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Situação da VW do Brasil não é fácil, diz sindicalista alemão

Neusa Soliz15 de novembro de 2001

Conselho Mundial de Funcionários da Volkswagen se solidariza com os colegas em greve no Brasil, mas vê a questão por outro ponto de vista.

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Uhl defende jornada mais curta, com salário menor, para garantir empregosFoto: VW

Em Wolfsburg, sede da Volkswagen, representantes da montadora não quiseram se pronunciar sobre a greve na Fábrica Anchieta, em São Bernardo do Campo, alegando que negociações salariais são assuntos locais.

O Sindicato dos Metalúrgicos do Grande ABC exige que a Volkswagen do Brasil volte atrás e torne a readmitir os três mil funcionários demitidos por carta na semana passada. A direção da empresa queria implantar a semana de quatro dias e reduzir os salários em 15%, para fazer frente à queda de vendas no mercado brasileiro, o que o sindicato não aceitou, dando ensejo às dispensas.

Enquanto as negociações foram retomadas em São Bernardo, o secretário-geral do Conselho Mundial de Funcionários da Volkswagen, Hans Jürgen Uhl, confirmou a vinda do presidente do sindicato do Grande ABC, Luiz Marinho, à Alemanha para conversar com o diretor mundial de Recursos Humanos, Peter Hartz.

Uhl não quis comentar a estratégia de luta do sindicato brasileiro, mas manifestou sua solidariedade com os colegas e o movimento no Brasil. Ao mesmo tempo, ele reconhece que a situação da Volkswagen do Brasil é bastante difícil. A crise atual no Brasil, ligada à "catástrofe na Argentina", afeta a venda de veículos e a indústria automobilística em geral, e não apenas a VW. "Quando não se tem clientes que comprem os produtos, fica crítica a situação para se manter o quadro de funcionários", disse o sindicalista alemão.

No mesmo barco - A situação da América do Sul deve ser vista como um todo, expôs Uhl em entrevista à Deutsche Welle. A unidade de Pacheco, perto de Buenos Aires, fabrica automóveis para o mercado brasileiro e, nesse meio tempo, está produzindo com 20% de sua capacidade, pois esses carros são muito caros para o mercado brasileiro, em função da diferença cambial. A direção da Volks e o Conselho Mundial de Funcionários procuram evitar o fechamento de uma fábrica em plena situação de crise, e nesse sentido a diretoria não age simplesmente por critérios empresariais.

Por sua vez, as fábricas da Volks no Estado de São Paulo (Anchieta e Taubaté) são antigas e já diminuíram bastante seu pessoal nos últimos anos. São Bernardo chegou a ter 40 mil funcionários há muitos anos, assim como Wolfsburg 65 mil. Agora, a fábrica Anchieta tem 16 mil e Wolfsburg, 24 mil.

Em Hanôver, na Alemanha, o quadro de funcionários ficou reduzido à metade, e mesmo assim surgiram outras fábricas em outros lugares. A de Curitiba é um bom exemplo dos problemas de planejamento empresarial em países sujeitos a crise. Planejada pela VW em 1997, quando se necessitava ampliar a produção, mal ficou pronta e começou a crise no mercado brasileiro.

Evitar o pior - A preocupação do Conselho Mundial de Funcionários em situações de crise é sempre que se evite o pior, ou seja, o fechamento de fábricas. "No caso do Brasil, queremos evitar que milhares de pessoas sejam despedidas, coisa que, por exemplo, os americanos fazem de imediato, sem pensar muito nas conseqüências. Para isso, procuramos esgotar todas as possibilidades", diz Hans-Jürgen Uhl.

Entre os mecanismos desenvolvidos nos últimos anos em conjunto com a direção da montadora ele cita a redução da jornada de trabalho acompanhada de redução salarial. "Quando se trabalha menos horas é possível empregar mais gente. Com jornada longa, seria preciso despedir gente."

Outro recurso é o chamado banco de horas, em que o funcionário acumula horas de trabalho para se aposentar mais cedo, tirar férias mais longas, trabalhar meio expediente, ou menos em épocas de menor produção. O modelo da semana de quatro dias de trabalho foi introduzido na VW em Wolfsburg em 1994, embora o tema da redução da jornada de trabalho para garantir empregos já ocupasse há mais tempo o Sindicato alemão dos Metalúrgicos.

Diferenças Brasil-Alemanha - Perguntado sobre as diferenças na cultura de negociações salariais na Alemanha e no Brasil - a tática de luta do Sindicato no Brasil, enquanto na Alemanha o diálogo e o entendimento parecem prevalecer, num país em que a co-gestão tem uma longa história - Uhl disse que a tradição sindical sempre é ditada pelas condições históricas.

Ele lembrou o final da década de 70 no Brasil, quando a direção da Volks recorria aos militares para reprimir o movimento sindical, e também que a CUT conquistou o seu espaço com muita luta, enfrentando a resistência das multinacionais, entre elas a Volkswagen. Os sindicalistas alemães apoiaram essa luta.

No entanto, os tempos mudaram muito e hoje as relações são mais democráticas. Tanto o conselho de funcionários em São Bernardo, como o Sindicato dos Metalúrgicos e a CUT, por um lado, fizeram enormes progressos na disposição de cooperar, quando vêem que isso é recíproco. O mesmo pode-se dizer da direção da VW do Brasil. Também é um sinal dos tempos quando Marinho quer conversar com um diretor da VW em Wolfsburg e logo consegue uma entrevista. "Eu não sei se isso seria possível na Ford, ou na GM", diz o secretário-geral do Conselho Mundial de Funcionários da VW.

Luís Marinho e os sindicalistas brasileiros veêm jogo duro por parte de Herbert Demel, o presidente da VW do Brasil. A proposta inicial da VW continha uma cláusula que permitiria à montadora continuar despedindo mais mil funcionários por ano, além dos três mil. Isso até que a fábrica Anchieta tivesse 6 mil funcionários na produção do Polo. Cerca de dois bilhões de reais foram investidos em novos sistemas de produção nessa fábrica.

Ditames do mercado - A outra razão das dispensas está na crise do mercado brasileiro, que afetou igualmente outras montadoras. No terceiro trimestre, as vendas de veículos da VW diminuíram 3,1% para 134 mil automóveis. Em outubro, as vendas caíram 15%. O mercado brasileiro teve uma retração geral de vendas de automóveis de 20%. Nesse contexto, a VW perdeu para a Fiat a liderança do mercado brasileiro, o que também está relacionado à pouca rentabilidade das suas fábricas antigas (Anchieta e Taubaté), em regiões de salários altos (Estado de São Paulo).

A Renault, por exemplo, montou sua nova fábrica em Curitiba, onde os salários são bem inferiores. Todos esses fatores de produtividade e rentabilidade pesam mais do que nunca na era da globalização e acabam tendo implicações para a mão-de-obra, ressaltou Hans-Jürgen Uhl.

"Como sindicalista alemão eu vejo muito claramente que só podemos manter padrões sociais, pagar salários e empregar pessoas quando somos bons no mercado e vendemos nossos produtos. É preciso ver as medidas nesse contexto da concorrência e das condições de mercado", ressaltou.

A Renault e outras produzem em condições mais rentáveis, pagando salários menores do que os da VW, e colocando modelos novos no mercado. "Já os funcionários da Volks lutam por manter o seu nível de salário, seu padrão social mais elevado", ponderou.