1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Entrevista

Cristina Papaleo (sv)14 de novembro de 2008

Montserrat, soprano espanhola radicada no Brasil, experimenta em novo CD misturar a leveza da bossa nova com a dramaticidade do bolero. Em turnê pela Alemanha, a cantora falou com a DW-WORLD.DE.

https://p.dw.com/p/Fump
CD de Montserrat: 'Boleros com Bossa'

A fusão de gêneros tão distintos como o bolero e a bossa nova não é uma tarefa fácil, já que o bolero condensa o prazer e o sofrimento do amor, sendo uma expressão musical típica da América de língua espanhola, enquanto a bossa nova é associada a melodias leves e descompromissadas.

Com raízes na contradança do século 17 e influências de ritmos folclóricos como a habanera e o danzón cubanos, o bolero recorre aos ritmos da música cigana, às palmas e às caixas do flamenco, fundindo-se com ritmos africanos, com a lírica italiana e com a zarzuela espanhola. De toda essa herança surge uma liturgia que canta o amor, na maioria das vezes não correspondido, traído ou perdido.

Em turnê pela Alemanha para apresentar seu último CD (Boleros com Bossa), a soprano espanhola Montserrat, radicada no Brasil, apresenta ao público a leveza da bossa nova brasileira unida à dramaticidade do bolero. Segundo a cantora, seu trabalho não é composto de "boleros light", mas sim de canções interpretadas com forte emoção, com arranjos resultantes da interseção entre várias influências culturais. Leia abaixo entrevista com a cantora:

DW-WORLD.DE: Como você, uma soprano formada na Espanha, começou a se interessar por bolero e mais tarde pela bossa nova?

Montserrat: O bolero é um gênero musical com o qual tive contato desde pequena. Mais tarde, me formei em canto lírico. Em 2003, comecei a cantar boleros em homenagem à minha mãe. É no bolero que estão minhas emoções, meus sentimentos e minha relação com a minha própria memória musical, aquilo que corre pelas minhas veias. A bossa nova entrou na minha vida quando passei a viver no Brasil. Já admirava o gênero como um dos três grandes ritmos da América Latina, ao lado do tango e do bolero.

Depois de gravar meu primeiro disco em Cuba, junto de Pablo Milanés e integrantes do Buena Vista Social Club, tive a oportunidade de conhecer um dos papas da bossa nova: Roberto Menescal. Ou seja, o bolero aprendi como língua materna e a bossa é um idioma que aprendi, mas que também reflete o que sou.

O bolero é prazer e sofrimento, ou seja, paixão, enquanto a bossa é associada à leveza. E um bolero sem paixão não é bolero. Você combina os dois ao cantar e interpretar. O que cada gênero ganha e o que cada um perde nas suas interpretações?

Ambos se conjugam sem que seja preciso forçar qualquer coisa. É claro que nada parte do zero e que os gêneros se recriam mutuamente. O bolero está presente em muitos outros ritmos e aproveitou essas influências.

Montserrat, Boleros con Bossa
A cantora em DüsseldorfFoto: Klein

Em Cuba, tive a oportunidade de conhecer César Portillo de la Luz, um dos grandes compositores cubanos contemporâneos e um dos iniciadores do bolero feeling, que não é outra coisa que uma fusão do bolero com o jazz, que, acredito eu, se complementam. Tento passar, através da leveza e suavidade da bossa nova, a emoção e a paixão do bolero, mas sem exageros. Tiramos um pouco da teatralidade do bolero, uma coisa que é natural da cultura hispânica.

Como surgiu o projeto de fundir o bolero com a bossa nova?

Foi quando Roberto Menescal me chamou porque precisava de alguém que falasse espanhol. É claro que o fato de eu falar português do Brasil influenciou muito. Eu já vivia no país, conhecia a bossa nova e tinha, segundo ele, uma voz que se moldava bem à bossa nova. Apesar de vir do canto lírico e ter muito vibrato. É a primeira vez que houve a junção de um grande ritmo hispano-americano com um grande ritmo brasileiro.

Penso que a roupagem brasileira caiu bem no bolero. E também aproveitar um pouco o swing da bossa nova. Além disso, o fluir do ritmo da bossa nos faz sentir que tudo é leve e maravilhoso e que sempre há esperança. O bolero sempre é mais intenso, mas é possível interpretá-lo tirando um pouco da carga dramática. Podemos dizer tudo o que o bolero diz sem que alguém tenha que cortar os pulsos.