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Primeiro ano de Francisco é marcado por surpresas e sinais de mudanças

Christoph Strack (ca)13 de março de 2014

Há um ano Jorge Mario Bergoglio está à frente da Igreja Católica. O primeiro latino-americano nesse posto é tão pastor quanto papa, tão conservador quanto reformista. Seu segundo ano deverá ser marcado por reformas.

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Foto: picture alliance/AP Photo

Como papa, ele é o primeiro latino-americano, o primeiro jesuíta, o primeiro com o programático e compromissivo nome de Francisco. Todos esses atributos mostram a singularidade do pontífice. Faz exatamente um ano que o argentino Jorge Mario Bergoglio lidera a Igreja Católica.

Ele já conseguiu imprimir seu estilo pessoal ao cargo e demonstra ter ideias próprias, o que já se expressa em seu entendimento do pontificado. No primeiro discurso a partir da varanda da Basílica de São Pedro, chamava a atenção a forma enfática de Bergoglio se descrever como "bispo de Roma".

Esse é o primeiro entre os muitos títulos oficiais tradicionalmente atribuídos ao líder dos católicos. Mas raramente um papa da era moderna enfatizou tanto esse papel. Esse foi um importante sinal de humildade diante de outras Igrejas, não importa qual a sua orientação confessional.

E nenhum papa da história recente lembra tanto um padre. Francisco busca a proximidade das pessoas e precisa dela – coisa que tanto o aparato do Vaticano quanto o pessoal da segurança nem sempre veem com bons olhos. Ele cultiva um discurso teológico simples, que ao mesmo tempo atinge os corações e é inteligente.

Conselhos por telefone

Ele vai até onde o sofrimento humano está. Não somente com suas visitas demonstrativas aos refugiados africanos na ilha italiana de Lampedusa, ou aos bairros mais humildes de Roma. Em entrevista recente, ele falou do costume de simplesmente telefonar para as pessoas. E citou um exemplo concreto: "Uma viúva de 80 anos, que perdeu o filho, me escreveu. Agora, eu ligo para ela uma vez por mês. Eu faço o papel de padre. Gosto disso."

Papst Franziskus Lampedusa Flüchtlinge Italien
Francisco entre refugiados em LampedusaFoto: AFP/Getty Images

Mas Francisco quer mais: inovações em pequena e grande escala. As grandes vão certamente levar mais tempo, um telefonema não basta. E para ele pouco ou nada importam as mudanças em questões de doutrina eclesiástica. Porém – assim como o fez há 800 anos o seu modelo, o Francisco da cidade de Assis, na região italiana da Úmbria – o papa Francisco chama a atenção da Igreja para o Evangelho.

Ele se mudou do Palácio Apostólico para uma residência comunitária. Diariamente, prega a mensagem bíblica com termos simples; denuncia as injustiças no sistema econômico global ou as lacunas na política de refugiados, pela qual quase ninguém mais se interessa. Ele se aproxima intencionalmente dos marginalizados: refugiados, pobres, muitas vezes os portadores de deficiências que frequentam suas audiências na Praça de São Pedro.

Muito disso ainda é revolucionário. Mesmo que, após tantos séculos, a forma da Igreja Católica não seja somente de uma rigidez pétrea, e venha mudando continuamente – às vezes devagar, frequentemente sob pressão, uma vez por outra com sabedoria.

Konsistorium im Vatikan Papst Franzismus mit Benedikt 22.02.2014
Encontro de dois papas: Bento 16 (e) e FranciscoFoto: Reuters

"Gabinete" internacional

O dia 13 de março de 2013 marcou o início de um desenvolvimento revolucionário. Quem, ainda poucos meses antes – antes da renúncia do papa Bento 16, de 85 anos, dessa decisão tão corajosa e tão importante para a história da Igreja Católica –, poderia acreditar que dois papas estariam lado a lado numa missa na Basílica de São Pedro e se abraçariam fraternalmente?

Francisco deu início a uma ou outra reforma, e ainda há muito por fazer. A que mais avançou foi a reestruturação das instituições financeiras do Vaticano, que o papa colocou radicalmente em questão. Hoje elas estão alinhadas com as regras internacionais de transparência e são acompanhadas por um controle visível.

Neste ano, ele dará destaque ao tema da família. Agora as autoridades eclesiásticas também ousam falar de outras formas de vida, de relações fracassadas ou de homossexualidade e de moral sexual. Um número sem precedentes de cardeais discutiu esses temas no Vaticano em meados de fevereiro, e Francisco escutou a todos. Um sínodo deverá ser realizado em outubro, e talvez vá mostrar se e como a Igreja Católica abordará esse tema da atualidade.

Outra grande novidade é a rodada de oito cardeais das mais diferentes partes do mundo que Francisco reúne em torno de si a cada dois ou três meses, como um gabinete de governo no Vaticano. Supõe-se que nesse círculo se discutam novos passos para reformas ou questões delicadas.

Uma coisa está clara: Francisco não é apenas um reformador. Ele parece e atua tanto como liberal quanto como conservador – talvez ultrapasse esses moldes de pensamento. E certamente vai cuidar para prosseguir sempre em direção à continuidade da Igreja. Entre os seus colaboradores mais próximos estão tanto cabeças ousadas quanto bastante tímidas. Isso garante o curso das reformas – embora aparentemente muita coisa ainda tenha que mudar.

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Missa final da Jornada da Juventude no Rio de Janeiro, 2013Foto: AFP/Getty Images

Recepção de líderes mundiais

Em seu primeiro ano de pontificado, Francisco empreendeu uma única viagem internacional, em julho passado, para a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Essa viagem também foi uma homenagem a João Paulo 2°, que ele irá canonizar dentro de poucas semanas. Por outro lado, o número de visitantes nas audiências papais públicas no Vaticano quintuplicou, em comparação com o pontificado anterior.

Também os líderes mundiais vêm a Roma. Mahmud Abbas e Benjamin Netanyahu, François Hollande e Angela Merkel, Vladimir Putin, Dilma Rousseff – em poucas semanas, Barack Obama e a rainha Elizabeth 2ª. E Francisco apela repetidamente aos políticos: a diplomacia da Santa Sé volta a ser uma voz perceptível no grande concerto internacional.

Sua primeira e, até o momento, única encíclica, Evangelii gaudium (Alegria do Evangelho), publicada em novembro último, também contribuiu para isso. Nela, Francisco faz uma dura crítica ao capitalismo, ao escrever: "Nós criamos novos ídolos. A adoração do antigo Bezerro de Ouro […] encontrou uma forma nova e cruel no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano."

Com declarações como essa, o primeiro papa proveniente da América Latina evoca a Teologia da Libertação, em seus aspectos ainda tão vivos e atuais.