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Berlinale

Soraia Vilela15 de fevereiro de 2008

Em entrevista à DW-WORLD, em Berlim, Wagner Moura diz que preferiria menos polêmica em torno de "Tropa de Elite" e especula que "talvez a gente tenha feito algo de errado".

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Wagner Moura em BerlimFoto: AP

DW-WORLD: No Brasil, o Capitão Nascimento foi transformado, para determinados espectadores, numa espécie de herói. Mesmo que essa não tenha sido a intenção ao se construir o protagonista do filme, como afirma o José Padilha. E para você, como é lidar com o fato de que a imagem do Capitão Nascimento tenha tomado essa direção?

Wagner Moura: É preciso que se diga mesmo, tenho que fazer coro com o José Padilha, que não foi a totalidade dos espectadores no Brasil que considerou o Capitão Nascimento um herói. Tanto é que a gente teve uma polêmica enorme a esse respeito. Se todo mundo achasse que ele era um herói, tudo bem, aí iria ser só a gente gritando que ele não é, mas a polêmica foi grande.

Entendo parte da população considerá-lo um herói. A gente está tão carente de qualquer espécie de segurança pública, de planejamento nesse aspecto, que, para algumas pessoas, quando elas vêem, na tela, um cara de preto, honesto, que ama sua família e vai para a favela atirar em traficante, as pessoas podem se identificar com ele, achar que aquilo é a solução. Embora é preciso que se diga que nós não concordamos com isso de forma alguma.

O que tentamos fazer nesse filme foi entender o que o João Moreira Salles colocou no Notícias de uma Guerra Particular, essa tríade morador de favela, traficante e policial. A idéia do Zé [José Padilha]antiga era fazer um documentário, ele não conseguiu, porque os policiais não quiseram falar, e ele fez um filme de ficção. E todo mundo que mora na favela, que chegou perto do epicentro da violência dessa guerra particular, sabe que é assim. E que na verdade nem é assim, é pior do que está no filme.

A recepção do Tropa fora do país é controversa. Por um lado, o filme foi chamado de Rambo e acusado de "ridicularizar todo tipo de trabalho social". Por outro, recebeu vários elogios. Você esperava que esse tipo de polêmica continuaria a ser gerada fora do Brasil?

Não, sinceramente não. Eu estava curioso para saber o que iam pensar, como o olhar europeu, tão diferente do nosso, iria ver o filme. A imprensa alemã gostou do filme, a espanhola, a italiana. Houve duas críticas ruins, entre elas uma da revista Variety.

Fomos prejudicados porque a exibição do filme para a imprensa estrangeira foi feita com legenda em alemão. O que é uma loucura, em português com legenda em alemão e um áudio com uma mulher falando os diálogos em inglês.

Talvez até por isso esse jornalista da Variety esteja tão equivocado em relação ao que ele viu no filme. De todas as críticas que li, essa foi a mais equivocada. Acho que ele não entendeu o filme. Nosso filme não tem nada de Rambo, nada de uma estética americana, tem uma estética completamente diferente da dos filmes americanos.

Em que sentido equivocada?

O Capitão Nascimento é um personagem que vive um dilema. As pessoas do BOPE são geralmente muito jovens, têm 23, 24 anos, e quanto mais velhos eles vão ficando, menos eles passam a acreditar no que fazem. Isso é terrível para eles, porque são muito orgulhosos de serem o que são.

Então, além do fato de o cara estar tendo um filho e se deparando com a vida dentro de casa e a morte fora dela, começa a entender que a vida dele até ali foi em vão, que o que ele faz não adianta. E ele pira, ele começa a ficar maluco. Para mim é muito claro: ele passa o filme inteiro querendo sair dali.

À crítica a gente não pode responder, isso aprendi cedo. É direito de cada um criticar. Agora, acho injusto o termo fascismo, usado no Brasil. O José Padilha fez Ônibus 174, um filme absolutamente humanista. Essa pecha de fascismo?!

Quando começaram a surgir as primeiras polêmicas, me senti tão agredido, pois não fiz um filme fascista! É como a gente costuma falar: ninguém diz que o Copolla pensa que nem o Michael Corleone. Por que o José Padilha e eu somos confundidos com o Capitão Nascimento?

E por que você acredita que isso acontece?

No Brasil, o filme foi muito discutido, muito debatido desde a história da pirataria. Isso acho muito saudável, muito legal, porque o filme fala do assunto mais sério a ser debatido no Brasil agora, que é a violência, a segurança pública. Até esse momento, foi super bem-vindo o debate, a gente respondeu e tal. Aqui na Europa, não sei, talvez influência do que aconteceu lá. Os jornalistas pesquisaram as críticas do filme no Brasil e vieram com esse assunto.

Tropa de Elite está alcançando no Festival de Berlim uma visibilidade grande.

Os produtores adoram porque o filme está sendo polêmico. A polêmica ajuda a vender o filme. Mas eu te digo que fiquei muito chateado e um pouco decepcionado. Eu preferia menos polêmica e que olhassem o filme do jeito que a gente fez. Talvez a gente tenha feito alguma coisa errada mesmo…