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Por que chilenos protestam contra sistema de aposentadoria

29 de março de 2017

Criado durante a ditadura Pinochet, sistema administrado por fundos de pensões privados, no qual governo e empregadores não contribuem, é alvo de cada vez mais críticas e leva população às ruas.

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Manifestantes protestam no Chile
Chilenos ocuparam ruas de várias cidades para pedir o fim do fundos conhecidos como AFPFoto: picture alliance/dpa/AP/E. Felix

Sistemas públicos de aposentadoria, com a opção de planos privados complementares, predominam em quase todos os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – mas não no Chile, onde o sistema foi privatizado em 1981, na ditadura do general Augusto Pinochet.

Desde então, os chilenos descontam 10% do salário e depositam o dinheiro em contas individuais, gerenciadas por fundos privados de pensões conhecidos pela sigla AFP, ou Administradoras de Fundos de Pensões. Estas investem o dinheiro no mercado de capitais. Governo e empregadores não contribuem com o sistema.

Na prática, isso significa que o valor da aposentadoria de um trabalhador depende do rendimento que a conta individual dele teve. No sistema anterior, o trabalhador pagava uma contribuição ao Estado, e o valor da aposentadoria era conhecido de antemão. Governo e empregadores também pagavam sua parte.

Insatisfeitos com a atual situação, muitos chilenos estão participando de protestos contra o sistema privado de aposentadoria. No último domingo (26/03), milhares de pessoas saíram às ruas de Santiago, Arica, Valparaíso e Concepción, entre várias outras cidades, sob o slogan "No + AFP".

Promessa não cumprida

Quando o sistema das AFP foi criado, quem já contribuía podia escolher entre o novo sistema ou ficar no antigo. Quem se aposentou depois da criação do novo sistema só teve este como opção. A exceção são os militares e policiais civis, que continuam se aposentando pelas regras anteriores – e recebendo valores bem maiores.

Em 1981, a promessa era de que as aposentadorias pagas pelas AFP equivaleriam a 70% ou mais dos salários do período ativo, mas isso nunca se concretizou. Os aposentados pela AFP recebem o equivalente a entre um terço e metade do que recebiam quando estavam trabalhando.

Hoje, mais de 90% dos aposentados chilenos ganham aposentadorias inferiores a 154 mil pesos mensais (233 dólares), quase a metade do salário mínimo do país, segundo a Fundação Sol, que critica o sistema. Muitas pessoas desistem de se aposentar e continuam trabalhando porque os valores pagos são muito baixos. E isso apesar de estudos indicarem que as AFP são extremamente rentáveis.

O economista Manuel Riesco, do centro de estudos econômicos Cenda, diz que as AFP recolhem cerca de 500 milhões de pesos dos trabalhadores chilenos por mês, mas pagam apenas 200 milhões em aposentadorias. O restante fica com as próprias empresas e com os grupos financeiros que as controlam, afirma ele, que chamou o sistema de canalha e defendeu o retorno ao modelo anterior.

"Fazem isso todos os meses, desde que começou o sistema, há 30 anos, e querem continuar fazendo para sempre", opina.

Manifestantes protestam em Santiago do Chile
Maiores protestos contra o sistema de aposentadoria ocorrem em Santiago do ChileFoto: Reuters/C. Vera

Fundos privados se defendem

As AFP – seis empresas que gerenciam mais de 160 bilhões de dólares em ativos, o equivalente a 70% do Produto Interno Bruto (PIB) chileno – criticam a ideia de estatizar o sistema de aposentadorias, chamando-a de populista, e afirmam que a solução é elevar a taxa de contribuição e a idade de aposentadoria.

"Pagar aposentadorias a senhoras de 60 anos é um ato generoso que nos custa muito caro", afirma Francisco Pérez Mackenna, ex-presidente da Associação das Administradoras de Fundos de Pensões, ao defender a proposta de aumentar a idade de aposentadoria, hoje em 60 anos para as mulheres e 65 para os homens.

Os fundos privados também argumentam que muitos trabalhadores contribuíram de forma irregular e que apenas a metade dos cerca de 10 milhões de participantes do sistema contribuíram por mais de 25 anos. Entre as mulheres, 62% teria contribuído por menos de 15 anos.

Mas outras soluções foram propostas. Em 2015, uma comissão criada pela presidente Michelle Bachelet chegou à conclusão de que a situação vai ficar cada vez pior e ofereceu três opções, conhecidas como A, B e C. A proposta A se baseia em manter o atual sistema, mas elevando a idade para se aposentar e a taxa de contribuição. A opção B propõe retornar de maneira gradual ao sistema anterior, começando com os contribuintes que recebem menos.

Retorno ao modelo anterior

Para Riesco, a proposta mais interessante é a C, elaborada por uma professora da Escola de Economia de Varsóvia, que "acabou com as AFP na Polônia" e propõe "retornar de imediato ao sistema anterior" no Chile. Segundo ele, é a única proposta baseada num modelo de projeção de arrecadação e gastos e demonstra que, se o sistema privado fosse encerrado e se retornasse de imediato ao anterior, a idade efetiva de aposentadoria – de 70 anos – baixaria para a idade legal – os 65 anos para os homens e 60 para as mulheres.

Segundo Riesco, essa solução permitiria "aposentar todas as pessoas com idade legal que não puderam se aposentar porque as pensões são muito baixas". O número atual de aposentados aumentaria em 40%, e as mulheres seriam beneficiadas. Hoje, as AFP pagam a elas valores menores por causa de sua maior expectativa de vida.

Além disso, o valor de todas as aposentadorias poderia ser dobrado, "sem mudanças na idade legal de aposentadoria nem na atual taxa de contribuição" por várias décadas. O Estado arrecadaria quase o total gasto hoje com a pensão mínima de 130 dólares paga pelo governo desde 2008 para quem não pôde contribuir ou contribuiu muito pouco, afirma Riesco.

AS/dw/dpa/efe