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Educação

Pé na praia: A professora dos barras-pesadas

Thomas Fischermann
31 de maio de 2017

Ir a um presídio não é nunca agradável, é sempre deprimente. Mas uma visita à Penitenciária Federal de Porto Velho, onde estiveram detentos como Beira-Mar, deixou claro: se trata de uma unidade modelo.

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

As notícias que saem dos presídios brasileiros deixam, às vezes, o mundo horrorizado. No começo do ano, houve uma onda de revoltas violentas, com mais de 120 mortos, e surgiram novos relatos sobre a superpopulação em muitas penitenciárias. Segundo a Anistia Internacional, há 620 mil presos, grande parte sem sequer serem julgados, ocupando 370 mil lugares. Há controvérsia sobre os números exatos, mas para mim, parece plausível.

Fiquei muito curioso quando o chefe de um presídio de segurança máxima me fez um convite: será que o correspondente do jornal alemão Die Zeit não gostaria de vir dar uma olhada? Fui então à Penitenciária Federal de Porto Velho – um dos presídios mais seguros do país, construído recentemente, em 2008, seguindo padrões de excelência internacionais.

"Qual é a sua opinião sobre o sistema penitenciário brasileiro?”, perguntou o chefe, sentado em sua mesa, usando uma camisa branca com gravata certinha. Para chegar lá eu já tinha passado pelas câmeras de segurança na rodovia, um portão com uma cancela, segurança com detectores de metais entre duas cercas da altura de uma casa e guardas pesadamente armados. "A imagem não é muito boa”, respondi. O chefe do presídio retrucou com um sorriso triste. Num canto atrás dele pude ver armas automáticas, que simplesmente estavam lá. "O Senhor pode olhar por aí”, disse o chefe do presídio.

Estava claro: tinha chegado a uma unidade modelo. A construção de concreto pintada de tom salmão é um dos quatro presídios de maior grau de segurança do país. Foi erguida para abrigar os criminosos ultraperigosos. Entre eles, o "Nem”, o antigo chefe do tráfico da Rocinha, e o "Fernandinho Beira-Mar” do Comando Vermelho, que até na semana passada esteve encarcerado lá. No passado, Beira-Mar tinha conseguido escapar de todos os lugares – da prisão do Rio de Janeiro, da prisão em Belo Horizonte. Mas, há poucos dias, Beira-Mar teve que ser novamente transferido. De acordo com o relatório da policia, ele mandava bilhetinhos de uma cela para a outra, o que não corresponde totalmente à ideia de "segurança máxima”. Isso apareceu até mesmo no Jornal Nacional. Mas lá pelo menos eles perceberam. 

Ir a um presídio não é nunca agradável, é sempre deprimente. Mas tive que reconhecer: os rapazes mais difíceis do Brasil não estavam tão mal. Talvez o que eles estavam fazendo em termos de segurança lá em Porto Velho fosse um exagero. No caminho para as celas e para as áreas de trânsito livre, passei por um portão de aço após o outro. Aparelhos, sensíveis, não deixaram passar sequer um detalhe em metal do tênis. "Ali em cima estão câmeras e microfones”, um guarda sussurrou para mim apontando na direção do teto. "Nós monitoramos tudo, não somente em nossas áreas de controle, mas tudo também é transmitido ao vivo para Brasília."

Que quantidade enorme de medidas de segurança! A separação dos barras-pesadas – quase todos assassinos ou traficantes de drogas – é feita de forma a ficarem separados por facções. Até os horários de visitação são alternados para que os parentes dos membros do Comando Vermelho não se encontrem com os do PCC. Sobre nossas cabeças: hastes de metal para impedir o pouso de helicópteros. Sensores de movimento. Aparelhos de TV somente em áreas comuns. Em caso de mau comportamento, não é permitido sair da cela. Os prisioneiros andam com a cabeça baixa, cada um deles acompanhado de dois guardas. A luz e até mesmo os chuveiros são ligados e desligados pelos guardas de fora das celas. 

Ninguém pode trazer comida – e a comida na prisão é ok, seis refeições por dia, inclusive suco, fruta e opção de dieta. O ambulatório é bem equipado para que os pacientes perigosos raramente precisem ser transportados para um hospital. O psiquiatra da casa me disse: "70 por cento dos detentos são medicados com psicotrópicos”, devido a toda uma vida com violência e drogas e à solidão na cela. Nenhum prisioneiro pode utilizar caneta, contaram-me os agentes de segurança, pois pode ser utilizada como arma. Para escrever: somente as cargas. Ok, eles usam escovas de dente. O responsável pela distribuição de escovas me explicou detalhadamente e muito sério como evitar que sejam usadas como instrumentos cortantes.

"O Senhor já esteve em outros presídios?” Um guarda me perguntou, e eu acenei com a cabeça. "Talvez o Senhor já tenha percebido que normalmente fede muito nas penitenciárias. Aqui não. Aqui tudo é limpo." Dei razão a ele, as paredes de cimento e os pisos cheiravam a produtos químicos com aroma de flores frescas.

Na unidade modelo de Porto Velho me levaram até mesmo a um centro de educação. Lá ficavam bibliotecários e professores, eles imprimiam material de ensino e processavam os folhetos de empréstimo de livro. "O pequeno príncipe é muito popular”, disse um funcionário, "e o grande sucesso do momento é uma série de aventuras de Genghis Khan”. No presídio de segurança máxima pode-se fazer um curso de ensino médio, e até estudar à distância em uma universidade. Há detentos que são administradores ou teólogos recém-formados. Os agentes de segurança que me ciceronearam mostraram tudo radiantes de orgulho.

Em uma pausa da visitação, quando estava sentado na sala de TV esperando, a porta se abriu e uma das professoras veio sentar-se comigo. "Tudo é tão perfeito aqui”, ela me disse. "Se alguém tiver dúvidas durante seus estudos, vamos até o detento e ele recebe praticamente aulas particulares na cela." Olhei para a mulher de forma indagativa. Ela disse que estava triste. Os internos, seus alunos na prisão de segurança máxima, provavelmente nunca se reintegrariam na sociedade. "Fico me perguntando por que não fazemos mais disso nas prisões para menores infratores”, disse a professora para mim. "Lá, faria sentido.”

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Em sua coluna "Pé na Praia" faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.