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Angola corre risco de "isolamento" na comunidade financeira

19 de dezembro de 2016

O diagnóstico é de Carlos Rosado de Carvalho, a propósito da notícia de que Angola perdeu mais um banco correspondente para dólares. A solução é melhorar a transparência, diz o economista. Porque legislação já existe.

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Foto: picture-alliance/John Greve

Com o fim do "dólar clearing" pelo banco alemão Deutsche Bank, Angola deixa de ter uma instituição que forneça este serviço, avançou sexta-feira (16.12) a Bloomberg. A agência recorda que Angola está entre os 20 países mais corruptos do mundo na classificação elaborada pela Transparência Internacional, o que "dificulta o cumprimento das regras de combate à lavagem de dinheiro e corrupção por parte dos credores estrangeiros".

O economista Carlos Rosado de Carvalho alerta que "Angola corre o risco de ficar isolada na comunidade financeira internacional". Outro risco iminente é que muitas empresas não consigam fazer pagamentos do exterior porque não há bancos correspondentes.

Em entrevista à DW África, o diretor do jornal angolano "Expansão" defende que a única solução é melhorar a transparência e a luta contra a corrupção. E aplicar a legislação que já existe. Pessoas expostas politicamente deveriam ser sujeitas a uma "vigilância especial dos bancos", sublinha.

DW África: Segundo a agência Bloomberg, o Deutsche Bank deixou de fornecer garantias para a importação de dólares para Angola. O que é que isto significa para o país?

Carlos Rosado de Carvalho (CRC): Em primeiro lugar, é preciso esclarecer a notícia, que do meu ponto de vista está errada. Isto não tem nada a ver com a importação de notas. O que está em causa são divisas, são transferências. Isto não está ligado à importação de cédulas dos Estados Unidos da América. A importação de cédulas foi suspensa já em novembro de 2015, há mais de um ano, e desse ponto de vista não houve nenhuma alteração.

Angola Luanda Carlos Rosado de Carvalho
Rosado de Carvalho: "Para já existe a alternativa euro"Foto: N. Sul d'Angola

O que aconteceu foi que o Bank of America, que era quem fornecia as notas aos bancos sul-africanos que depois forneciam aos bancos angolanos, em novembro de 2015 disse que já não vendia mais notas. Isso estava relacionado com falta de transparência, nomeadamente com a questão de que Angola importava, segundo dados oficiais, à volta de seis mil milhões de dólares por ano. Portanto, foi por essa razão. E também terão sido encontradas algumas notas que vieram para Angola em mãos de terroristas no Médio Oriente.

O ponto do Deutsche Bank, segundo bem entendo, tem a ver com bancos correspondentes. O que está a acontecer agora é que os bancos americanos também deixaram de querer ser correspondentes de bancos angolanos. Para ser correspondente em dólares, um banco tem de ter operações nos Estados Unidos. Era o caso do Deutsche Bank, que tem operações nos Estados Unidos e que fazia transacções com Angola. Aliás, os alemães eram os únicos porque os americanos também já tinham desistido. O problema tem que ver com as pesadas multas que em que os bancos incorrem caso sejam detectadas operações relacionadas com lavagem de dinheiro, financiamento de terrorismo, etc. Se houver um problema, quem paga não são os bancos angolanos, são os bancos correspondentes. Essa é que é a grande questão. E, de facto, Angola corre o risco de ficar isolada na comunidade financeira internacional e as empresas quererem fazer pagamentos do exterior e não conseguirem porque não há bancos correspondentes.

DW África: E o país não está já em maus lençóis com o fim deste serviço?

CRC: Para já, está. Mas para já também existe a alternativa euro. Angola tem bancos correspondentes em euros, aliás existem até muitos bancos angolanos que têm operações em Portugal, e eles próprios servem de correspondentes dos bancos angolanos. Num cenário em que Angola não pode negociar nem com dólares nem com euros, as duas principais moedas, naturalmente isso é gravíssimo.

19.12.16 Entrevista Angola/Deutsche Bank (OL) - MP3-Stereo

Daí a insistência e as viagens constantes do governador do Banco Nacional de Angola (BNA) à África do Sul, a Portugal, à Itália, ao Reino Unido e também aos Estados Unidos, no sentido de tentar convencer que Angola começa a adoptar as melhores práticas. Portanto, um cenário em que não temos bancos correspondentes é um cenário muito complicado porque simplesmente não se conseguem fazer transferências internacionais. Já perdemos os dólares, corremos o risco de perder os euros. Se perdermos as duas principais moedas, ficamos isolados no sistema financeiro internacional.

DW África: O que é que se pode fazer para evitar esse isolamento de Angola?

CRC: A única coisa que se pode fazer é melhorar a transparência em Angola, melhorar a luta contra a corrupção. Angola já tem legislação, agora o que falta é aplicá-la. Há sobretudo um problema que tem que ver com as chamadas pessoas expostas politicamente (PEP, na sigla em inglês), que são os nossos governantes que têm negócios. Em todo o mundo, as PEP são sujeitas a uma vigilância especial. Se um ministro alemão fizer um depósito num banco, esse banco tem obrigação de ver onde é que o ministro foi buscar o dinheiro. Tem um dever de vigilância reforçada.

Aqui, normalmente isso não acontece. Os ministros fazem as operações que querem e não são sujeitos a nenhuma vigilância especial dos bancos. São fundamentalmente essas pessoas que estão em causa. Temos de acabar com os conflitos de interesse em Angola. De outra maneira, vai ser muito difícil Angola ser aceite pela comunidade financeira internacional. E há outras coisas. Por exemplo, o Banco Nacional de Angola diz que quer mais transparência, mas no fim do dia o que vemos é o seguinte: o BNA ainda nem sequer publicou o relatório e contas de 2015. Por isso é que as pessoas e as entidades internacionais não têm confiança em Angola nem no BNA.