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Angolana Fernanda Samuel é finalista de prémio da ONU

Marta Cardoso
24 de julho de 2020

Em entrevista à DW, a angolana Fernanda Samuel diz sentir-se "honrada" por ser finalista do prémio "Jovens Campeões da Terra" da agência da ONU para o Meio Ambiente. A engenheira tem-se dedicado à proteção dos mangais.

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Fernanda Samuel, uma das finalistas do prémio "Jovens Campeões da Terra" e fundadora do projeto OtchivaFoto: Privat

Um ano depois da bióloga angolana Adjany Costa ter vencido o prémio "Jovens Campeões da Terra 2020" da PNUMA, a agência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Angola volta a ter uma concorrente ao prémio final.

A engenheira de produção de petróleos Fernanda Renee Samuel, que trabalha em proteção ambiental, é uma das 35 finalistas da edição deste ano do prémio da ONU, uma das cinco escolhidas para a região de África.

Quando acabou a licenciatura, a angolana, hoje com 28 anos, ganhou o prémio internacional Odebrecht para o desenvolvimento sustentável 2015. Consequentemente, cocriou a AmbiReciclo, uma startup que promove a economia verde. Atualmente, a empresa está com uma campanha de produção de sabões - já produziram 65 mil barras - de forma voluntária, para serem distribuídos a famílias desfavorecidas.

Na entrega do prémio Odebrecht, Fernanda conheceu a então ministra do Ambiente, Fátima Jardim, que a convidou a integrar o seu ministério.

Do percurso de Fernanda Renee Samuel, a ONU destaca o seu trabalho com o projeto Otchiva, que criou para proteger os mangais da orla costeira angolana. Neste momento, o projeto, conta com 1.300 voluntários que atuam nas províncias de Luanda, Benguela e Zaire, mas pretendem estender-se para províncias como o Kwanza Sul e Cabinda. 

Die Mangroven retten, welche die Libreville retten
Projeto Otchiva tenta salvar mangais da destruição humana (Fotografia de arquivo)Foto: DW

DW África: Em que consiste o projeto Otchiva?

Fernanda Samuel (FS): Otchiva significa zona húmida, lago neste caso, na língua nacional Umbundu. E este é um projeto que tem como objetivo a promoção da gestão sustentável das zonas húmidas de mangais através de ações de sensibilização e educação sobre a importância dos mangais, a limpeza, a reflorestação e a investigação dos mangais. Isto com o objetivo de repor a resiliência da orla costeira, bem como o bem-estar de todos os seres vivos que deles dependem, inclusive nós mesmos humanos. Porque os mangais são o berçário da vida marinha e os protetores da orla costeira contra inundações, calemas, erosões

DW África: O projeto conseguiu uma parceria com as autoridades angolanas. Como aconteceu a parceria?

FS: Um dos problemas que o projeto Otchiva enfrenta é a destruição dos mangais por entulho para construção de infraestruturas como hotéis e resorts. E o Governo é que dá autorização a esses empresários para construírem esses empreendimentos nessas zonas húmidas. E nós, projeto Otchuva, vimos que, primeiro, o problema estava aí e que tínhamos de firmar uma parceria com o Governo.

E graças a Deus que [conseguimos] ao mais alto nível: a segunda figura pública do Governo, a Sua Excelência Vice-Presidente da República, [Bornito de Sousa,] que abraçou o projeto. Chamou-nos a uma audiência no Gabinete dele para perceber o que se passa e como é que nós trabalhamos. E numa dessas entrevistas ele foi tão humilde, isso é de exaltar, quando ele me diz que não tinha a perceção de qual era a importância dos mangais.

Então, desde que ficou a saber sobre a importância dos mangais, ele disse que isso já não era apenas um problema do projeto Otchiva, era um problema de segurança nacional. Porque nós temos uma orla de 1.650 quilómetros a ser destruída, o berçário da vida marinha está a ser destruído. E, se ficamos sem peixe, isso não é só um problema ambiental, é um problema económico e social, porque é toda a sociedade que depende dos mangais.

