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ConflitosAfeganistão

Talibã reintroduz "apartheid de gênero" na sociedade afegã

Shamil Shams | Shabnam von Hein
10 de maio de 2022

Grupo fundamentalista islâmico vem anunciando a cada semana novas imposições para restringir os direitos das mulheres afegãs. Última ordem inclui volta da obrigatoriedade da burca.

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Em vez de lidar com a economia, o Talibã estabeleceu regras de conduta e códigos de vestimenta para as mulheresFoto: Wakil Kohsar/AFP/Getty Images

O mais recente decreto do Talibã para que as mulheres cubram seus rostos em público frustrou a esperança de que o grupo fundamentalista islâmico fosse atender aos repetidos apelos da sociedade civil afegã e da comunidade internacional para não combater os direitos femininos.

A última ordem para tornar obrigatório a burca de corpo inteiro é um dos controles mais severos sobre a vida das mulheres no Afeganistão desde que o Talibã retomou o poder em agosto do ano passado. A medida também segue a mesma linha da rígida regra islâmica baseada na sharia no final dos anos 1990, quando o grupo também controlou o país.

"Elas [mulheres] devem usar um chador [a burca da cabeça aos pés], como é tradicional e respeitoso", disse o autointitulado líder supremo do Afeganistão, Hibatullah Akhundzada, neste sábado (07/05).

A medida foi introduzida "para evitar provocações ao encontrar homens que não são 'mahram' [parentes masculinos próximos]", acrescentando que, se as mulheres não tivessem nenhum trabalho importante fora, era "melhor que ficassem em casa".

A partir de agora, se uma mulher não cobrir seu rosto fora de casa, de acordo com o decreto, seu pai ou parente masculino mais próximo poderá ser preso ou demitido de cargos no governo. As mulheres mais velhas e as meninas estão — pelo menos por enquanto — isentas da última ordem do Talibã.

Decreto condenado pela sociedade civil

Muitas mulheres afegãs tradicionalmente usam o hijab, mas nem todas usam uma burca em público. A nova ordem restringirá a mobilidade e acesso a empregos.

Após a invasão do Afeganistão liderada pelos EUA em 2001, as mulheres afegãs conquistaram muitos direitos que o Talibã havia retirado de 1996 a 2001. Os direitos conquistados arduamente incluíam o direito de escolher como se vestir, ao emprego e à educação.

Desde que retomaram o poder, a comunidade internacional tem instado o Talibã a permitir que as meninas frequentem a escola e lhes dê mais liberdade na sociedade. Em vez disso, os novos governantes afegãos têm feito o contrário e montado uma ofensiva contra os direitos das mulheres.

Daud Naji, um ex-funcionário do governo afegão, escreveu no Twitter que o Talibã impôs um tipo de vestimenta que não é adequada para o trabalho no escritório ou no campo. "O Talibã impôs a burca, que abole a identidade [de uma mulher]. A questão não é o hijab, mas a eliminação das mulheres", disse.

Nahid Farid, ex-parlamentar afegã e ativista dos direitos das mulheres, chamou a nova lei de "símbolo do apartheid de gênero".

"O código de vestimenta para as mulheres e a colocação dos homens como executores deste plano, juntamente com as restrições do Talibã à educação das meninas, provam que o grupo busca controlar o corpo e a mente de metade da população", escreveu Farid no Facebook.

Um plano maior para subjugar as mulheres

Desde que o Talibã assumiu o Afeganistão, o aumento do custo de vida e do desemprego deixaram muitas pessoas com pouco dinheiro para comprar comida. No entanto, o governo talibã não tem uma solução para deter o colapso da economia.

Em vez disso, o grupo islâmico decidiu se concentrar em estabelecer regras de conduta e códigos de vestimenta para as mulheres seguindo uma interpretação fundamentalista do Islã.

Regras novas e mais rígidas são anunciadas quase todos os dias. Por exemplo, desde o final de março, as mulheres só podem embarcar em um avião na companhia de um homem.

O Talibã também recuou recentemente na promessa de permitir que as meninas frequentassem a escola. As instituições secundárias para garotas serão abertas assim que "códigos de vestimenta apropriados" forem acordados para estudantes com 12 anos ou mais, de acordo com um comunicado divulgado na semana passada pelo Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício.

Este ministério foi criado no lugar do Ministério de Assuntos da Mulher depois que o Talibã assumiu o poder em agosto.

Fissuras dentro do Talibã

A economia do Afeganistão está em queda livre após a tomada de poder do Talibã. O país devastado pela guerra não conseguiu se manter economicamente e tem sido altamente dependente de doações internacionais nos últimos anos. Os doadores ocidentais, no entanto, fecharam a torneira após o Talibã tomar o poder.

A ajuda humanitária voltada para a população que sofre com as consequências está sendo prestada por organizações internacionais, mas não em quantidade suficiente.

Para ser reconhecido pela comunidade internacional como um governo legítimo, o Talibã teria que fazer certas mudanças, incluindo a aceitação de demandas de doadores ocidentais, por exemplo, sobre igualdade de gênero.

Mas as forças radicais do Talibã indicaram que não aceitarão isso. "As novas restrições foram criadas por líderes antigos e intransigentes do Talibã", disse à DW o especialista em Afeganistão Tariq Farhadi.

Farhadi, que também foi conselheiro do ex-presidente afegão Ashraf Ghani, acredita que a ala radical do Talibã prevaleceu numa luta interna pelo poder.

"Para eles, a ideologia é mais importante do que o bem-estar dos cidadãos. Eles não têm interesse em que o governo do Talibã seja reconhecido pela comunidade mundial", opinou.

Moeda de troca?

Soraya Peykan, ex-professora da Universidade de Cabul, disse à DW que as trocas limitadas e informais entre a comunidade internacional e o Talibã podem ser interrompidas se o grupo fundamentalista continuar aumentando a pressão sobre a sociedade.

Peykan disse que o Talibã transformou deliberadamente direitos básicos, como o direito à educação para meninas, em moeda de troca nas negociações com a comunidade internacional. "Eles querem usar a concessão desse direito como alavanca para obter uma posição melhor nas negociações", disse Peykan.

Mas o conflito afegão não está mais recebendo os holofotes internacionais como no ano passado. Com o Ocidente atualmente lidando com a guerra na Ucrânia, a sociedade civil afegã praticamente foi deixada sozinha para enfrentar os duros decretos do Talibã.

Sardar Mohammad Rahman Ughelli, ex-embaixador do Afeganistão na Ucrânia, afirmou que o mundo já está "esquecendo" a crise no Afeganistão.

"Mesmo a mídia internacional não está cobrindo a crise no Afeganistão", disse ele, acrescentando que o Talibã agora está livre para implementar suas políticas regressivas no país.