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Imprensa nazista em 2009?

DW (cr/av)26 de janeiro de 2009

Um projeto bem-sucedido em outros países europeus ameaça ir às barras da Justiça na Alemanha. Acusações contra "Testemunhas jornalísticas" vão de violação autoral a descaso por sofrimento das vítimas do nazismo.

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A nova edição de 'Zeitungszeugen'Foto: picture-alliance/ dpa

"Testemunhas jornalísticas" (Zeitungszeugen) é o nome de uma nova, polêmica coletânea lançada na Alemanha. Trata-se de reproduções de periódicos da era nazista, acompanhadas por análises e comentários de destacados historiadores alemães. Disponibilizando as fontes originais, o projeto visa fornecer uma visão não apenas da situação política da Alemanha da década de 1930 como também do dia-a-dia sob a cruz suástica.

Porém: é permissível, em pleno 2009, voltar a ler na Alemanha o Völkischer Beobachter (Observador Popular) e outros veículos de propaganda da era hitlerista? A publicação gera discussão no país, já exigindo até a intervenção da Justiça.

Direito de quem?

Cresce a discórdia em torno de um projeto que visava encorajar a releitura e reflexão. A edição atual de Zeitungszeugen tem uma tiragem de 150 mil exemplares, e se ocupa do incêndio do Reichstag, em 27 de fevereiro de 1933. Ela contém reproduções do jornal social-democrata Vorwärts, do burguês liberal Vossische Zeitung e do veículo do partido nacional-socialista, o Völkischer Beobachter.

Justamente este último incomodou a secretaria de Finanças da Baviera. Ela abriu processo contra a editora por violação das leis de direitos autorais. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o órgão bávaro detém os direitos da editora Eher, responsável pela publicação dos jornais nazistas.

Por uma questão de princípios e prevenindo o perigo de abuso, não foi concedida nenhuma licença de reprodução. Segundo a secretaria, a difusão de ideologia nazista deve ser coibida, também por respeito às vítimas, já que uma nova publicação as confrontaria repetidamente com seu sofrimento.

Alimento para os neonazistas?

No meio tempo, o Conselho Nacional dos Judeus da Alemanha apoiou esta argumentação. Segundo seu secretário-geral, Stephan Kramer, o projeto Zeitungszeugen forneceria, "em cada banca de jornal, fontes de cópias para a nova geração de nazistas", não se podendo falar em educação política séria.

A redação, a editora e os pesquisadores envolvidos rechaçam as acusações, e se preparam para uma longa batalha judicial. Segundo os historiadores, o esclarecimento sobre os crimes do nacional-socialismo "não é possível sem uma análise fundamentada dos documentos originais". A proibição constituiria nada mais do que "uma contribuição extremamente infeliz para a mistificação e exaltação da propaganda nazista".

Hitler e o vestido de Fräulein Hella

NS-Zeit Machtübernahme Adolf Hitler Brandenburger Tor
O Terceiro Reich se inicia em 30 de janeiro de 1933 diante do Portão de BrandemburgoFoto: HO

Frank Bajohr, historiador do Centro de Pesquisa de História Contemporânea, em Hamburgo, também está convencido de que leigos interessados podem aprender no contato com as fontes originais e os textos explicativos.

"Tem-se a impressão básica, acho, que nessa época, apesar das circunstâncias e eventos criminosos, muitos alemães percebiam seu quotidiano como normal. E também se percebe como uma tal ditadura podia funcionar no dia-a-dia da época."

Assim, no dia 30 de janeiro de 1933, quando Adolf Hitler assumiu o poder, a imprensa nacional-socialista e comunista emitiam mensagens conflitantes, e o Deutsche Allgemeine Zeitung, da direita conservadora, louvava o gabinete do novo chanceler do Reich.

Enquanto isso, "Fräulein Hella Oehmichen" se preparava para o Baile da Imprensa em Berlim, optando, afinal, por um vestido de cetim rosa-chá. E um artigo sobre os hábitos alimentares na Idade da Pedra – supostamente mingau de farinha e feijões-bravos – desencadeava acalorados debates entre os especialistas. De Zurique, informava-se sobre "casas de vinho com pessoal feminino". Para completar, todos os jornais trazem seções de anúncios, esporte, programas radiofônicos e de concertos.

Esclarecimento seletivo

Frank Bajohr está plenamente convencido de que os periódicos nazistas reproduzidos não representam qualquer perigo político. Ele admite: "Não há como excluir explicitamente a possibilidade de que um ou outro neonazista se delicie com um ou outro jornal." Porém não crê que esta clientela esteja bem servida com o Zeitungszeugen.

"Primeiramente, certos veículos da propaganda nazista foram intencionalmente deixados de fora, como, por exemplo, o agitador antissemita Der Stürmer. Em segundo lugar, não se reproduzem apenas os jornais nacional-socialistas, mas sim se incluem outras perspectivas, como a dos exilados nos países de língua germânica. E em terceiro lugar, todas estas coisas são acompanhadas tanto por uma introdução como por comentários críticos."

Em outros países europeus – Espanha, Áustria, Escandinávia e Grécia – o projeto já funciona, sem objeções jurídicas.