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Rússia intensifica cruzada anti-LGBTQ+

Jennifer Pahlke
15 de dezembro de 2023

Autoridades têm proibido qualquer coisa que considerem promoção de um "estilo de vida não heterossexual". Nova lei contra "extremismo" do "movimento internacional LGBT" é mais uma tentativa de sufocar a comunidade.

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Uma bandeira LGBT é vista de cima enquanto é firmemente segurada por manifestantes, dos quais só se vê as mãos
Está cada vez mais difícil ser LGBTQ+ na Rússia.Foto: Sergei Ilnitsky/dpa/picture alliance

No final de novembro, em mais um ato de sua cruzada anti-LGBTQ+, a Rússia qualificou como extremista e baniu o que chama de "movimento internacional LGBT" e suas atividades.

No dia seguinte ao julgamento da Suprema Corte, ao menos três casas noturnas e saunas em Moscou foram revistadas pelas autoridades – isso apesar de a lei só estar prevista para entrar em vigor em 10 de janeiro de 2024.

"A polícia veio e trancou a porta para que ninguém pudesse sair do clube. Disseram que estavam procurando por drogas. Tivemos que deitar de bruços no chão. Eles não encontraram nada, mas pegaram todos os nossos dados pessoais e fotografaram nossos passaportes", relata à DW uma pessoa que presenciou uma dessas operações e que pediu para ter a identidade preservada.

As autoridades russas ainda não comentaram o caso. Também não houve menção a operações antidrogas na mídia estatal.

Detalhe da fachada da Suprema Corte russa, com uma estátua de uma mulher segurando uma balança na mão e um escudo na outra. Atrás da estátua, vê se a fachada de vidro do edifício, adornada por uma escultura de uma coroa de louros e uma águia de duas cabeças.
Investida do Kremlin contra a comunidade LGBTQ+ tem o apoio da Suprema Corte russa, que classificou movimento de "extremista" em novembroFoto: NATALIA KOLESNIKOVA/AFP/Getty Images

A nova decisão tem um impacto dramático sobre a comunidade LGBTQ+ – sigla usada para designar pessoas que fogem à hetero e/ou cisnormatividade; isto é, que não sentem atração (apenas) pelo gênero oposto, ou não se identificam (apenas) com o gênero que lhes foi atribuído ao nascer.

"Nenhum de nós pode viver mais em paz", desabafou em uma plataforma online um frequentador de um dos clubes alvos da polícia. "Estamos o tempo todo caminhando na corda bamba entre 'propaganda' e 'extremismo'." Outra pessoa disse ter deixado de frequentar clubes porque era muito perigoso.

Pessoas sem histórico de ativismo na mira das autoridades

Para a feminista e ativista LGBTQ+ Regina Dzugkoeva, a nova lei é algo sem precedentes. "Operações de busca, fotografar passaportes e atos de intimidação já aconteceram antes. Mas essas medidas atingiam principalmente organizações e ativistas, não pessoas comuns na Rússia."

A perseguição à comunidade LGBTQ+ do país se intensificou nas últimas décadas. Em 2013, uma lei proibindo a disseminação de suposta "propaganda gay" entre menores entrou em vigor, sendo estendida a todas as faixas etárias em 2022.

Ao definir "propaganda" em termos muito amplos, o texto criminaliza até mesmo pessoas que se assumem ou que sugerem que é normal desviar da heterossexualidade.

A medida foi aprovada pelo presidente russo Vladimir Putin poucos dias após o endurecimento de outra legislação altamente restritiva sobre "agentes estrangeiros", que tem sido utilizada pelo Kremlin para reprimir dissidentes e sufocar ainda mais a liberdade de expressão e os direitos humanos.

Cresce a autocensura

O endurecimento da lei contra a "propaganda gay", em 2022, levou a um aumento da autocensura, segundo a ativista LGBTQ+ Svetlana Shaytanova. "A história russa mostra que a autocensura é a forma mais eficaz de censura", diz. "Sob [o ditador russo Joseph] Stalin, certas coisas eram proibidas e depois punidas publicamente. As pessoas recorriam à autocensura por medo." Shaytanova diz ter certeza de que isso voltaria a acontecer.

Antes mesmo de 2022 um canal de televisão russo, a TNT Music, censurou um arco-íris que aparecia em um videoclipe da banda de K-pop Seventeen, "God of Music", colorindo-o de cinza (veja abaixo).

O mesmo canal foi multado em 1 milhão de rublos (cerca de R$ 55 mil) em julho deste ano por um tribunal de Moscou após exibir um videoclipe da cantora finlandesa Alma, "Summer Really Hurt Us", que mostra duas mulheres dançando e se beijando.

De acordo com a imprensa russa, outros quatro casos semelhantes tramitam nos tribunais – um deles pode resultar em uma multa de até 16 milhões de rublos (cerca de R$ 879 mil).

O canal de música russo AIVA também foi multado em 50 mil rublos (R$ 2,7 mil) por exibir um vídeo de Sergey Lazarev, que representou a Rússia duas vezes na competição musical Eurovision, ficando em terceiro lugar em ambas as ocasiões. Classificado como impróprio para menores, o vídeo em questão, intitulado "Tak krasivo" ("Tão bonito"), mostra casais do mesmo sexo de mãos dadas – para a as autoridades, uma propaganda de relacionamentos sexuais "não tradicionais".

A censura atingiu até mesmo a célebre banda e ícone queer t.A.T.u., formada por Lena Katina e Julia Volkova, conhecidas por se beijarem no palco e em seus vídeos – embora, segundo relatos, não se identifiquem como LGBTQ+. Em 2022, administradores da rede social VKontakte na Rússia deletaram voluntariamente todas as fotos da dupla se beijando. O acesso a outras postagens, fotos e vídeos relacionados à banda foi aparentemente bloqueado.

Cena cultural sofre

O cinema, a literatura e o teatro também foram afetados. O canal de televisão russo STS Love removeu três episódios de uma série de televisão sobre duas drag queens em uma boate gay. Livros que fazem qualquer alusão a relacionamentos sexuais "não tradicionais" estão sendo proibidos. No ano passado, o Teatro Bolshoi de Moscou cancelou uma peça sobre o famoso bailarino russo Rudolf Nureyev porque ele era abertamente gay.

O bailarino russo Rudolf Nureyev, com o torso nu e o rosto maquiado, se apoia em uma barra com uma mão enquanto estende o outro braço em um movimento de balé
O bailarino russo Rudolf NureyevFoto: Hugues Vassal/akg-images/picture alliance

A lei de extremismo também levou ao fechamento de locais frequentados pela comunidade LGBTQ+, como o Central Station, a boate gay mais antiga de São Petersburgo. "O proprietário se recusou a nos deixar trabalhar por causa da [nova] lei", escreveu o dono no VKontakte. "Pedimos desculpas, mas não estamos mais em funcionamento."

"Sempre haverá pessoas LGBTQ+ na Rússia, como sempre houve", diz a ativista Dzugkoeva à DW.

Ela, porém, prevê que muitos emigrem. "Estamos recebendo cada vez mais mensagens de pessoas na Rússia contando suas histórias, dizendo que estão com medo, desesperadas, e que querem deixar o país."

"Mas é claro que nem todo mundo pode simplesmente sair", lembra Shaytanova.