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"Projetar bebês é impossível", afirmam cientistas

Brigitte Osterath, de Washington (ca)19 de fevereiro de 2016

Em Washington, pesquisadores discutem manipulação genética, com destaque para a tecnologia CRISPR-Cas9. Especialistas afirmam que avanço da ciência na área é inevitável, mas que não é possível projetar um ser humano.

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Foto: picture alliance/landov

A conferência da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) em Washington teve seu ponto culminante no início desta semana, quando a cientista Jennifer Doudna falou sobre uma "revolução na edição do genoma": a tecnologia CRISPR-Cas9.

Junto a Emmanuelle Charpentier, do Instituto Max Planck de Biologia Infecciosa, em Berlim, Doudna, da Universidade da Califórnia, desenvolveu a tecnologia capaz de manipular genes de forma fácil e altamente específica em muitas espécies – inclusive em seres humanos. Muitas pessoas temem que o método possa ser utilizado indevidamente para criar os chamados "bebês projetados".

Na China, cientistas já aplicaram a tecnologia para alterar o DNA de embriões humanos jovens no ano passado. No entanto, esses embriões não eram viáveis e também não lhes foi dada a chance de se desenvolver. Foi somente um mero experimento numa placa de Petri, sem aplicações clínicas.

Mas a possibilidade de que tais aplicações aconteçam futuramente impressiona os cientistas, inclusive Doudna, professora de Biologia Molecular e Celular. O foco dos pesquisadores se volta para as coisas surpreendentes que podem ser feitas por meio da tecnologia.

Cura de doenças

Doudna relatou imenso interesse pelo seu trabalho, afirmando receber inúmeros emails "diariamente". Muitos dizem sofrer de uma doença hereditária e lhe escrevem pedindo para que sejam curados.

"Eu lhes respondo, explicando-lhes que a tecnologia não estará disponível clinicamente por muito tempo", afirmou a cientista da Universidade da Califórnia. Mas, isso não quer dizer que esse não será o caso futuramente.

"O impensável se tornou concebível", ressaltou no encontro da AAAS a filósofa e bioeticista francesa Françoise Baylis, da Universidade Dalhousie em Halifax, no Canadá.

Se os cientistas puderem manipular o gene que sofre mutação em pessoas com o mal de Huntington, por exemplo, então, eles poderão curar a doença e evitar que crianças nasçam com esse tipo de enfermidade.

No entanto, isso é verdade somente para doenças causadas por um "erro" único no genoma humano, como anemia falciforme ou distrofia muscular. Males como a esquizofrenia, por outro lado, são muito mais complicados de curar ou evitar.

Com a tecnologia CRISPR-Cas9, os cientistas esperam também poder manipular células do sistema imunológico para evitar o câncer e, assim, finalmente encontrar uma cura para a doença.

USA Forscherinnen Emmanuelle Charpentier und Jennifer A. Doudna
Jennifer Doudna (dir.) e colega Charpentier são festejadas em WashingtonFoto: picture alliance/Drew Altizer/AdMedi

Longo caminho

Ainda falta muito para a aplicação terapêutica do sistema de edição de genes. E o trabalho em embriões humanos na China mostrou que essa tecnologia também altera o DNA em outras partes que não as desejadas – o que cientistas chamam de "clivagem fora de alvo".

Há também uma questão prática a ser resolvida: no momento, cientistas não sabem como transportar as tesouras moleculares de edição de genes para as células e tecidos cujos genes devem ser manipulados.

"Se eu soubesse a resposta para isso, provavelmente eu poderia me aposentar", riu Doudna. Originalmente, a pesquisadora desenvolveu a tecnologia CRISPR-Cas9 para investigar a imunidade em bactérias. Mas logo ficou claro que o método poderia se tornar mais do que uma ferramenta de laboratório. Em particular, "quando foi publicado um trabalho mostrando que a tecnologia possibilita a manipulação de genes em macacos."

Cientistas estão cientes de que a capacidade de edição de genes humanos pode ter sérias consequências. "Isso poderia pressionar pessoas a mudarem sua sequência genética quando tiverem uma doença", o que poderia levar à discriminação, disse Baylis.

"Odeio o termo bebê projetado"

Os perigos de utilização incorreta da tecnologia são menos prováveis do que a maioria das pessoas pensa. "Não sabemos como aumentar a inteligência", exemplificou Robin Lovell-Badgne, do Instituto Francis Crick de Londres.

Como tantas outras características de um ser humano, a inteligência não é resultado de um único gene. Mas muitos deles estão envolvidos – e, atualmente, cientistas não sabem quais são.

Mesmo que quisessem, pesquisadores não saberiam como aumentar a inteligência num embrião humano. "Bebês projetados não são possíveis", afirmou Lovell-Badgne, acrescentando que detesta essa expressão. "No final, sempre acabamos com a imagem de um bebê louro e com olhos azuis – eu me pergunto por quê."

Avanço inevitável

Em Washington, Doudna falou sobre antecedentes científicos e questões fundamentais que ainda precisam ser respondidas. Somente os 5 minutos finais de sua palestra foram dedicados a implicações éticas. Para ela, como cientista, existe somente um caminho a seguir: "Temos que realizar mais pesquisa básica."

"Intervenções genéticas são inevitáveis", disse Baylis. "Por três razões: a busca humana por conhecimento, o nosso desejo de nos superar, e porque pensamos que todos têm o direito de se reproduzir", afirmou a especialista em Bioética.

No encontro na capital americana, uma coisa ficou clara: que a ciência envolvida na manipulação de genes humanos irá avançar, não importa quão grandes sejam os temores em relação a essa tecnologia e suas implicações.