ficando nervoso. Na Alemanha algumas vezes funciona mandar sinais físicos. Pode-se também apelar ao fair play da audiência e dar um toque com uma risadinha e um comentário sobre a hora. A gente pigarreia, pisoteia de leve. Também dá para se posicionar diante da pessoa que está fazendo o discurso e impedir que ela olhe para o público. Mas nada disso adiantou. O homem agarrava o microfone como seu tesouro, protegia-se de investidas do alemão alto, olhava para o chão em vez do público e falava sobre seus temas favoritos.

Acredito que minha salvação veio por acaso. Dirigi o olhar para sua esposa. Ela estava sentada ao lado, eu não tinha percebido antes. Sorrimos um para o outro. "Ele fala sem parar, não é?", disse meu olhar na direção da mulher. "Devolva o microfone para o homem simpático", disse a mulher para o palestrante, dando uma tapinha de leve em seu braço. O "sem fio" retornou para o moderador prontamente. O homem não terminou sequer de falar a frase. Aliviado, voltei para o palco. Mais tarde, discursei longamente, parabenizando todos os presentes.

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Em sua coluna Pé na Praia, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.