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"Reforma trabalhista é tímida e deve avançar mais"

9 de março de 2017

Para economista Fernando Botelho, da USP, legislação impõe freio ao mercado, e reforma é necessária. Porém, proposta não pode ser vista como solução para atual crise de emprego.

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Foto: AFP/Getty Images/M. Lima

DW Brasil: O governo associa a reforma trabalhista à melhoria da situação econômica. Há relação direta?

Fernando Botelho: Sim, de fato a legislação trabalhista aqui no Brasil é um dos fatores que impedem o bom funcionamento do mercado de trabalho. Gera muitos ônus para as empresas e para os trabalhadores. Certamente é um fator fundamental para reduzir a produtividade da economia brasileira. Precisamos de uma reforma trabalhista.

DW Brasil: A proposta do governo, que está sob análise do Congresso, pode solucionar isso de que maneira? Ela reduz o ônus da contratação?

FB: Ela é uma proposta tímida. Ataca alguns problemas, como a questão da hora extra, que possibilita, dentro de algumas condições, espalhar as horas da semana de trabalho ao longo dos dias. Isso aumenta a margem das empresas para alocar trabalho quando ela realmente precisa. 

DW Brasil: Está se referindo à possibilidade de as convenções coletivas permitirem novos arranjos de jornada de trabalho?

FB: Sim. É algo combinado numa convenção coletiva. Sentaram-se, como deve ser, trabalhadores e empregados, e decidiram que seria possível. Não é imposição.

Num país que tem uma legislação saudável, o negociado livremente entre as partes tem primazia sobre a lei criada pelo Estado na década de 40 (a CLT), com inspirações fascistas, para resolver questões trabalhistas. Reflete uma sociedade mais saudável, um ambiente mais pró-produtividade, pró-cooperação.

DW Brasil: Na visão do governo é a instabilidade jurídica que contribui para o desemprego, o alto grau de judicialização. Mas o senhor coloca também a importância da redução do custo da contratação do trabalhador pelo empregador. É isso?

FB: Isso, talvez a reforma tenha um impacto de curto prazo. Essa insegurança de ter o risco muito grande de ação trabalhista, mesmo tendo feito tudo certo, é terrível para a produtividade. É nefasto.

Só não acho que o efeito (para geração de emprego) será tão grande. Há outros fatores que precisam ser destravados para a geração de emprego ser retomada de forma mais intensa. Esta é uma das peças deste grande quebra-cabeça.

DW Brasil: Então a reforma trabalhista não pode ser vista como a grande solução para a geração de empregos no país?

FB: Não, não. Mesmo porque ela é tímida. Ela tem que avançar mais. A questão do imposto sindical, por exemplo. E tem que fortalecer sindicatos que realmente representam os trabalhadores. Muitos sindicatos hoje recolhem a contribuição sindical, mas representam uma fração ínfima de trabalhadores. Isso virou um negócio, pessoas que são donas de sindicatos, mandam neles.

A Fiesp, por exemplo, é um templo ao custo Brasil, à mamata. Da mesma forma que você tem contribuição sindical de trabalhadores, você tem de empresas. E eles se sustentam com base nisso. O Brasil precisa acabar com esses penduricalhos e ter realmente proteção efetiva para o trabalhador.

Tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário fazem bastante sentido, mas essa legislação da década de 40 tinha outra inspiração e foi feita para outro momento, outra estrutura de economia, mais industrial, mais intensiva em capital. Hoje estamos numa economia do conhecimento, em que as pessoas têm mais valor. Então esta legislação é absolutamente anacrônica e até atrapalha a inovação no Brasil. Atrapalha sobretudo pequenas empresas, que têm muita dificuldade para lidar com isso.

DW Brasil: Porque o custo de contratação é muito alto?

FB: Muito. Pegue uma empresa pequena, intensiva em trabalho. A lei foi feita para uma siderúrgica, por exemplo, com uma planta enorme, e com custo do trabalho pequenininho. Aí pegue uma empresa de software: ela basicamente contrata gente. É muito caro lidar com isso. A reforma é um pequeno passo nesta questão, mas há muito mais que o Brasil precisa tratar.

DW Brasil: Há algumas centrais contrárias à reforma, como a CUT, que apontam o risco de redução de direitos, o empregador vai contratar mais porque vai pagar menos.

FB: Então pergunta para a CUT: prefere que o trabalhador ganhe 100 reais ou que o governo e o trabalhador depositem 110 reais numa conta que vai render bem menos que a inflação? É disso que estamos falando. A CUT é conservadora, a favor do status quo, e se beneficia de toda essa estrutura. E tem o cunho político-partidário, contrário a qualquer modificação. Eles vão reclamar, têm o direito de fazer, mas a CUT não representa os trabalhadores do Brasil.

DW Brasil: Não há redução de direitos trabalhistas nesta proposta do governo?

FB: Eu diria que não, até porque talvez esses tais direitos alienem do mercado de trabalho uma parcela muito grande de pessoas, que fica absolutamente sem direitos no mercado informal, em condições muito precárias. Então talvez seja interessante reduzir um pouco desses tais direitos para incluir mais gente com algum direito. Acho que essa é uma conta que a gente tem que fazer.

DW Brasil: Sobre a terceirização e os contratos temporários: as propostas do governo e no Congresso são equilibradas?

FB: Talvez isso se adapte mais às necessidades do mercado de hoje. O mercado tem um tipo de trabalho, no setor de comércio, prestação de serviços, informática, tecnologia, com mais necessidade desses trabalhos temporários.

E muitos destes contratos temporários, no futuro, acabarão se transformando em contratos permanentes. É um mundo em constante transformação que precisa dessa flexibilidade. Não vejo nisso cerceamento de direitos. O maior cerceamento de direitos é não ter acesso ao mercado de trabalho. Isso sim é terrível.

DW Brasil: Que mudanças o governo precisaria fazer para ampliar o mercado de trabalho, já que a reforma não resolverá o problema?

FB: Algumas coisas o governo tem feito. Uma política bem efetiva de combate à inflação, que permita reduzir a taxa de juros de maneira mais consistente. 

Por outro lado tem a questão fiscal do Brasil. Foi aprovado o teto de crescimento dos gastos e agora temos que lidar com a questão da previdência, a outra perna da nossa reforma fiscal. A forma como o sistema funciona hoje é insustentável. Outra parte é a reforma trabalhista, permitir arranjos mais flexíveis desde que negociados entre as partes. Outro aspecto é a lei da terceirização, que estava parada no Congresso. E temos também que discutir a questão tributária. Não sei se o presidente Temer terá tempo e capital político para fazer mudanças tributárias. Essa é uma agenda de médio prazo.

DW Brasil: E como essa agenda aumenta emprego? Melhora o ambiente de consumo?

FB: Mexe em dois lados. De um, as empresas ficam mais confiantes, recomeçam a investir e isso gera mais emprego. Do outro, as pessoas ficam mais otimistas. Não é um otimismo insustentável, mas baseado em premissas razoáveis, e passam a consumir mais. Aí a roda começa a girar novamente.

DW Brasil: Se as reformas passarem, a inflação ficar sob controle, os juros caírem, o Brasil retoma um ambiente de crescimento em 2018?

FB: Retoma. Eu diria que o próximo presidente deve herdar uma economia muito mais dinâmica do que a que temos hoje. Óbvio que haverá outras questões que precisaremos tratar depois, como o que afeta realmente a produtividade do brasileiro. São temas mais complicados, mas é uma agenda para os próximos seis, sete anos.