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Testemunhas da queda do Muro

Alexandre Schossler9 de novembro de 2003

Brasileiros que estavam na Alemanha quando o Muro de Berlim caiu, há 14 anos, falam sobre o que sentiram naquele momento e sobre o que mudou no país desde 1989.

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Novembro de 1989: multidão comemora a queda do Muro de Berlim.Foto: AP

O gerente de gastronomia Nicolas Messias de Soliz estava almoçando na casa do pai, em Colônia, quando a televisão exibiu a notícia: o Muro de Berlim caiu. Não foi uma surpresa, as evidências de que o regime comunista da Alemanha Oriental estava prestes a desmoronar já apareciam há vários dias nos noticiários, mas a comoção nacional despertada pela notícia o motivou a uma viagem inusitada: ir a Berlim naquele mesmo dia.

“Pegamos o carro e chegamos lá entre 4 e 5 horas da manhã. Berlim estava uma festa só. A cidade estava entupida de gente, mesmo sendo madrugada. Estava todo mundo festejando na rua. Senti que estava participando de um momento histórico. A Alemanha estava há 40 anos esperando por esse momento”, relembra Nicolas, que vive no país desde 1974. Ele e seus quatro companheiros de viagem, entre eles o pai e a namorada, ficaram dois dias em Berlim e testemunharam a alegria dos alemães com a queda do Muro e a liberdade de poder novamente passear por toda a cidade.

Fim de uma utopia

Mas a queda do Muro não foi só alegria. Quem se opôs à ditadura militar no Brasil e tinha Marx e Lenin como símbolos da utopia socialista experimentou a decepção – sentimento que não podia ser compreendido pelos alemães. “Para mim, era como se o sonho de toda uma geração não tivesse dado certo”, comenta a professora de História da Universidade de Colônia Débora Bendocchi Alves, na Alemanha desde 1984. “Eu acreditava no comunismo como uma outra via para os países pobres.” Com a queda do Muro, a sensação era de que “o capitalismo venceu e agora só haverá uma ideologia no mundo”.

Débora diz ter tido dificuldades para explicar seu ponto de vista para o marido, que é alemão. “Ele me perguntava se eu estava maluca”, brinca. “Mas eu entendo o lado dos alemães. Meu sogro foi soldado na guerra. Para eles, sempre foi uma decepção, uma vergonha, ter a Alemanha dividida como algo imposto. O sonho sempre foi a reunificação, principalmente para as gerações mais antigas, e isso eles conseguiram naquele momento.”

Surpresa

As informações incompletas, muitas vezes folclorizadas, que as duas Alemanhas recebiam uma da outra também levaram muitas pessoas a encarar com surpresa os acontecimentos que culminaram na queda do Muro. “Pra mim era uma situação que iria durar para sempre. Eu não esperava de jeito nenhum que o Muro caísse”, diz a professora de Literatura Brasileira e Língua Portuguesa Marta Campos Hein, que veio em 1985 para a Alemanha.

“Um mês antes eu estava de férias no Brasil e as pessoas me perguntavam sobre as duas Alemanhas. Eu disse que não sentia nenhum desejo de mudança”, relembra. Marta diz ter acompanhado os acontecimentos pela televisão e que tudo parecia um filme. “Parecia irreal. Eu quase não acreditava no que estava vendo. Era tão absurdo. Eu nunca tinha visto uma manifestação popular tão forte.”

14 anos depois

A euforia inicial logo deu lugar às dificuldades. A maior delas era a “conta” da reunificação, paga pelos ocidentais. “Depois da euforia, a situação foi pesando financeiramente, e quando pesa no bolso as coisas vão se tornando um pouco diferentes”, diz Débora. Passado o entusiasmo, começa a fase que muitos definem como de preconceito e estranhamento: a fase dos ossis e wessis (denominações populares para os alemães orientais e ocidentais). “O que se viu da parte ocidental foi um vasto preconceito contra tudo o que era comunista”, lembra. “Havia uma certa folclorização com os alemães do leste, os ocidentais parodiavam as maneiras do orientais”, afirma Marta.

Hoje esses problemas estão em boa parte superados, o que pode ser notado principalmente na geração que nasceu depois de 1989, segundo Débora. “A geração mais jovem não tem esse tipo de problema. Para eles sempre foi um só país, eles não conheceram a Alemanha dividida”, afirma a professora. As previsões para o futuro também são otimistas. “Daqui a dez anos ninguém mais vai falar nisso”, opina Nicolas.

A mais recente marca da reunificação é a Ostalgie, o clima de nostalgia que os ex-habitantes da Alemanha Oriental nutrem por produtos, pela cultura e pelo modo de vida do seu extinto país. Ela é visível em livros (Zonenkinder, de Jana Hensel), filmes (Good Bye, Lenin, de Wolfgang Becker), programas de televisão de grande audiência (como o DDR-Show) e no ressurgimento de antigos produtos do Leste alemão. Um assunto que divide opiniões na Alemanha e também entre os brasileiros. Para Débora, há uma recuperação, da parte oriental, “do que foi bom na época e uma revalorização de uma porção de coisas de lá que eram melhores do que as daqui”. Marta vê a Ostalgie como artificial. “Eu estive na Alemanha Oriental e os jovens de lá me disseram que estavam insatisfeitos e que queriam vir para cá. Depois que passou, é fácil ter saudades.”