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Rei de sociedade de atiradores quase perde título por ser muçulmano

Nastassja Steudel (jk)6 de agosto de 2014

Depois de muita polêmica, exceção é aberta para um filho de imigrantes turcos. Mesmo assim, ele não poderá exercer o cargo. Caso gerou debate sobre integração de estrangeiros na Alemanha.

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Foto: picture-alliance/dpa

O rei Mithat Gedik sorri para a câmera. Ele usa um chapéu verde de caça adornado com uma pena e uma corrente prateada em volta da cabeça, fazendo jus ao cargo. Ao lado dele, a esposa, declarada por ele rainha, ostenta uma coroa. A cena pode ser vista na galeria de fotos do site da Sociedade de Atiradores St. Georg Sönnern-Pröbsting, no estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália. Mas o rei dos atiradores de 2014 é muçulmano e quase perdeu sua majestade por não ser cristão.

Filho de turcos, Gedik, de 33 anos, nasceu e cresceu na Alemanha. Nos exames finais do colégio, teve "religião católica" como prova específica. Ele vive há anos com a mulher e filhos em Sönnern, distrito da pequena cidade de Werl. Como empresário, dirige a filial de uma grande empresa em Mannheim. Em Sönnern, Gedik é membro dos bombeiros voluntários e faz parte da diretoria da sociedade de atiradores, o popular Schützenverein.

No dia 18 de julho de 2014, um tiro certeiro lhe garantiu o cargo de rei do clube. Ao mesmo tempo, tornou-o protagonista de um debate nacional sobre integração e tolerância. "Nós nunca quisemos provocar essa situação, somente queríamos fazer uma bela festa de atiradores", explica.

Regulamento exclui não cristãos

De acordo com uma reportagem de um jornal local, apesar de ter conquistado seu título de maneira legítima, Gedik teria de devolvê-lo por questões religiosas. Para a principal associação nacional dos Schützenvereine, a católica BDHS, à qual a St.Georg é filiada, ter um muçulmano como rei é ir longe demais.

Muslimischer Schützenkönig Mithat Gedik
O rei é carregado por dois colegasFoto: picture-alliance/dpa

Ao que tudo indica, a Sociedade de Atiradores St. Georg Sönnern-Pröbsting não atentou ao próprio regulamento. Segundo este, Gedik não poderia sequer ter se tornado membro. "Saber ler tem suas vantagens", comenta Rolf Nieborg, porta-voz da BDHS, em tom irônico.

De fato, no segundo parágrafo do documento consta que: "A Sociedade de Atiradores St. Georg Sönnern-Pröbsting é uma união de pessoas cristãs". Mas ninguém atentou para isso antes. "Ninguém se lembrou de perguntar pela sua confissão, ele está muito bem integrado", justifica Nieborg.

O advogado Michael Röcken, especialista em clubes e associações, confirma a legalidade do regulamento. "Se há uma formulação assim no regulamento, Mithat Gedik nem deveria ter sido aprovado como membro." Regras assim são permitidas pela legislação alemã. "De acordo com o artigo 9º da Lei Fundamental, cada clube pode decidir que membros quer admitir", explica o advogado.

Segundo o especialista, o artigo 3º da Lei Fundamental, que prevê que todas as pessoas são iguais perante a lei, e também a chamada Gleichbehandlungsgesetz – a lei antidiscriminação – não se aplicam nesse caso. "Direitos fundamentais valem sobretudo na relação entre o Estado e o cidadão", diz Röcken.

Para resolver o problema, a BDHS chegou a sugerir a abdicação voluntária do rei ou a possibilidade de rebaixar seu título, nomeando-o "rei atirador cidadão". Se nada disso acontecesse, a St. Georg poderia ser expulsa da BDHS, pois, com um rei muçulmano, estaria contrariando os princípios da associação nacional.

Nesta quarta-feira, porém, veio a decisão final: Gedik pode manter o título, mas está proibido de participar de torneios regionais. Segundo a BDHS, a decisão excepcional de manter o título é uma expressão de respeito e integração a Gedik – mas ele não poderá exercer o cargo.

Como na Idade Média

"É completamente incompreensível para mim que tenhamos uma discussão desse tipo no século 21", diz Gedik. Ele conta ter recebido muitas palavras de apoio nos últimos dias. Na página principal do site do clube, leem-se comentários de solidariedade e também de espanto com a questão. "É como na Idade Média", escreveu uma usuária. "Para mim, isso com certeza não é um ato cristão, isso é revoltante."

Outro usuário disse que provavelmente ninguém verificou se todos os membros cristãos das sociedades de atiradores ainda são de fato membros das igrejas cristãs.

O pior comentário foi feito por um membro da própria BHDS, que sugeriu a Gedik se converter ao cristianismo para não perder o título de rei da sociedade de atiradores.