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Efetivação do direito ao 'habeas corpus' ainda é um problema

7 de novembro de 2018

AJPD diz que o Governo tem demonstrado abertura para debater os direitos humanos, pelo menos do ponto de vista da narrativa, mantendo encontros com organizações. Mas sublinha que são espaços que estão a ser conquistados.

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Polícia angolana a reprimir manifestantes em Luanda em maio de 2018Foto: DW/B. Ndomba

Recentemente, em Berlim, à margem do encontro que teve como tema "Terra, segurança alimentar e direitos humanos em Angola", promovido pelas ONG alemãs Brot für die Welt (Pão para o Mundo) e Misereor, conversamos com António Ventura, membro da Associação Justiça Paz e Democracia (AJPD), sobre os desafios no campo dos direitos humanos e a postura do atual Governo em relação ao assunto.

DW África: Angola já começou a respeitar os acordos internacionais relativos aos direitos humanos dos quais é signatário?

António Ventura (AV): Há vários acordos internacionais que Angola ratificou nos últimos anos, sobretudo no domínio dos direitos da mulher e das pessoas com deficiência. Não podemos dizer linearmente que Angola não esteja a cumprir com a implementação dos tratados, há vários momentos das medidas políticas, legislativas e administrativas. Nós vamos dizer que ainda está muito distante de cumprir os compromissos, sobretudo no domínio dos direitos das pessoas com deficiência. O Estado angolano ratificou a convenção, aprovou a Lei das Acessibilidades, mas se verificarmos nas várias estruturas e outros estabelecimentos, que à luz das Lei das Acessibilidades devem criar condições para que as pessoas com deficiência possam usar dos seus direitos, obviamente que não têm sido respeitados.

DW África: Falou na necessidade de reformas no setor da justiça e que devem ser céleres, mas, por exemplo, os Tribunais de Relação (tribunais judiciais de segunda instância) ainda não foram instituídos. Quais são as justificações apresentadas para a demora?

Efetivação do direito ao habeas corpus ainda é um problema

AV: Inicialmente a justificação era de natureza política, mas hoje, acredito, que a justificação está fundada não só em fatores de natureza humana, ao nível de recursos humanos, mas também ao nível das infraestruturas que devem ser criadas para acompanhar os diversos processos que hão-de ser remetidos ao Tribunal de Relação. Mas eu acho que há um instrumento que falta, sobretudo da parte do Executivo, que é um plano estratégico para a implementação dos Tribunais de Relação. Podem não ser implementados todos de uma vez, mas obviamente devem ser implementados paulatinamente. E o Estado não deve omitir-se de criar as condições, sobretudo financeiras, humanas e de infraestruturas para que se possa garantir a todo o cidadão o direito ao cesso a justiça, que inclua obviamente o acesso a usar os vários recursos disponíveis para se fazer a justiça.

DW África: Pode dar exemplos concretos dos efeitos do atraso na reforma do sistema da justiça na luta pelos direitos humanos?

AV: Um dos grandes problemas é a efetivação do direitos ao habeas corpus, porque muitas vezes os cidadãos que são privados de liberdade durante muito tempo, e os seus advogados solicitam o habeas corpus leva muito tempo [a terem resposta], porque sabemos que o habeas corpus é uma providência que é acionada para que imediatamente se possa restaurar a liberdade do cidadãos mas que no caso angolano, em muitos casos quando a detenção já não se justifica por causa da morosidade processual, obviamnte os cidadãos não gozam da liberdade nos termos da lei e nos termos da efetivação deste direito ao habeas corpus.

Angola  Aktivisten Nito Alves und Arante Kivuvu in Luanda
Nos últimos anos Angola vive uma onda de manifestações pelos seus direitosFoto: DW/P. Borralho Ndomba

DW África: No que se refere ao direito e acesso à informação, liberdade de expressão e liberdade de imprensa há ainda alguns pontos nevrálgicos. Concretamente em relação à liberdade de imprensa o jornalista ainda é muito penalizado. Passos no sentido de mudar isso estão a ser dados?

AV: No quadro das várias ações, as organizações de defesa dos jornalistas já têm estado a requerer a revisão da Lei de Imprensa. Consequentemente o Código Penal que criminaliza também o jornalista por informações que possam ser entendidas como injúria, difamação ou calúnia e o que tem sido já debatido, quer à luz das várias experiências de vários países e também fruto de uma diretiva da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos os Estados não podem responsabilizar criminalmente os jornalistas por suposta calúnia e difamação, mas que isso seja transferido para o quadro da responsabilidade civil. E esta tem sido a luta das organizações da sociedade civil e das associações de defesa dos direitos humanos para que seja descriminalizada a atividade jornalística neste quesito.

Symbolbild Hammer im Gerichtssaal
Foto: picture-alliance/ dpa

DW África: Há mais de um ano Angola tem um novo Presidente e um novo Governo. Este novo Executivo mostra abertura para questões sobre direitos humanos e para dialogar com organizações que trabalham nessa área?

AV: Tem demonstrado em alguns casos, do ponto de vista da narrativa e do discurso político, o Presidente [João Lourenço] tem apelado que haja a participação efetiva das organizações da sociedade civil, tem havido, por exemplo, por parte do Ministério da Justiça algumas conferências, encontros entre as organizações da sociedade civil e a Secretaria do Estado para os Direitos Humanos para se abordarem as questões preocupantes dos direitos humanos por parte das organizações da sociedade civil. Mas deve ficar claro que isto não é um favor, são espaços que estão a ser conquistados e esperamos que não haja retrocesso quanto à efetivação desses direitos e dessas medidas que já estão previstas na Constituição, que prevê a democracia participativa e que prevê também que o Estado deve incentivar a participação da sociedade civil na resolução dos problemas nacionais, concretamente no seu artigo 21, alínea e).

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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