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ComércioÁfrica

Cotonou 2.0: Afinal foi um bom acordo para África?

Jan-Philipp Wilhelm | mjp
7 de maio de 2021

Chamado de "Cotonou 2.0", novo acordo entre a União Europeia e países de África Subsaariana, Caraíbas e Pacífico tem algumas semanas, mas muitos em África já pedem actualização. Resta saber se Bruxelas aceitará revê-lo.

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Brüssel | PK Jutta Urpilainen und Robert Dussey
Foto: Olivier Hoslet/AFP/Getty Images

Os acordos internacionais são uma questão complicada - mesmo quando apenas dois ou três Estados negoceiam entre si. Torna-se ainda mais complicado quando 106 países querem equilibrar os seus interesses e reivindicações e regulamentá-los de uma forma juridicamente vinculativa.

Não é, por isso, surpreendente que as negociações sobre um novo acordo de base entre os 27 Estados da União Europeia e os 79 Estados membros da Organização dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico (OEACP) se tenham arrastado por mais de três anos antes de ser finalmente anunciado um avanço, em meados de abril.

E igualmente sem surpresas, nem todos os que serão afetados pelo acordo, apelidado de "Cotonou 2.0" ou "pós-Cotonou" em referência ao acordo anterior, estão satisfeitos com os resultados. Na África subsaariana, particularmente, a insatisfação é significativa.

O negociador da OEACP Robert Dussey, ministro dos Negócios Estrangeiros do Togo acredita que as coisas podiam ter corrido melhor. "Não estivemos de acordo. Mas a Europa sabia muito bem o que queria e queria que toda a gente assinasse”, admite Dussey numa entrevista à DW África.

Robert Dussey
Robert Dussey: "Europa sabia muito bem o que queria"Foto: DW/K. Tiassou

Constantes divergências

O novo acordo de parceria estabelece o quadro de cooperação política, económica e setorial nas próximas duas décadas. As duas partes assumem compromissos em áreas prioritárias e tão diversas como direitos humanos, democracia e governação, paz e segurança, desenvolvimento humano (que inclui saúde), educação e igualdade de género, bem como sustentabilidade ambiental e migrações.

Além das constantes divergências durante as negociações, por exemplo, no que diz respeito a questões de orientação sexual, há um ponto fundamental que deixa representantes empresariais e observadores africanos inquietos: embora o acordo com a União Europeia ainda não tenha sido ratificado, algumas partes, consideram, já estão desatualizadas.

John Maré, antigo embaixador adjunto da África do Sul na União Europeia e especialista em relações União Europeia-África, está "desatualização" começaria pelo formato do acordo. "As necessidades dos pequenos Estados insulares das Caraíbas e do Pacífico Sul são muito diferentes das da África continental, onde existem países enormes como o Congo. Há áreas de interesse completamente diferentes", opina.

Südafrika thermische Solaranlage Solarenergie-Projekt in Kapstadt
Energias renováveis foram priorizadasFoto: picture-alliance/dpa/N. Bothma

Ao contrário do Acordo de Cotonou de 2000, a nova parceria prevê "um novo foco regional muito forte" e uma nova estrutura de governação, adaptados às necessidades de cada região.

"Sei que a União Europeia alega, cito, um foco regional sem precedentes e esperamos que isso aconteça, mas, por vezes, o problema está mesmo nos detalhes”, destaca Maré.

Meio ambiente é prioridade

Por outro lado, o antigo embaixador saúda a prioridade dada às questões do meio ambiente e desenvolvimento para a cooperação futura, destacando o Acordo Verde europeu, o programa de investimento da União Europeia para a reestruturação sustentável da economia, como uma potencial oportunidade para África.

O consultor empresarial do Gana Michael Kottoh também acredita que o acordo estabelece as prioridades certas para as relações económicas. "Penso que o acordo vai expandir as oportunidades de negócio e investimento nas áreas da economia sustentável e da economia digital e espero que os empresários e investidores do Gana e de outros países africanos aproveitem essas oportunidades", diz Kottoh.

No entanto, ainda não é claro como é que as empresas africanas poderão tirar partido destas novas oportunidades - e é importante esclarecer isto rapidamente, dizem os especialistas.

Elfenbeinküste - Hafen von Abidjan
Porto de Abidjan: acordo de comércio livre de África não tem conexão com Cotonou 2.0Foto: picture-alliance/N. Zorkot

Acordo de comércio livre

Apesar de toda a expectativa em torno de possíveis novos investimentos da Europa, os empresários e políticos africanos estão particularmente preocupados com uma questão: o que significa o acordo pós-Cotonou para o acordo de comércio livre africano que está a ser implementado no continente?

Isto, porque o acordo africano, semelhante ao mercado único europeu, vai permitir o comércio livre em todo o continente – incluindo o Norte de África. Mas Cotonou 2.0 regula apenas o comércio entre a União Europeia e os países a sul do Saara.

"Acho que foi uma oportunidade perdida. Teria sido maravilhoso criar sinergias entre os dois acordos. Mas o acordo de comércio livre africano é pouco mencionado no pós-Cotonou", explica o consultor empresarial Michal Kottoh concorda

"Força geopolítica"

O especialista espera que o novo acordo de base seja ajustado, até porque a própria União Europeia pode sair a perder. "A Área de Livre Comércio Continental Africana tornar-se-á uma força geopolítica, primeiro no próprio continente e depois em todo o mundo. Se a UE não se aperceber disto a tempo, pode muito bem acontecer que os vários acordos com a UE não sejam tão relevantes para África no final", diz Kottoh.

Resta saber se os responsáveis em Bruxelas vão ter em conta as críticas da comunidade internacional. A acontecer, o debate destas questões deverá ter lugar na próxima cimeira União Europeia-União Africana. O encontro foi adiado no ano passado, devido à pandemia, e ainda não foi fixada uma nova data.

Entretanto, a assinatura oficial, aplicação provisória e conclusão formal do novo acordo de parceria só deverá ter lugar no segundo semestre deste ano. Do lado europeu, ainda deverá ser aprovado pelo Parlamento e pelo Conselho, e há procedimentos a concluir da parte dos países-membros da Organização dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico.

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