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Protestos no Afeganistão são manipulados por grupos radicalistas

25 de fevereiro de 2012

Para especialistas, só a fé não explica a revolta popular contra os EUA por queima do Corão. Manifestantes estariam sendo instrumentalizados por grupos radicais. Pobreza e baixa escolaridade agravam o problema.

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Após as preces desta sexta-feira (24/02), milhares saíram novamente às ruas do Afeganistão, em protesto. Em diversas províncias, houve manifestações contra os Estados Unidos e o governo afegão. Na capital Cabul, centenas de pessoas formaram uma passeata até o palácio presidencial.

Mais uma vez, a palavra de ordem era "morte aos americanos e a Karzai". Os protestos fizeram cerca de uma dúzia de vítimas fatais, até agora, entre as quais dois soldados norte-americanos. Em face à ira coletiva, o Exército antecipou sua retirada total da base de Talokan. Os distúrbios se iniciaram na última terça-feira, quando populares encontraram exemplares parcialmente carbonizados do Corão, na base militar estadunidense de Bagram.

Instrumentalização da fé

Hamid Karsai
Presidente afegão Hamid KarzaiFoto: AP

O governo afegão havia previsto uma nova escalada de violência após as preces de sexta-feira nas mesquitas. Mesmo entre os manifestantes, muitos temem a continuação dos choques violentos. Ahmad Javed, de Herat, considera errada a reação à queima do Corão.

"Aqueles que usaram de violência nos últimos dias prejudicam o povo afegão. Infelizmente muitos grupos com motivação política se infiltraram entre os manifestantes, se aproveitando de suas intenções pacíficas. Não condenamos apenas os EUA pela queima do Corão, mas também aqueles que, tomando-a como pretexto, praticam novos atos criminosos."

Observadores consideram os diferentes grupos radicais religiosos como a força impulsionadora por trás da situação tensa no país. Segundo Yunus Fakoor, cientista político de Cabul, esses grupos jogam lenha na fogueira de propósito. "Não se trata da defesa da fé. Neste caso, os grupos fanáticos utilizam os sentimentos religiosos das pessoas para fins políticos."

Baixo grau de educação

O sentimento religioso está firmemente ancorado na sociedade afegã. A maior parte da população venera o Corão como sendo a palavra do próprio Alá e segue seus mandamentos ao pé da letra. A queima de exemplares do livro sagrado foi, para os afegãos, um atentado contra seus valores mais elevados. Ainda assim, somente os sentimentos religiosos não explicam essa explosão de emoção e violência, argumenta o cientista político Tufan Waziri.

O baixo nível de educação política é o principal responsável pelo fato de incidentes como o de Bagram – condenável, mas explicável – serem supervalorizados pela população. "Infelizmente, o nível educacional do povo afegão é muito reduzido. Além disso, as pessoas são muito pobres e estão naturalmente decepcionadas que os últimos dez anos não tenham acarretado nenhuma melhora de seu padrão de vida", explica Waziri.

"Mesmo entre a classe média, o grau de educação política é baixo. Nesse cenário, é fácil para o Talibã canalizar os sentimentos populares", diz ele. Com uma taxa de analfabetismo superior a 70%, não há qualquer melhora na situação educacional em vista, mesmo dez anos após a queda do Talibã, avalia o cientista político.

Momento crucial

O governo em Cabul mantém-se reservado quanto aos motivos dos distúrbios e a demais medidas. Pelo menos até o momento não foi tomada qualquer iniciativa visível para acalmar a situação. O governo só pode esperar que consiga resistir sem maiores danos à mais recente onda de ira popular.

No momento, há muita coisa em jogo para o regime do presidente Hamid Karzai. Washington e Cabul estão prestes a assinar um acordo de parceira estratégica duradoura – uma intenção veementemente rejeitada pelas nações vizinhas, sobretudo o Paquistão e o Irã. Eles temem não conseguir impor seus próprios interesses, caso se estabeleça uma amizade estreita entre os Estados Unidos e o Afeganistão.

Ahmad Zia Raf’at, professor de Ciências da Comunicação da Universidade de Cabul, parte do princípio de que os adversários da parceria entre EUA e Afeganistão não conseguirão se impor, mesmo que as manifestações favoreçam, no momento, sua posição.

"Se houver a vontade política de que a colaboração afegã-norte-americana se realize, então isso ocorrerá. Os protestos não vão alterar esse fato, em absoluto. Em alguns dias, as emoções terão abrandado", prevê Raf’at.

No entanto, ele torce para que os EUA aprendam as lições certas a partir dessa situação, e não ofereçam mais combustível para a propaganda dos fanáticos religiosos.

Autoria: Waslat Hasrat-Nazimi (av)
Revisão: Francis França