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Quais são as chances reais de um impeachment?

Érika Kokay3 de dezembro de 2015

Processo deve passar pela Câmara e pelo Senado antes de atingir o mandato de Dilma Rousseff. Para resistir à pressão, presidente terá de contar com uma base aliada fiel, incluindo o PMDB, afirmam especialistas.

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Dilma Rousseff
Foto: Reuters/J. Nukari

A crise política no governo Dilma Rousseff pode ter atingido seu nível mais crítico com a decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, de acolher o pedido de abertura de um processo de impeachment contra a presidente. O possível resultado, porém, divide opiniões entre especialistas ouvidos pela DW Brasil.

O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de Dilma em 2014 pelo Tribunal de Contas da União (TCU), incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".

Para o jurista Ives Gandra Martins, professor emérito da Universidade Mackenzie, o pedido aprovado por Cunha – ele mesmo sob risco de cassação – tem fundamentos legais para derrubar Dilma. Porém, a continuidade do processo não depende do aspecto jurídico. "A partir de agora, o julgamento será exclusivamente político", afirma o especialista.

Para resistir às pressões que estão por vir, a presidente terá de contar com uma base aliada fiel. Se o processo chegar ao plenário da Câmara, Dilma precisa do apoio de pelo menos 171 dos 513 deputados para ver arquivado o processo que pode acabar com seu mandato.

"Acho muito difícil que o governo não reúna essa quantidade de votos", diz Wagner de Melo Romão, professor do departamento de ciência política da Unicamp. "Dilma ainda tem uma força relativa dentro da Câmara." Segundo ele, a votação da meta fiscal nesta quarta-feira foi importante para mostrar que o "governo ainda tem gás".

Romão afirma que, caso o processo chegue ao Senado, o cenário é ainda mais favorável à presidente. "O governo tem uma base que não é exuberante, mas é minimamente sólida: tem a bancada do PT, do PDT, do PCdoB e mesmo do PSol, que já declarou que não vai avançar no processo de impeachment", diz o professor.

O especialista alerta que o processo de destituição de um governante não é um "rito sumário" e que, por isso, "as muitas etapas e tramitações podem sofrer resistência dos setores mais afinados com o governo". Romão não acredita que o impeachment será concretizado. "A minha impressão, hoje, é de que o processo será arquivado em uma dessas etapas."

A consultoria de risco político Eurasia Group também acredita que a presidente vai resistir. "Embora o apoio à saída de Dilma possa crescer, as facções pró-impeachment no Congresso estão longe da maioria de dois terços necessária para aprovar a moção no plenário", diz a empresa, em relatório divulgada nesta quarta-feira.

PMDB, uma incógnita

O próximo passo do processo de impeachment é a análise do pedido por uma comissão especial formada por 66 deputados, proporcional ao tamanho de cada bancada. Essa comissão vai dar um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.

O PMDB, partido de Eduardo Cunha e do vice-presidente Michel Temer, tem a maior bancada da Câmara – e, por isso, grande poder de decisão nesse processo. Mas a posição que o partido adotará nas próximas etapas ainda é imprevisível, segundo os especialistas.

"Recentemente, o PMDB divulgou um documento chamado Ponte para o Futuro, preparando claramente uma proposta de um governo em transição. Foi feito pensando num pós-Dilma", cita o pesquisador Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil do Woodrow Wilson Center, em Washington, nos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, o líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Leonardo Picciani, discordou da decisão de Cunha, dizendo que ele se "equivocou em aceitar o pedido de impeachment" e que não há "motivo jurídico para isso".

Por esses e outros motivos, "a reação do PMDB a tudo isso ainda é uma incógnita", afirma Sotero, que se pergunta: "Que rumo tomará esse partido? Ele se associará ao pedido de impeachment? Abandonará Dilma?"

Timothy Power, diretor do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, no Reino Unido, afirma que "há vários PMDBs", e que o futuro do processo depende da composição da comissão especial.

"Se o presidente dessa comissão for do PMDB, o que é provável, não sabemos se ele segue a linha de Renan Calheiros, que é mais simpático ao governo, ou a linha de Cunha, por exemplo." Segundo Power, isso fará grande diferença.

Chance para o PT?

Para Sotero, o próprio PT pode optar por facilitar o processo de impeachment. "O PT pode pragmaticamente decidir que para seu futuro, hoje bastante comprometido, o impeachment ofereceria uma chance de ressurreição, já que colocaria no poder a oposição, ou forças que não o PT, para lidar com a atual situação, que é dificílima."

O pesquisador afirma que a conjuntura econômica é desfavorável para o partido da presidente. Para lidar com a crise, serão necessárias medidas de ajuste econômico "altamente impopulares", que terão um custo político para quem está no poder, aponta.

Pressão da sociedade

Sotero acredita ser um equívoco considerar o mandato de Dilma como liquidado. "O governo dela provavelmente está, mas a possibilidade de tirá-la do poder não é clara, nem certa", afirma.

Para o pesquisador, o processo de impeachment não é só uma construção política e parlamentar, mas depende muito da reação da sociedade. "É preciso sintonizar o movimento pró-impeachment no Parlamento com o movimento da rua."

O jurista Ives Gandra concorda. "Se o povo sair às ruas pedindo impeachment, haverá certamente um impeachment. Os deputados não querem ficar com sua imagem vinculada a um governo maculado", diz o especialista.

"A meu ver, o processo depende exclusivamente da pressão popular. É a sociedade que vai levar os deputados a apoiar ou não o impeachment. Que vai fazer com que eles percebam que o país está ingovernável."