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Registros do exílio

Soraia Vilela3 de abril de 2003

Exposição em Frankfurt documenta a produção literária em língua alemã no exílio entre 1933-1950, enquanto portal da Universidade de Salzburgo registra os 1200 autores austríacos que deixaram o país sob a ameaça nazista.

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Thomas Mann em Los Angeles, em outubro de 1942Foto: AP

Os dois projetos nada têm a ver um com o outro, exceto na temática. O primeiro, a exposição Editoração no Exílio 1933-1950, na Biblioteca Alemã, em Frankfurt, ocupa-se do que foi publicado na língua do país mundo afora, entre a tomada de poder pelos nazistas e os primeiros anos do pós-guerra. O segundo, um portal educativo da Universidade de Salzburgo, na Áustria, parte da mesma data, mas já deixa no título o caráter aberto do tema: Literatura Austríaca no Exílio desde 1933. Até quando?

Emigração cultural

Embora o fenômeno da literatura de exílio seja quase tão antigo quanto a própria escrita, foi no século 20 que ele tomou proporções dignas de nota. A partir de 1933, mais de dois mil escritores deixaram a Alemanha. Ao lado destes, músicos, artistas plásticos e cientistas. Os nazistas no poder testemunharam, em poucos meses, a maior emigração cultural em massa da história da civilização ocidental.

A exposição na Biblioteca de Frankfurt vasculha um pouco do que foi publicado por esses autores no exílio, fazendo com que o debate não gire apenas em torno dos conteúdos dos livros expostos, mas principalmente dos aspectos estéticos envolvidos na confecção de cada volume. Nomes célebres como os de Hans Arp, John Heartfield ou Lászlo Moholy-Nagy aparecem entre os dos tipógrafos e ilustradores.

Estética da resistência

Concebida pelo biblioteconomista Ernst Fischer, da Universidade de Mainz, a mostra destaca a "estética da resistência" dos volumes, cuja forma de confecção era muitas vezes utilizada por escritores e artistas como silenciosas formas de protesto.

Entre 1933 e 1950, foram registradas mais de 800 editoras de língua alemã espalhadas pelo mundo, entre aquelas que constavam oficialmente como dependências de grandes casas a outras que sobreviviam graças a cooperações com universidades ou fundações. O que unia grandes, pequenas e tipografias de quintal era a expectativa constante de ter que fazer as malas de repente e seguir caminho.

Livro de bolso

Entre as editoras que publicavam em língua alemã entre 1933 e 1950, cujos livros estão expostos em Frankfurt, destaca-se a Querido e Allert de Lange, (Amsterdã); Oprecht (Zurique); Malik (Praga), Edition de Carrefour (Paris), Aurora (Nova York) e El Libro Libre, (México). Entre os aspectos discutidos pela exposição, estão o da internacionalização dos processos gráficos, provocado pela emigração dos tipógrafos, além da grande inovação desencadeada pelas publicações no exílio: o livro de bolso.

Exílio como metáfora

Desde o mais célebre dos exilados, Ulisses, que, no entanto, havia deixado Ítaca por vontade própria, o exílio permeia a literatura como metáfora, sendo considerado até mesmo como o arquétipo da situação do escritor ou artista. Lembre-se aqui Adorno, quando diz que a sensação de estranhamento, do não se sentir em casa estando em casa é a única postura moral aceitável.

Há de se notar ainda que boa parte dos grandes nomes da literatura mundial vivenciou o exílio na própria pele. A lista é infindável: de Thomas Mann a Stefan Zweig, de James Joyce a Samuel Beckett, de Robert Musil a Elias Canetti, de Albert Camus a Emil Cioran.

O que talvez não seja lembrado, quando se cultua hoje o exílio quase como um estado inerente ao literato, é que a fuga de alguns escritores de uma Alemanha nas mãos dos nazistas mais se assemelhou ao estado de um dos milhares de refugiados políticos de hoje, encontrados nas fronteiras de países em guerra ou nos bancos de espera dos aeroportos.

Entre as vozes registradas na mostra de Frankfurt ou pelo portal da Universidade de Salzburgo, diga-se de passagem, nem todas ecoaram como as de Thomas Mann ou Berthold Brecht, cujas principais obras foram escritas no exílio. Alguns dos registros são de ilustres desconhecidos, cujas biografias e destinos nos parecem tão ou mais interessantes que a própria literatura que produziram.