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Seca ameaça transposição do São Francisco

Clarissa Neher24 de junho de 2015

Região enfrenta maior estiagem dos últimos cem anos. Especialistas alertam que projeto pode sofrer com a falta d'água quando ficar pronto, em 2017. Governo, porém, confirma viabilidade mesmo com seca.

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Foto: picture-alliance/Bibliographisches Institut/Prof. Dr. H. Wilhelmy

Quando lançado em 2007, o projeto para a transposição do Rio São Francisco prometia levar água a milhões de brasileiros a partir de 2010. Cinco anos depois, no entanto, a obra ainda não foi entregue, e uma ameaça paira sobre o maior projeto de infraestrutura hídrica do país: a pior seca na região dos últimos cem anos.

A estiagem fez com que o rio atingisse níveis críticos na última semana, o que levou a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) a diminuir a vazão para 900 metros cúbicos por segundo em tempo integral, visando evitar que os reservatórios das usinas hidrelétricas da região fiquem sem água, caso a seca persista no próximo ano.

Essa situação também coloca em questão o sucesso da transposição do Rio São Francisco. O impacto da estiagem sobre o projeto é controverso. Apesar de ainda estar em fase de obras, críticos já afirmam que existe um risco da transposição fracassar devido à falta d'água.

O governo, porém, garante que a captação será mínima e não há perigo de o projeto se tornar um elefante branco.

Clima complexo

Um dos maiores problemas para a garantia do sucesso do projeto é a complexidade do clima e de ecossistemas, pelos quais o "Velho Chico" passa. O geógrafo Aziz Ab'Saber, que morreu em 2012, foi o maior crítico da transposição. Em seus trabalhos, ele já previa que a seca poderia atrapalhar o empreendimento e criticava a falta de estudos amplos sobre as áreas que irão receber e fornecer as águas.

A geógrafa Rita de Cássia Ariza da Cruz, da USP, não descarta a possibilidade de faltar água para a transposição. Ela aponta dois motivos que podem contribuir para esse cenário: o clima e o próprio projeto.

"Por um lado, não é possível prever, com precisão, o comportamento do clima que atinge a região, considerando a extensão e a regularidade das chuvas, por exemplo. Por outro lado, a transposição deverá implicar em um aumento considerável no uso das águas do rio e, portanto, maior demanda e menor disponibilidade hídrica", reforça da Cruz.

Para o geógrafo Flávio Rodrigues do Nascimento, da Universidade Federal Fluminense, se a estiagem persistir por mais alguns anos, a diminuição na quantidade de água do São Francisco pode impactar diretamente na transposição. "Se projeto estiver concluído nesse período, com certeza, pode haver um problema muito sério", diz o especialista em semiárido.

Nascimento ressalta a complexidade do clima na região e acrescenta que, mesmo se o longo período de estiagem acabar, será preciso gerenciar adequadamente o uso da água para evitar um colapso, devido à demanda do projeto e das hidrelétricas. Dessa maneira, a quantidade de água distribuída pela transposição tende a ser bem menor do que o previsto.

Água para todos

Apesar das críticas, o governo federal, por sua vez, afirma que o projeto não está ameaçado com a seca. Tanto o Ministério da Integração Regional, responsável pela obra, quanto a Agência Nacional de Águas (ANA), que concedeu a autorização para o uso dos recursos hídricos, garantem a viabilidade da transposição.

"Mesmo que o projeto já estivesse operando não haveria risco nesse momento para transposição. Isso porque o problema atual da seca no São Francisco é em relação aos níveis d'água e não à quantidade de água disponível", afirma Carlos Motta, especialista em recursos hídricos da ANA.

Segundo Motta, o projeto prevê a retirada de 26,4 metros cúbicos por segundo em momento de escassez. Quando há excesso de água na bacia, a retirada pode chegar a 127 metros cúbicos por segundo.

O Ministério da Integração Regional reforça ainda que o menor volume a ser bombeado pelo projeto representa apenas 1,4% da vazão média do rio.

Transposição

O projeto prevê levar água a 390 municípios dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, abastecendo 23 açudes e 27 reservatórios. Sua extensão é de 477 quilômetros, divididos em dois eixos de transferência, o norte e o leste.

A expectativa é de beneficiar 12 milhões de pessoas. Até o momento, o governo federal já investiu 6,5 bilhões nas obras. Ela foi orçada em 8,2 bilhões. Cerca de 76% das obras do eixo norte já foram executadas e 72,4% do eixo leste.

As obras devem começar a ser entregues ainda neste ano. A transposição deve ser concluída, porém, apenas em 2017, segundo o Ministério da Integração Regional.