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Pelo fim da mutilação de mulheres

lk10 de fevereiro de 2003

Entidades e particulares engajam-se no combate ao milenar costume e ajudam filhas de africanas que vivem na Alemanha a superarem o choque cultural.

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Utensílios para a circuncisão de mulheres no QuêniaFoto: africa-photo

Uma conferência internacional promovida pelo Comitê Inter-Africano (IAC) em Addis Abeba, na semana passada, terminou com um apelo do Unicef pela abolição da circuncisão feminina até o ano de 2010 e a proclamação de um Dia Internacional contra esse costume milenar. Praticada em pelo menos 26 países africanos, a mutilação atinge cerca de dois milhões de meninas e adolescentes a cada ano. Calcula-se que no mundo vivam até 130 milhões de mulheres que foram submetidas a uma circuncisão.

Há anos que organizações de defesa dos direitos humanos do mundo ocidental vêm tentando coibir a prática, e mesmo na África difunde-se a consciência de que ela é uma afronta à dignidade das mulheres.

Seqüelas físicas e psíquicas

A médica alemã Solange Nzimegne-Gölz, que preside em Berlim a Sociedade pelos Direitos das Mulheres Africanas, conhece bem o assunto, ao qual se dedica há anos. Ela sabe dos problemas físicos e psíquicos das mulheres submetidas à prática, principalmente das que passaram pelo método mais radical da circuncisão: a infibulação, na qual são extirpados o clitóris e os lábios vaginais. Em seguida, o que sobra de um lado da vulva é costurado ao outro lado, deixando apenas um orifício minúsculo pelo qual a mulher urina e menstrua. "Dores, infecções e incontinência", resume a doutora Nzimegne-Gölz as seqüelas com as quais o corpo das afetadas luta o resto da vida. Isso sem falar na alma. E da humilhação da desfibulação, quando o marido na noite de núpcias volta a abrir com uma faca as genitálias da noiva.

O rito é milenar e muitos dos povos africanos acreditam que ele seja prescrito pelo islã. No entanto, não existe nenhuma passagem do Alcorão que o justifique, ressalta a médica alemã. Por isso é que políticos e ativistas dos direitos humanos também passaram a incluir líderes religiosos em seu trabalho de esclarecimento.

Primeiros sucessos

Menschenrechtler Rüdiger Nehberg
Rüdiger Nehberg (esq.) conseguiu proibição da circuncisão numa região da EtiópiaFoto: AP

O aventureiro Rüdiger Nehberg — conhecido também no Brasil por seu empenho em favor dos índios ianomâmis — é exemplo de uma iniciativa bem-sucedida na África. Graças a sua atuação na província de Afar, na Etiópia, os chefes das tribos regionais proibiram a circuncisão feminina, em janeiro de 2002.

Mesmo que demore algum tempo até que a prática desapareça de todo, é um primeiro passo. Em alguns países, a proibição foi decretada pelo governo nacional. É o caso da Nigéria em 2002 e, neste ano, de Benin. "A gente percebe que alguma coisa está acontecendo", diz a doutora Nzimegne-Gölz com certo alívio.

Choque cultural

Todo o debate em torno da circuncisão feminina tem ainda outro efeito, nem sempre levado em consideração. Para meninas e adolescentes africanas — muitas vezes filhas de refugiados — que vivem num país ocidental, o choque cultural pode dificultar a formação de sua identidade. Enquanto as mães ainda cresceram num ambiente cultural homogêneo, as filhas se vêem expostas à discrepância entre os valores tradicionais de sua cultura original e a crítica da nova sociedade em que vivem.

Na Alemanha, o projeto Forward Germany, de Frankfurt, trabalha justamente com adolescentes africanas de 14 a 22 anos, dando-lhes a oportunidade de falar sobre seus conflitos, em intercâmbio com outras afetadas. Em reconhecimento por sua atuação, o projeto — que pretende ampliar-se para uma rede — recebeu recentemente o Prêmio de Direitos Humanos de uma fundação alemã dedicada a questões femininas.