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Transmediale

4 de fevereiro de 2010

Em sua 23ª edição, o festival de arte e mídia de Berlim esboça conceitos de futuro que não necessariamente impliquem a uniformização e o consumo massificado.

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'Motores de coincidência': Instalação do duo canadense The UserFoto: The User

A Transmediale de Berlim é um dos maiores e mais antigos festivais de arte e mídia da Europa, ao lado da Ars Electronica em Linz, na Áustria. O evento foi criado em 1988, no contexto da Berlinale, a fim de oferecer uma plataforma à vanguarda digital e de videoarte, que até então não tivera chance de atingir um grande público.

O festival acabou gerando um pódio de debates, no qual os organizadores tentam investigar o papel das tecnologias digitais na sociedade de hoje. A ideia é deixar surgir visões utópicas de um mundo mediatizado.

Em sua 23ª edição, a Transmediale deste ano elegeu como lema o termo FUTURITY. Em meio a uma programação com mais de 50 filmes, 10 performances, exposições e uma conferência, os visitantes do evento realizado na Casa das Culturas do Mundo são confrontados com reflexões sobre um futuro alternativo.

Diversidade apesar de tendência de padronização

Coincidence engines (Motores de coincidência) é o título do projeto de composição sonora do duo de artistas canadenses The User, convidados da Transmediale neste ano. O que se ouve não é nenhum ruído de água ou do tranco de máquinas, mas sim o delicado tiquetaque de pequenos despertadores. São exatamente 1.246 relógios espalhados por todo o anfiteatro, medindo o tempo cada um à sua maneira; afinal, cada um deles mostra uma hora diferente.

O som de mais de mil despertadores é um símbolo, explica o compositor Emmanuel Madan, um dos mentores do projeto. Um símbolo da diversidade: afinal, apesar da uniformização dos nossos ambientes de vida, apesar do mainstream cultural e dos produtos de marca globalizados, as pessoas continuam sendo indivíduos, com pensamentos e sentimentos próprios que não se deixam dominar e controlar tão facilmente.

"Outro aspecto importante desse trabalho é o tema da padronização da vida por meio do tempo, ou seja, como somos obrigados a nos submeter ao tempo. Afinal, essa é uma segunda ordem da qual não podemos escapar e que acaba regulamentando a nossa vida", explica Emmanuel Madan.

Festival Transmediale 10
auger-loizeau & zivanovic: 'Carnivorious Domestic Entertainment Robots'Foto: Auger-Loizeau

O que restou da utopia urbana socialista

Um outro trabalho confronta o visitante com as utopias fracassadas da modernidade: uma instalação de autoria do escritório de arquitetura berlinense Raumlabor na Casa das Culturas do Mundo. O espaço consiste de 300 portas extraídas das chamadas plattenbauten, construções da antiga Alemanha socialista, montadas a partir de módulos pré-fabricados e em grande parte demolidas após a reunificação. Trata-se de uma cidade construída em 1964, como parte da utopia do urbanismo moderno, mas agora demolida, passando a existir somente como vaga memória.

O sociólogo Matthias Rick, especializado em questões de moradia, explica que o Raumlabor investiga as formas de construção do passado e o tipo de configuração urbana promissoras para o futuro.

Esse trabalho, assim como outros expostos na Transmediale, deixa transparecer a tendência tipicamente "romantizadora" do festival. Por mais que os diversos trabalhos estejam interessados nas ideias futuristas fracassadas, o evento pretende gerar novas noções de futuro.

"Precisamos de uma ideia completamente diferente, de um outro conceito de futuro", afirma o diretor artístico da Transmediale, Stephen Kovats. "Não é questão de ver qual será o próximo aparelho de marca. Precisamos enxergar nossos contextos socioestruturais por uma outra ótica."

Festival Transmediale 10
Ryoji Ikeda: 'data.tron'Foto: Ryuichi Maruo

Arco-íris da convivência

Concepções sustentáveis de futuro: esse é o significado de FUTURITY, lema da Transmediale deste ano. E isso só pode surgir se conseguirmos viver em paz no nosso planeta, lembra a artista americana Yvette Mattern, arriscando uma certa banalidade em sua constatação. Ela se especializou em construir pontes de laser colorido: nas cores do arco-íris, um grande arco luminoso atravessa o céu cinza de Berlim, em pleno inverno, fazendo os flocos de neve cintilarem como diamantes.

Global Rainbow é o título do trabalho. "É um gesto utópico positivo de convivência, capaz de nos levar a refletir sobre a vida em comum no nosso planeta", explica Yvette Mattern. Difícil dizer se essa mensagem chega aos passantes, mas de qualquer forma o arco-íris é uma visão bonita que se estende de oeste a leste, da Casa das Culturas do Mundo à praça Alexanderplatz.

A Transmediale 2010 enfoca menos os desafios futuros e as ameaças que poderão partir das tecnologias digitais, mostrando maior interesse em contemplar o passado. E isso transforma o que antes era um badalado evento de vanguarda em um festival de tecnologia com um traço pensativo, um toque de advertência política e uma espécie de selo de qualidade orgânica.

Autor: Christoph Richter (sl)
Revisão: Carlos Albuquerque