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Protestos para manter o status quo

Archim Lippold/Klaudia Prevezanos/ sv11 de junho de 2003

Os franceses protestam contra a reforma da previdência, que está prestes a ser aprovada. Funcionários públicos rejeitam 40 anos de trabalho até a aposentadoria, enquanto o premiê Raffarin não arreda o pé de sua posição.

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Manifestantes usam barricadas em confronto com a polícia no centro de ParisFoto: AP

Os franceses amam revoluções, mas detestam reformas. A descrição de um historiador norte-americano resume a conduta da vida política na França. Uma coisa é certa: há enormes dificuldades em implementar qualquer espécie de reforma que atinja o aparelho do Estado – um monstro, que já sobreviveu vários regimes e constituições, e hoje conta com cerca de cinco milhões de fiéis servidores. Quantos exatamente são, ninguém sabe.

Os últimos dias levaram milhares de franceses às ruas, fazendo com que a reforma da previdência se transformasse no assunto número um do país. Além dos grandes protestos, uma série de greves nos setores de transporte, coleta de lixo e ensino vem tentando paralisar o país.

Na última terça-feira (10), mais de 400 mil pessoas foram às ruas, principalmente em Paris e Marselha, enquanto trens e metrôs funcionaram precariamente. À noite, cerca de 350 pessoas invadiram a Ópera de Paris e interromperam o espetáculo em apresentação.

Funcionários públicos: não aos 40 anos de trabalho

Algo em torno de 25% da população ativa francesa têm o Estado como empregador. Este contingente se nega, com veemência, a ter que trabalhar tantos anos quanto os funcionários de empresas privadas no país, ou seja, 40 anos, ao invés dos 37,5 estipulados atualmente.

Vários ministros já foram "fritados" recentemente, por terem defendido a prorrogação do tempo de serviço para os funcionários públicos. Apesar de toda a resistência, o gabinete do primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin pretende levar a reforma à frente.

Para o liberal Roger Fauroux, ex-ministro e empresário, o serviço público francês é um bloco de improdutividade. A responsabilidade por essa situação, segundo Fauroux, está em várias mãos: por um lado, na de ex-ministros e altos funcionários, que por mero princípio de lealdade continuaram votando contra as reformas.

E, por outro lado, nas mãos da própria população. "Por tradição, respeitamos tanto o Estado, que não conseguimos tocá-lo. Comparando a outros países europeus, vemos que a administração fiscal na França custa o dobro do que custa na Itália, Espanha ou em países escandinavos", afirma Fauroux.

Premiê busca equilíbrio

As represálias ao funcionalismo público, no entanto, também são uma tradição francesa. "Sempre que a sociedade entra em crise e encontra-se frente a mudanças radicais é a administração pública que acaba servindo de bode espiatório", comentou há pouco o cientista político conservador Alain-Gerard Slama.

Jean-Pierre Raffarin
Primeiro-ministro francês Jean-Pierre Raffarin

Por essas e por outras, o premiê Raffarin procura um consenso. Para ele, não se deveria equiparar o serviço público às regras que regem as empresas privadas, pois, do ponto de vista histórico, os dois setores originaram-se de sistemas de previdência distintos. Uma reforma da previdência levada a cabo por motivos ideológicos seria, nesse contexto, um erro.

Prognósticos sombrios para o funcionalismo público

Na verdade, são razões de ordem econômica que forçam o premiê francês a mexer no status quo do funcionalismo público. A reforma prevê maior tempo de serviço até a aposentadoria, contribuições previdenciárias mais altas e cortes nos gordos abonos familiares.

O Estado dentro do Estado começa a ser liqüidado. E como se não bastasse, o liberal Raffarin ainda quer, este ano, reorganizar e redividir parte da adminstração pública. É pagar para ver se as reformas estruturais vão conseguir também mudar um pouco da mentalidade no país.