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"Tesouro de Munique" elevou busca por peritos em arte roubada por nazistas

Annika Zeitler (rc)2 de fevereiro de 2014

O caso do colecionador Gurlitt, na Alemanha, colocou em evidência os detetives da arte. Apesar de vitórias esparsas, seu trabalho é complexo e exige tempo, além de esbarrar na ausência de uma legislação vinculativa.

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Foto: Reuters

O grupo profissional dos pesquisadores da proveniência de obras de arte é reduzido: normalmente eles só trabalham em projetos específicos e com contrato temporário. Mas com a descoberta do acervo de Cornelius Gurlitt em Munique – incluindo centenas de quadros classificados pelo regime nazista como "arte degenerada" – os investigadores da arte roubada ganharam notoriedade inesperada: súbito, surgem inúmeras perguntas, e sua expertise sobre as obras confiscadas pelos nazistas é extremamente solicitada.

"Depois da guerra, a Alemanha perdeu a oportunidade de compreender o papel do regime nazista em seu passado artístico", afirma o pesquisador de proveniência Clemens Toussaint. Ele e seus colegas reunidos num congresso em Colônia compartilham uma certeza: "Gurlitt não é um caso único."

Por isso, o comprometimento voluntário de todos os protagonistas assumirá um papel ainda mais importante. "Se museus, pesquisadores, comerciantes e colecionadores colaborarem no sentido do esclarecimento, no futuro nada mais permanecerá escondido", acredita Toussaint.

Necessidade de solução universal

O especialista em arte Frithjof Hampel, por sua vez, permanece cético, já que "existem casas que são abertas, e outras que são menos". Além disso, há o problema da falta de uma legislação que obrigue colecionadores como Gurlitt a devolver as obras de arte confiscadas ou adquiridas sob coação pelo regime nazista.

Segundo o advogado de Gurlitt, agora o colecionador estaria disposto a acatar o Acordo de Washington, "observando as queixas quanto à arte roubada e negociando soluções imparciais e justas". Das 1.280 peças encontradas em sua posse, 458 foram classificadas como possível confisco nazista, por uma força-tarefa de 14 membros criada especificamente para cuidar do "Tesouro de Munique".

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"Casal" de Hans Christoph, uma das obras do acervo GurlittFoto: picture-alliance/dpa

Ainda assim, o caso evidenciou na Alemanha a necessidade de uma solução universalmente válida para o destino da arte saqueada. O jornalista e especialista no assunto Stefan Koldehoff sugeriu durante o congresso em Colônia que se crie uma fundação de âmbito federal para a indenização das vítimas, como a já existente para os trabalhadores forçados do nazismo.

Toussaint enfatiza a responsabilidade coletiva dos alemães, já que, "afinal, somos todos filhos ou netos de criminosos". "Foi preciso só mais uma mudança de geração para que, também no campo da arte, se fizessem as perguntas incômodas."

Caso sensacional na Holanda: um exemplo

A Holanda talvez possa servir como exemplo. Lá, uma verdadeira novela de suspense em torno do negociante de arte judeu Jacques Goudstikker foi manchete nos últimos anos. Aquele que é considerado um dos mais espetaculares casos de restituição contou com a participação decisiva de Clemens Toussaint. Ele é conhecido como "Caçador dos tesouros perdidos", por rastrear em todo o mundo, contratado por herdeiros judeus, obras de arte extorquidas ou roubadas pelos nazistas.

No caso de Goudstikker, ele também montou uma espécie de força-tarefa e investigou durante mais de dez anos. "Identificamos, documentamos e, em parte, localizamos e restituímos uma série de obras ", relata com orgulho o investigador.

Após as tropas alemãs invadirem a Holanda em maio de 1940, o marchand Goudstikker fugiu com a esposa e o filho num dos últimos navios rumo aos Estados Unidos. Antes, ele listara cuidadosamente num caderninho preto as 1.113 obras de arte que teve que deixar em Amsterdã – um verdadeiro golpe de sorte para as futuras investigações.

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Caderno com registro das 1.113 peças da coleção de Jacques GoudstikkerFoto: Marcel Antonisse/AFP/Getty Images

Transparência e seus riscos

Obras de arte podem mudar de mãos, mas deixam rastros, os quais são pontos de referência para detetives da arte como Toussaint. "Os quadros vão para exposições, aparecem em publicações, são levados para o restaurador ou emoldurados; e são segurados de alguma forma", exemplifica.

Os herdeiros de Goudstikker tiveram que esperar mais de meio século para, apenas em 2006, ter restituída uma parte da coleção. Terminada a guerra, os Aliados devolveram à Holanda cerca de 300 quadros do colecionador, para que fossem entregues aos proprietários de direito. "Por muito tempo, o governo holandês não quis reconhecer a venda dos quadros sob os nazistas como uma transação forçada", relata o pesquisador de proveniência Jan Thomas Köhler.

Até hoje não há qualquer indicação do paradeiro de cerca de 500 peças da coleção. Köhler suspeita que se encontrem em salas de estar e sótãos alemães. O marechal do Reich Hermann Göring se apossou de parte das obras para sua coleção particular, vendendo-as, nos anos 1940, através galerias de arte alemãs. "Aqui, alguns se aproveitaram, para colocar o próprio dinheiro em segurança antes do fim da guerra", explica Köhler.

Como no caso de Gurlitt, é necessária certa dose de transparência para uma investigação completa do paradeiro das obras. Contudo, o investigador Toussaint prefere não revelar muito sobre as 500 pinturas de Goudstikker ainda procuradas, uma vez que transparência demais pode prejudicar as buscas. "Aí os quadros desaparecem nos porões, os rótulos na parte de trás são raspados, e provas se perdem para sempre."

Apelo à responsabilidade comum

Graças ao rótulo na parte posterior, o quadro Coleção escandinava, de Andreas Achenbach, originário do acervo do colecionador judeu Max Stern, pôde ser identificado e, em 2013, restituído. O historiador e jurista alemão Willi Korte, que investiga o caso há mais de dez, anos colocou essa e outras obras da coleção de arte na lista de procurados da Interpol.

Hitler und Göring im Haus der Deutschen Kunst 1937
Göring (esq.) e Hitler nma exposição, em 1937Foto: Bundesarchiv, Bild 183-C10110/CC-BY-SA

O quadro A moça dos Montes Sabinos, de Franz Xaver Winterhalter, por exemplo, apareceu em 2005 no mercado de artes americano, e pôde ser devolvido aos herdeiros. De acordo com a lei dos Estados Unidos, as obras de Max Stern foram roubadas, não podendo, como na Alemanha, ser adquiridas em boa fé pelo proprietário após um período de dez anos. Os juristas falam aqui em "prescrição aquisitiva" ou "usucapião".

A pesquisa sobre as origens dos quadros da coleção de Gurlitt está apenas começando, e deverá ainda ocupar longamente a força-tarefa estabelecida pelo governo alemão. Pois investigar a história de uma obra de arte exige tempo. E enquanto se espera uma regulamentação vinculativa sobre a arte roubada pelos nazistas, só resta aos envolvidos apelar à responsabilidade comum.