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Angola: Crise leva jovens a caçar ratos para comer e vender

António Domingos
21 de agosto de 2023

Com o aumento da fome no país, vários jovens e adolescentes do Kwanza Norte ganham a vida a caçar ratos. Negócio chega a gerar 1500 kwanzas por dia. Sociólogo critica políticas públicas.

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Negócio chega a gerar 1500 kwanzas por diaFoto: António Domingos

A fome severa em Angola, associada à pobreza extrema, está a obrigar jovens e adolescentes a caçar ratos para consumo próprio e venda. O facto está a acontecer em várias localidades do país.

Edmilson Pereira, que vive no bairro Madeira, município de Kambambe, na província do Kwanza Norte, viu nesta atividade uma oportunidade de negócio e uma forma "das crianças não se perderem no mundo da droga", diz.

"Vi que quando metia ratoeiras, nas várias matas, agarrava sempre ratos. Então chamei algumas crianças e disse: vamos para o campo colocar várias ratoeiras. Vamos vender [os ratos que caçarmos]. Mesmo se não vendermos, dão para a nossa alimentação", contou à DW.

Edmilson Pereira recrutou 32 adolescentes para caçar ratos. Fuxi Gaspar é um deles. À DW conta que, com a crise a apertar no país, caça os pequenos roedores para vender e também para comer.

"Hoje apanhei sete ratos. Devemos procurar no buraco onde eles habitam. Cavamos até nos ninhos de ratos. Às vezes corremos mesmo perigo de vida", conta.

Angola Hungersnot/Jagd auf Ratten zum Essen
Fuxi Gaspar vende ratos na companhia da sua irmãFoto: António Domingos

Segundo Fuxi Gaspar, os preços variam consoante o tamanho.

"Cinco ratos pequenos são 500 kwanzas. Os ratos grandes são mais caros. Há dias que consigo 1000 ou 1500 kwanzas", explica o jovem, que acrescenta que, com o dinheiro que ganha, compra roupa e calçado.

Joaquim de Sousa, que também vive num dos bairros da periferia da velha cidade do Dondo, tem mais de cinquenta ratoeiras. À DW, diz que aprendeu a caçar ratos com os amigos e a irmã mais-velha. Sousa prefere caçar ratos com armadilhas e ratoeiras em vez de cavar buracos.

Quem são os clientes?

Elizabeth de Andrade, 38 anos de idade, é uma das várias apreciadoras de ratos. Como muitos angolanos, busca esta alternativa para alimentar a sua família. E por isso, sabe como deve confecioná-los.

"Primeiro devemos meter no fogo e raspar. Depois de lavar muito bem, devemos tirar as tripas, voltar a lavar, ferver com sal e fritar".

Angola: Fome leva famílias a comer ratos em Luanda

Elizabeth de Andrade garante que há muitos clientes para este tipo de carne. Isto porque, acrescenta, a carne é deliciosa e pode ser acompanhada com vários pratos típicos da região, como é o caso do funge ou da kikuanga.

"Políticas falharam"

Também em entrevista à DW, o sociólogo Lúcio Marques fala da realidade da fome em Angola, e em particular na província do Kwanza Norte.

"A fome é uma realidade. Antigamente dizia-se que era um problema só do sul de Angola, mas é uma realidade ao nível das províncias, é uma realidade aqui no Kwanza Norte e está visível a todos nós", lamenta.

Marques acrescenta que o facto de haver cada vez mais famílias com fome no país se fica a dever "à crise que o Estado está a atravessar, também em função das políticas públicas que tem adotado nos últimos tempos".