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Pequenas sensações no acervo perdido

Assis Mendonça29 de outubro de 2002

Grande parte do arquivo pessoal do escritor alemão Heinrich Mann foi reencontrada agora nos porões do Museu Tcheco de Literatura, em Praga.

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No exílio, Heinrich Mann sentiu falta dos seus objetos de recordaçãoFoto: dpa

A bibliotecária Christina Möller, responsável pela administração do acervo de Heinrich Mann na Academia das Artes de Berlim, quase não acreditou no que viu: as quinze caixas abarrotadas de cartas, fotografias e manuscritos – e guardadas zelosamente no depósito do Museu Tcheco de Literatura em Praga – eram a parte considerada perdida do arquivo pessoal do escritor alemão. Com a descoberta sensacional, poderão ser esclarecidos alguns pontos obscuros da conturbada história da família Mann. Mas talvez surjam também novos pontos de interrogação.

O acervo reencontrado inclui cerca de 1200 cartas de pessoas e instituições, fotos de família e escritos originais: a versão datilografada da peça Eine Schauspielerin (1911) e dois exemplares manuscritos do romance Madame Legros (1913), com inúmeras correções feitas pelo próprio autor. Entre as cartas, todas elas dirigidas a Heinrich Mann, muitas são provenientes de colegas escritores de renome. Mas o arquivo também inclui uma volumosa correspondência familiar: do irmão Thomas Mann (Prêmio Nobel de Literatura), da mãe brasileira Júlia Mann, da esposa Maria – apelidada de Mimi – e da filha Leonie, entre outros.

Fuga dos nazistas

Em 1928, Heinrich Mann separou-se da primeira esposa Maria, que permaneceu em Munique, juntamente com a filha Leonie. Seguiu-se o divórcio do casal, em 1930. O escritor transferiu-se para Berlim, deixando seu arquivo pessoal sob os cuidados da ex-esposa. Três anos depois, com a subida dos nazistas ao poder, Heinrich Mann teve de deixar a Alemanha, emigrando primeiro para a França, posteriormente para os Estados Unidos, onde viveu até a sua morte – em março de 1950, em Santa Mônica, na Califórnia.

À sua ex-esposa Mimi e à filha Leonie, o destino reservara provações ainda maiores. Mimi era judia e teve de fugir às pressas de Munique em 1933, buscando refúgio em Praga. Todos os seus pertencentes foram confiscados pelo Estado nazista, inclusive o arquivo pessoal de Heinrich Mann. Através de seus amigos influentes, o escritor alemão logrou, contudo, que o governo tcheco declarasse o arquivo como de sua propriedade e reclamasse a sua devolução pela Alemanha. O truque funcionou e o arquivo retornou às mãos da ex-esposa.

Campo de concentração

Quando as tropas alemãs invadiram Praga, os documentos foram escondidos em casas de amigos da família, evitando assim que fossem destruídos pelos invasores. Segundo depoimento de Leonie, os papéis foram transportados pouco a pouco aos seus novos esconderijos, em pequenas maletas, por amigos "insuspeitos".

Mimi faleceu pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1947, em decorrência dos maus tratos sofridos no campo de concentração de Theresienstadt. A filha Leonie encarregou-se então de reunir novamente todo o material do arquivo do pai, depositando-o temporariamente no Museu Tcheco de Literatura, em Praga.

Na década de 50, Leonie doou o acervo de seu pai à Academia das Artes de Berlim. Os documentos foram levados então para a capital da Alemanha Oriental. Não se sabe por que razão, uma parte do arquivo acabou ficando em Praga e fosse dado como desaparecido. Como a maior parte dos documentos agora descobertos é composta de correspondências e fotos familiares, supõe-se que a própria Leonie tenha pretendido evitar a sua divulgação.

Heinrich Mann não viveu mais o tempo suficiente para saber que o seu arquivo estava sendo reconstituído na Academia das Artes de Berlim. No exílio, ele lamentou não dispor dos seus objetos de recordação, em especial da fotografia de sua irmã Carla, como Salomé numa peça de teatro. Carla suicidou-se em 1910. Em carta ao irmão Viktor, em 1948, Heinrich desabafou: "Tudo o que eu tinha, parece ter sido perdido em Praga."

Ele tinha razão. Mas grande parte dos seus pertences foi agora reencontrada.