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Ação contra IG Farben foi marco nas indenizações do regime nazista

21 de novembro de 2012

A IG Farben deveu sua ascensão ao regime nazista, em especial à mão de obra dos campos de concentração. Há 60 anos, um sobrevivente de Auschwitz moveu um processo contra a empresa alemã.

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Foto: picture-alliance/dpa

Em 20 de novembro de 1952 iniciou-se no Tribunal Regional de Frankfurt a interrogação das testemunhas no processo contra a IG Farben, na época a maior empresa química do mundo. Ela explorara a mão-de-obra dos internos do campo de concentração e extermínio de Auschwitz. A maioria deles morreu em decorrência das condições de trabalho.

O iniciador da ação jurídica fora o sobrevivente de Auschwitz Norbert Wollheim. Ele exigia da empresa 10 mil marcos alemães, como ressarcimento pelo trabalho como soldador no campo de extermínio, sem remuneração e sob risco de vida. Sete anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, este era o primeiro processo contra uma empresa alemã que se beneficiara da mão de obra escrava.

"E nós, então?"

O judeu Norbert Wollheim nascera em Berlim, em 1913. Foi forçado a interromper o estudo de Direito depois da tomada de poder pelos nazistas e das assim chamadas leis raciais de Nurembergue. Até ser preso e deportado, em 1943, ocupou-se da emigração de crianças judias, na função de assistente social.

Sua esposa, Rosa, e o filho Uriel, de 3 anos, foram executados nas câmaras de gás de Auschwitz. Após ser liberto em 1945, Wollheim se estabeleceu em Lübeck, onde se engajou por displaced persons, sobretudo pelos trabalhadores forçados e desalojados pelo regime nazista.

"Um dia, a IG Farben publicou um anúncio: a maioria de sua documentação da época da guerra tinha sido extraviada, e os antigos acionistas deviam se apresentar", escreveu Wollheim, em 1950, a seu advogado Henry Ormond, também perseguido pelo regime de Hitler. "Eu disse: Meu Deus, se os acionistas têm direito a fazer reivindicações, e nós, então?"

Logo onipresente

Embora o processo contra a IG Farben tenha assumido um caráter de paradigma, o litigante emigrou para os Estados Unidos em novembro de 1951, antes mesmo de apresentar sua queixa, deixando-se representar por procuração por seu advogado.

Na época, a empresa com sede em Frankfurt encontrava-se em fase de liquidação. Logo após o fim da guerra, em 1945, ela fora colocada sob a supervisão dos Aliados, para que se neutralizasse o poder do gigantesco conglomerado industrial químico, desmembrando-o em firmas isoladas.

Logo da IG Farben era onipresente na Alemanha nazista
Logo da IG Farben era onipresente na Alemanha nazista

Sem a máquina de guerra nazista, a ascensão econômica da IG Farben teria sido impensável. Em aeronaves, bombas incendiárias, granadas de mão, metralhadoras, papel fotográfico, seu notório logo era onipresente: um matraz estilizado trazendo as iniciais do conglomerado.

Ela fornecia quase a metade da gasolina do país, assim como 100% da borracha sintética, metanol e óleos lubrificantes, 95% dos gases tóxicos e muito mais. A partir de 1939, ano em que se iniciou a Segunda Guerra, a produção foi delegada aos trabalhadores escravos.

Lesões corporais culposas

O inquérito no Tribunal Regional de Frankfurt foi aberto em meados de janeiro de 1952, despertando enorme interesse público. Ele foi percebido como uma ação modelar, em que os responsáveis das firmas e seus gerentes eram processados por seus crimes durante a época nazista.

Os advogados da IG Farben argumentavam que Wollheim não fora espancado nem ferido. Eles chegaram a afirmar que o campo de Auschwitz-Monowitz era preferido pelos detentos, e que o conglomerado industrial salvara os trabalhadores forçados da câmara de gás.

Ainda assim, a corte de Justiça deu ganho de causa a Wollheim, em todos os pontos. Ela considerou caracterizado o crime de lesão corporal culposa: a IG Farben havia indiretamente causado danos ao corpo e à saúde do autor da ação, infringido, assim, seu dever elementar de zelar pela integridade dos empregados.

Com isso, pela primeira vez um tribunal alemão constatava a corresponsabilidade de uma firma que explorara a mão de obra dos condenados pelo regime nazista. Além disso, a jurisprudência fundamentava, agora, o dever das empresas de prestar indenização a essas vítimas.

Onda de processos

A notícia do sucesso do processo de Wollheim foi divulgada por agências de notícias, jornais e o rádio, não só na Alemanha como nos outros países onde se fizera uso de trabalho forçado.

Nos dias que se seguiram à sentença, o berlinense não teve sossego em sua casa nos EUA. Os telefonemas chegavam sem parar. Numerosos sobreviventes faziam perguntas e queriam saber mais sobre o processo – em especial, companheiros de destino de Auschwitz.

Os advogados da IG Farben recorreram da sentença, pois estava claro que outros ex-trabalhadores forçados iriam se sentir encorajados a acioná-la. A Conference of Jewish Claims against Germany ofereceu apoio financeiro a Wollheim, pois os custos do litígio ameaçavam ultrapassar suas posses e do escritório Ormond.

Em 1957 chegou-se a um acordo extrajudicial. A Claims Conference recebeu um total de 30 milhões de marcos, ficando encarregada de partilhá-los entre perseguidos e vítimas do regime nazista. Destes, 27 milhões de marcos couberam a trabalhadores escravos judeus sobreviventes. Em contrapartida, a organização garantia que a IG Farben estaria a salvo de futuras ações isoladas por parte de antigos presos judeus.

Prédio da Universidade Johann Wolfgang Goethe, antiga sede da IG Farben em Frankfurt
Prédio da Universidade Johann Wolfgang Goethe, antiga sede da IG Farben em FrankfurtFoto: picture-alliance/dpa

Iniciador corajoso

Os trabalhadores não judeus saíram do processo Wollheim praticamente de mãos vazias, assim como aqueles que viviam nos países do bloco comunista. Em 2003, a IG Farben, ainda em processo de liquidação, declarou-se insolvente.

No entanto, manteve-se a especulação com as ações da firma na bolsa de valores: os títulos foram negociados e cotados – ainda que em deutsche reichsmark, a moeda alemã de antes da Segunda Guerra –, até 9 de março de 2012, data em que as transações foram definitivamente suspensas.

Após o processo, Wollheim seguiu vivendo e trabalhando nos Estados Unidos como auditor, sob condições precárias. De lá, ele acompanhara o processo passo a passo, até o fim, e mais tarde ajudou na distribuição das indenizações aos antigos trabalhadores escravos.

Wollheim fazia parte de um grupo de ex-detentos de Auschwitz sediado em Nova York que, a partir dos EUA, estudava a pertinência dos requerimentos individuais apresentados. Em 1998, faleceu em sua pátria eletiva, a Big Apple. Hoje, no campus da Universidade Johann Wolfgang Goethe de Frankfurt – instalada na antiga sede da IG Farben –, um memorial lembra o processo histórico e seu corajoso iniciador.

Autoria: Michael Marek (av)
Revisão: Alexandre Schossler