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Resistência inútil

mw14 de junho de 2003

EUA insistem na imunidade para seus soldados perante tribunal da ONU. Artifício quase inútil diante de leis na Alemanha e Bélgica, que aceitam denúncia de crimes de guerra, independente de nacionalidade e local do crime.

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Soldados americanos seguem à sombra da imunidadeFoto: AP

O governo George W. Bush conseguiu, na última quinta-feira, do Conselho de Segurança das Nações Unidas a prorrogação por um ano da imunidade a seus soldados em missões de paz internacionais. Doze países aprovaram o requerimento de Washington. Alemanha, França e Síria se abstiveram. O secretário geral da ONU, Kofi Annan, advertiu não ser possível ficar prorrogando por longo tempo o privilégio americano, sob o risco de se desacreditar o recém-instalado Tribunal Penal Internacional (TPI).

No mesmo dia, o secretário de Defesa dos EUA questionou a continuidade da sede da Organização do Tratado do Atlântico Norte em Bruxelas. A razão: a Bélgica possui uma lei que dá poderes a sua Justiça de julgar crimes de guerra cometidos fora de seu território e sem envolver pessoas de cidadania belga.

Donald Rumsfeld, Treffen der NATO in Brüssel
Rumsfeld, na sede da Otan em Bruxelas, na última quinta-feiraFoto: AP

O primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, o secretário americano de Estado, Colin Powell, e o comandante da guerra ao Iraque, Tommy Franks, estão na lista dos já denunciados. Para Donald Rumsfeld, daqui a pouco nenhum representante americano poderá participar mais de reuniões da Otan em território belga, para não correr o risco de ser detido.

Alemanha também pode investigar americanos

A ira de Washington sobre Bruxelas pode também atingir Berlim, pois a Alemanha possui lei similar à belga. O Código Penal de Crimes contra a Humanidade (Völkerstrafgesetzbuch) foi aprovado pelo parlamento alemão em 30 de junho de 2002, véspera da criação oficial do Tribunal Penal Internacional (TPI). Mas até hoje a opção de se apresentar uma queixa na Alemanha tem passado desapercebida. Ou seja, apesar da imunidade garantida aos soldados americanos perante a corte de Haia, eles não estão livres de acusações de crimes de guerra na Europa.

Oficialmente, Bruxelas e Berlim se defendem alegando que suas leis são um complemento exigido pelo estatuto do TPI. "Pela chamada Cláusula da Complementaridade, o tribunal internacional só poderá e deverá agir quando as cortes nacionais não tiverem condições e disposição de fazê-lo", afirma Peter Wilkitzki, do Ministério da Justiça da Alemanha.

O que diz o novo código penal

Isto é, uma vez que soldados alemães podem e devem ser responsabilizados criminalmente em seu próprio país por seus atos em missões no exterior, o TPI não precisará cuidar deles. Ao criar a lei, a Alemanha estabeleceu para seus cidadãos a garantia de imunidade perante o tribunal de Haia.

O novo código penal deu poderes bem mais amplos à Justiça alemã. Nele, crimes de guerra e contra a humanidade, assim como genocídio, foram redefinidos. Até então considerada apenas como lesão corporal, a tortura é qualificada agora como crime de guerra e pode ser denunciada aos tribunais alemães, independente da nacionalidade da vítima ou do acusado. Outra mudança: quem dá ordens é também diretamente responsável pelos atos de seus subordinados.

Legalmente existe, portanto, a possibilidade de um soldado, comandante ou mesmo membro de governo americano ser detido na Alemanha, caso exista contra ele uma denúncia. Se e quando isto ocorrer, o conflito diplomático é quase certo. Uma lei dos EUA, por exemplo, permite que Washington use, em caso de necessidade, a força militar para libertar soldados americanos presos no exterior.

Investigação não obrigatória

O próprio código alemão deixou entretanto aberta a porta para se evitar conflitos deste tipo. Ele instituiu a possibilidade de o ministério público alemão investigar crimes internacionais, mas não a obrigatoriedade. Esta só existe para caso envolvendo alemão e desde que a denúncia ainda não esteja sendo apurada por tribunal no exterior.

Internationaler Strafgerichtshof mit Logo
Logomarca e prédio do Tribunal Penal Internacional, em Haia

Se não houver vínculo direto com cidadão ou interesse alemão, o ministério público pode rejeitar a queixa, especialmente se ela já estiver sendo averiguado pelo TPI ou pela Justiça de outro país. "Não podemos brincar de polícia ou tribunal do mundo. Não podemos investigar todos os crimes cometidos na Somália, Indonésia ou América do Sul", diz Wilkitzki.

Na Bélgica, apesar da chiadeira de Washington, a lei já foi alterada exatamente para evitar conflitos diplomáticos indesejados. De acordo com o ministro do Exterior, Louis Michel, toda denúncia contra estrangeiro, de desrespeito aos direitos humanos, é encaminhada à Justiça do respectivo país, caso se considere que esta pode garantir ao acusado um processo justo.

EUA sem saída

Para o redator de política internacional da DW-RÁDIO, Klaus Dahmann, uma coisa é certa: o TPI e as leis belga e alemã são progressos irrevogáveis, e os Estados Unidos precisam compreender isto. "A longo prazo, está condenada ao fracasso esta tentativa de Washington de derrotar esta revolução da Justiça mundial com manobras táticas", acredita o jornalista. Dahmann só vê uma saída para a maior potência do planeta: ratificar o estatuto do Tribunal Penal Internacional, "pois esta é a única garantia duradoura de que cidadãos americanos só serão denunciados aos tribunais de seu país e por eles julgados".