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Valor histórico das cartas de Himmler divide especialistas

Kristina Reymann (md)31 de janeiro de 2014

Centenas de cartas e fotos privadas do ministro do Interior do regime de Hitler foram descobertas. Material joga luz sobre vida privada da família do nazista, mas historiadores divergem sobre importância do achado.

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Heinrich Himmler - Briefe
Foto: picture-alliance/dpa

Centenas de cartas privadas que Heinrich Himmler, o principal ex-comandante da SS – polícia de elite do regime nazista –, teria escrito à mulher, Marga, entre 1927 e 1945, foram recentemente descobertas, analisadas e parcialmente publicadas.

O acervo inclui também fotografias, diários, anotações sobre o orçamento doméstico e um livro de receitas, todos supostamente de Marga Himmler. Michael Hollmann, presidente do Arquivo Nacional Alemão, disse ao jornal Die Welt que considera os documentos autênticos, embora sua origem exata ainda não tenha sido esclarecida e as cartas só existam na forma de negativos.

Aparentemente, soldados americanos teriam levado os documentos da casa de Himmler em Tegernsee, no sul da Alemanha, logo após o fim da Segunda Guerra, em 1945. Ainda não foi apurado como e quando os documentos foram parar nas mãos do colecionador de arte Chaim Rosenthal, em Israel, que os teria vendido em 2007 ao pai da cineasta Vanessa Lapa, também israelense. Hoje, supõe-se que o acervo esteja guardado dentro de um cofre bancário em Tel Aviv.

Valor discutível

Nas cartas, o chefe da polícia nazista, que também foi ministro do Interior do regime de Hitler e, nessa função, era responsável pelos campos de concentração, jura seu amor à esposa e conta sua vida cotidiana − sem ser muito específico e sem falar sobre seus crimes. Porém, nos textos, ele se mostra como um militar selvagem e ferrenho antissemita.

Porträt - Heinrich Himmler
O genocida na intimidade: Himmler com seus filhosFoto: picture-alliance/dpa

As cartas, fotografias e contas do orçamento doméstico dão uma visão da vida privada da família Himmler. Mas, para a filósofa e historiadora Bettina Stangneth, isso não é novidade. "O Himmler privado não é segredo algum. Há dez anos, trechos dos diários de sua esposa já haviam sido publicados. E ninguém falou de um tesouro histórico na época", lembra.

A especialista afirma ainda que testemunhos da vida privada dos nazistas não são novos nem particularmente interessantes. Ela pesquisou bastante sobre Adolf Eichmann, também membro da liderança nazista e responsável pela deportação de centenas de milhares de judeus para campos de concentração. "Há um ano e meio, por exemplo, cartas de amor de Joseph Goebbels [ministro da Propaganda de Hitler] deveriam ser leiloadas, mas ninguém quis comprá-las", diz Stangneth.

Jan Erik Schulte, historiador do Instituto Hannah Arendt de Pesquisa sobre o Totalitarismo, em Dresden, discorda. Ele considera os papéis de Himmler uma descoberta "única" devido à quantidade de manuscritos privados. "As anotações particulares e cartas são muito interessantes para um líder nazista", diz. Para ele, o achado enriquece a pesquisa sobre Himmler e a complementa com novas facetas.

Histórias fascinantes

Os peritos comentaram de forma similar a questão do fascínio despertado pelas cartas de um genocida. "O grande interesse público pode ser explicado pelo fato de serem cartas e anotações privadas, que transmitem a sensação de que ficamos mais próximos daquela pessoa", afirma Schulte.

Porträt - Heinrich Himmler
O oficial nazista em Kiel, norte da Alemanha, em 1936Foto: picture-alliance/dpa

Já Stangneth descreve o conteúdo das cartas como "histórias de buraco da fechadura". "Detalhes sobre a vida privada de alguém simplesmente despertam curiosidade", diz ela. "É algo tão antigo como o voyeurismo", afirma.

A pesquisadora avalia que ler cartas de um "indivíduo qualquer passando vergonha em público" é algo mais fácil de digerir "do que um líder que prega ser possível ser um assassino de massas e uma pessoa decente, ao mesmo tempo".

Livro e filme

"Para pesquisadores, as cartas são novas fontes. Mas, até agora, não parece que o material seja nada de espetacular", constata Stangneth. "Os pesquisadores certamente vão encontrar pequenas coisas aqui e ali, detalhes que podem ser interessantes. Mas Himmler não deve ser reinterpretado. Ninguém nunca duvidou que ele era um criminoso por convicção. As cartas só confirmam isso", afirma.

Jan Erik Schulte também não espera que, com a publicação das cartas, surja uma discrepância entre o Himmler privado e o político, o pai de família e o genocida. "Ambos fazem parte do mesmo indivíduo. Não existem dois Himmler, mas um só", destaca.

Em fevereiro, as cartas de Himmler devem ser publicadas na Alemanha, editadas pelo historiador Michael Wildt e a sobrinha-neta do líder nazista Katrin Himmler. Além disso, a cineasta Vanessa Lapa vai apresentar na Berlinale seu filme Der Anständige ("o decente", em tradução livre), com base no material.