A sua Excelência, o Vice-Presidente da República, tem apoiado principalmente na divulgação para a não destruição dos mangais. E orientou todos os governadores ao nível das províncias de toda a orla costeira para a preservação sustentável dos mangais.

DW África: Que trabalho têm desenvolvido junto das comunidades locais?

FS: As comunidades sabem da importância básica dos mangais porque elas só vão lá tirar os crustáceos e os moluscos, aquilo é a fonte deles de subsistência. Nós estamos a ensinar-lhes que devem limpar o local e reflorestar. Porque parte deles não têm carvão ou gás e cortam os mangues para servir de combustível para cozinharem os seus alimentos. Isso não é proibido, eles não têm como fazer [diferente] mesmo. Estamos a falar na aldeia do Farol, principalmente, aí no Mussulo. Porque não basta só cortar, é preciso reflorestar. Eles também têm sido capacitados [por exemplo] de que não podem apanhar as fêmeas, para voltarem a reproduzir.

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DW África: De onde vem este ativismo ambiental que tem vindo a implementar?

FS: Este projeto dos mangais começou no Lobito, porque eu cresci em duas províncias da orla costeira e estou muito conectada a esta biodiversidade dos mangais. Quando saía da escola, eu via os flamingos a fazerem todo aquele dançar deles. Quando eu cresci, tinha uns 12 ou 15 anos, comecei a ver aquilo a ser destruído pela ganância de algumas pessoas para fazer hotéis, bancos… E eu comecei a ver as zonas dos mangais a reduzir de espaço, e os flamingos estavam aflitos e estavam a migrar. Porque o resultado dos hotéis era lixo para as águas e para o ar. Então, eu pensei que ou continuava a ver aquela destruição dos mangais sem poder fazer nada ou então tinha de fazer algo. E eu não queria que os flamingos na minha cidade ficassem para a história.

A minha luta da proteção do ambiente, em geral, começou quando eu era criança, Eu lembro-me que nós tivemos uma crise de água e ficámos um ano sem água. Quando eu fui fazer as minhas investigações, ainda criança, eu fiquei a saber que a falta de água foi por causa da má gestão dos recursos hídricos e comecei a investigar mais sobre o ambiente. Infelizmente, fui obrigada, por falta de opções, a tirar Engenharia de Petróleos.

DW África: Que conselho dá aos jovens que não têm opções de estudar o curso que idealizam?

FS: Eu penso que o que nós fazemos na nossa licenciatura não é o que vai definir [aquilo em que] vamos trabalhar. Eu penso que a universidade é apenas algo para cumprir formalidade. Penso que devemos encarar todos os desafios e, quando estivermos no campo de batalha, devemos fazer aquilo de que nós gostamos, ir atrás, nunca desistir. E resultados importam, trabalhar duro funciona.

DW África: Caso ganhe o Prémio Jovens Campeões da Terra receberá 10 mil dólares norte-americanos e o apoio do PNUMA para realizar projetos. Já idealizou como quer aplicar o prémio, caso ganhe?

FS: Nós temos um projeto nacional de gestão de mangais, elaborado por nós, que já está na mesa do Executivo. E penso que esse dinheiro seria uma oportunidade para implementar as ações desse plano que tem a ver com a restauração e proteção dos mangais.

Queria dizer que é uma honra muito grande estar nomeada entre os finalistas do prémio "Jovens Campeões da Terra 2020", pois isto quer dizer que o trabalho que temos desenvolvido na proteção e reparação dos mangais em Angola acaba por ser reconhecido e credibilizado pela ONU. É uma honra para o projeto Otchiva, mas queria dizer que não basta sermos reconhecidos lá fora. É importante que consigamos reunir os mais amplos consensos aqui entre nós para que sejamos todos capazes de salvar o planeta, a começar pela nossa própria terra.

Sinto que chegou a hora de nos reconciliarmos com a mãe natureza. Porque Angola conseguiu a paz com o calar das armas, mas isso não adianta se as nossas florestas continuam a ser devastadas, se houver falta de saneamento e os nossos ecossistemas continuarem a ser destruídos.