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Rodrigo Amarante apresenta seu "Cavalo" de sons e palavras em Berlim

Marco Sanchez16 de maio de 2014

Integrante do Los Hermanos, Orquestra Imperial e Little Joy apresenta na capital alemã seu primeiro disco solo. "Cavalo" trata de temas como distância, espaço e ser estrangeiro.

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Foto: Eliot Lee Hazel

A principal matéria-prima de Rodrigo Amarante é a palavra. Sua composição ganhou formas e veículos diversos durante sua prolífica carreira e alcança seu momento mais sublime em Cavalo.

O disco de estreia, lançado no Brasil no ano passado, chega agora aos ouvintes do resto do mundo, acompanhado de uma turnê europeia, que tem início em Berlim neste domingo (18/05).

"Eu não vinha esperando um momento de fazer isso. Pensava sobre quando seria e o que eu escreveria. O momento surgiu quando não deu para fazer o segundo disco do Little Joy e decidi fazer o meu disco", declarou o músico à DW Brasil.

Além do Little Joy, banda formada com Fabrizio Moretti, do The Strokes, e Binki Shapiro, Amarante é guitarrista da banda do americano Devendra Banhart, faz parte da big band carioca Orquestra Imperial e ainda dos Los Hermanos, onde, ao lado de Marcelo Camelo, assumia o papel de compositor, tornando-se um dos mais celebrados nomes da nova música brasileira.

"Eu comecei do zero. Escrevi um monte de música antes de escrever a primeira que seria o caminho que eu deveria seguir. Por isso que o disco tem esse fio, não pensava num conceito ou um fio que o amarrasse, mas acabou sendo assim", explica Amarante.

O ser estrangeiro

Há seis anos o músico vive em Los Angeles. Uma cidade que aconteceu em sua vida. Uma "sugestão do destino" à qual ele resolveu prestar atenção. Essa sua nova condição é o fio que conduz Cavalo.

Rodrigo Amarante
Amarante vive há seis anos em Los Angeles, nos Estados UnidosFoto: Eliot Lee Hazel

"O disco, de uma forma ou de outra, fala sobre ser estrangeiro, separação, distância, espaço, e acabou ganhando conceito na escrita. Algumas músicas falam sobre a escrita em si, sobre estar sozinho escrevendo, como Hourglass. Irene fala sobre a distância, já Nada em Vão, sobre o espaço do não dito. Mon Nom é a música que mais representa a condição de estrangeiro, com consciência disso. Os temas foram se amarrando e se desenvolvendo juntos", conta o carioca.

Cavalo é marcado por uma melancolia singular e por um clima que, para os estrangeiros, pode remeter à despretensão despojada da costa leste americana. Para os brasileiros, há um ar de saudades, uma distância gostosa, um sentimento de falta de ter algo para almejar do outro lado do oceano, mas também de gostar de ter uma perspectiva diferente de si mesmo.

Sonoramente, as delicadas canções de Amarante são como uma caixinha de surpresas que, a cada audição, revela algo que vem do seu interior, de sua alma. Uma trilha sonora para suas letras imagéticas, de um filme abstrato que se passa na cabeça e no coração do músico.

"Queria voltar para a canção, para a letra. Imagino que qualquer obra de arte deva servir como um espelho indomável e imprevisível. Quando exponho um sentimento, uma ideia, o que eu quero não é ser simplesmente aplaudido pela clareza ou riqueza dessa exposição, mas, em última instância, iluminar um sentimento que existe no interlocutor. Uma utopia em ajudar aquela pessoa a se descobrir e dar a ela uma nova perspectiva em relação a si mesma", afirma Amarante.

Dimensões da escrita

A escrita também é um dos principais elementos de Cavalo, que tem letras em português, inglês e francês. "Começar a escrever para um público que não me conhecia colocou tudo à prova. Foi como começar de novo", revela o músico, que resolveu lidar com a limitação de compor, para descobrir e criar algo novo. "Por que não tentar escrever nessas línguas e lidar com essa limitação?"

Dar importância à palavra foi uma atitude política do artista, que buscou não subjugar seu público. Isso se refletiu na escolha do nome do disco.

"Eu achei mais interessante abrir esse espaço para dizer: o que há nesse disco está no disco, não há um outra coisa. Já existe um paralelo que é a imagem do cavalo. Em vez de gritar, como eu vejo que está todo mundo fazendo, eu quis sussurrar. Dar um passo para trás e acreditar que o ouvinte que se interessa vai se aproximar de mim, e que seja uma coisa natural, não uma luta por espaço", conta.

O músico se diz apaixonado pela palavra e pelo ato de escrever. A paixão fica explícita na capa de Cavalo, que, em vez de uma imagem ou uma foto do cantor, é estampada com as letras das músicas do disco. O que também reflete um ato político.

"É a imagem de uma página, que é simplesmente uma possibilidade, algo que só pode ser visto uma vez que se entre. Ou seja, é também um comentário sobre o tempo. Todo mundo está com medo de não ser recebido ou aceito. Vivemos uma vida que parece que o objetivo é se parecer com uma ideia emulada pela propaganda. É uma ideia perigosa, que atrela liberdade a consumo. Liberdade tem que ver com responsabilidade. Só vou me sentir livre quando todos à minha volta também forem livres", diz.

Diferentes vozes

A turnê de Cavalo já passou por diversas cidades brasileira e pela América Latina. "Devo fazer outra perna no Brasil em agosto", avisa Amarante. "Viajo com uma banda pequena, sou eu e mais três caras na bateria, baixo, guitarra e teclados, mas todo mundo se reveza nos instrumentos."

O show do músico é focado em suas músicas solo. "Eu toco só canções minhas, com exceção de uma antiga composição, que eu gravei com o Little Joy, chamada Evaporar, que eu me sinto à vontade para tocar no show. Esse é meu primeiro disco solo, prefiro tocar as músicas novas do que as de outras bandas."

No entanto, a empreitada solo de Amarante não o afastou de seus outros projetos. "Da Orquestra [Imperial] sou membro fundador, sempre vou encontrar tempo. Não há planos com o Los Hermanos, mas foi uma turnê maravilhosa. Sempre existiu muito respeito e admiração. Somos muito amigos. No caso do Little Joy, precisamos sentar e compor porque é uma escrita coletiva", explica o músico, que ainda faz parte da banda de Banhart.

Sem pretensão, Amarante diz que mesmo se sentindo despreparado, não tem medo de discutir temas importante. "Tento encontrar o meu papel escrevendo canções. Não acho que vou mudar o mundo, mas seu eu puder mudar um pouco a perspectiva de outra pessoa, fazer ela ser mais tolerante, já fico feliz. Sinto-me um cara rico e sortudo porque dedico a minha vida a resolver problemas semânticos. Por isso eu fiz esse disco aí sem capa. Pouco a pouco vamos mudando o rumo do barco", conclui.

Rodrigo Amarante toca no Privatclub em Berlim neste domingo (18/05). Além da Alemanha, a turnê europeia de Cavalo deve passar por Holanda, França, Inglaterra, Bélgica, Espanha, Suíça e Portugal.