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Wagner em Munique com potencial explosivo

Augusto Valente13 de fevereiro de 2002

Um diretor com fama de anticonvencional e provocador anuncia nova montagem do épico mitológico "O anel do Nibelungo". Os elementos são explosivos, mas será que o estopim resistiu ao tempo?

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Cena de "Die Frau ohne Schatten", de R. Strauss, montada em 2001 em Nova York por WernickeFoto: AP

A primeira montagem de uma ópera wagneriana por Herbert Wernicke em Munique foi um dos maiores escândalos já vistos na Opernhaus da Maximillianstrasse. Antes mesmo que o maestro Wolfgang Sawallisch pudesse erguer a batuta para a abertura de O navio-fantasma, um espectador bradou: "Começa o teatro de chanchada!".

Na versão do jovem diretor alemão, o holandês ancorava num salão de alta burguesia, ao invés de numa costa tempestuosa, e no fim seu navio acabava dentro de uma garrafa. A desaprovação do público foi veemente. O então "papa da crítica muniquense", Joachim Kaiser, atacou publicamente Sawallisch e o superintendente August Everding, por haverem "acobertado tais distorções".

Isto foi em fevereiro de 1981. Precisamente 21 anos mais tarde, o enfant terrible retorna à capital da Baviera com mais uma obra do gênio musical de Bayreuth. Agora trata-se da monumental tetralogia O anel do Nibelungo. Desta vez Wernicke está "acobertado" pelo superintendente da Staatsoper, Peter Jonas, e pelo diretor musical Zubin Mehta.

A nata do canto wagneriano

A tetralogia representa um enorme desafio para qualquer casa de ópera, tanto do ponto de vista artístico como material e logístico. Esta é a segunda vez que Wernicke a coloca em cena: a versão de 1991 pôde ser vista em Bruxelas e Frankfurt, angariando elogios da crítica por sua qualidade anticonvencional.

O ouro do Reno

, prólogo do épico, sobe novamente ao palco de Munique em 24 de fevereiro. Segue-se A Valquíria, durante o festival de ópera de 2002, e no segundo semestre virão Siegfried e O crepúsculo dos deuses. A primeira apresentação integral do ciclo está programada para maio de 2003.

Como de costume, Wernicke desenha ele próprio os cenários e figurinos desta produção. O elenco de superstars a sua disposição não deve nada aos maiores momentos de Bayreuth: John Tomlinson (Wotan), Marjana Lipovsek (Fricka), Philip Langridge (Loge) e Helmut Pampuch (Mime). Enfim: a nata dos intérpretes wagnerianos da atualidade.

Passado carregado

Não são apenas os precedentes do diretor que dão a esta montagem um potencial perturbador. A própria relação entre Richard Wagner (1813–1883), a tetralogia e Munique foi ambivalente e carregada de tensão. Afinal, as estréias de O ouro do Reno e A Valquíria naquela cidade, em 1869 e 1870, ocorreram por ordem do rei Ludwig II, mas contra os expressos desejos do compositor.

Este estipulara que O anel do Nibelungo só deveria chegar à ribalta na íntegra e num teatro especialmente construído para este fim. Wagner ressentiu tanto a prepotência de seu real admirador e mecenas, que ignorou acintosamente ambas estréias. Para completar, o fato de o Teatro do Festival Wagner acabar sendo erguido na cidadezinha de Bayreuth, na Francônia, representou uma forte ofensa para a capital.

A tetralogia em si não é menos controvertida. Wagner dá um tratamento tão complexo quanto pessoal à temática mitológica, e não é mero acaso a obra haver encontrado em Adolf Hitler um de seus admiradores mais fanáticos. Cerca de 50 anos após a morte do compositor, a obra foi incorporada pelos nazistas e empregada em nome da propaganda anti-semita e dos delírios de dominação do mundo.

Um "jovem selvagem" se acomoda?

Assim, a nova encenação de Wernicke nasce sob o signo da polêmica e da discórdia. Mais um detalhe: para o apoio teórico, ele recorreu precisamente à bisneta rebelde do compositor, Nike Wagner, que mais de uma vez afrontou o clã de Bayreuth. Mesmo assim, é pouco provável que Munique volte a viver um escândalo como o de 1981.

Por um lado, o público desenvolveu uma atitude tão tolerante frente às excentricidades dos diretores, que estas acabaram por tornar-se inofensivas. Por outro lado, passada a fase da provocação, 20 anos mais tarde, o ex-enfant terrible está bem mais comportado.

Longe do rótulo de maldito, Wernicke é agora um diretor estabelecido, bem-vindo nos grandes teatros do mundo. Certos críticos até lamentam que suas "garras de intérprete intelectual" hajam sido aparadas. Será que o agitador virou mesmo um "integrado"? Para conferir, só dando um pulo a Munique.