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IGAE denuncia irregularidades na Administração Pública

Lusa | mjp
4 de agosto de 2018

Processos de funcionários que não foram visados pelo Tribunal de Contas e ministérios que não justificaram despesas milionárias são algumas das questões apontadas pela Inspeção-Geral da Administração do Estado angolano.

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Angola Skyline von Luanda
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler

A Inspeção Geral da Administração do Estado (IGAE) de Angola denunciou este sábado (04.08) que, nos últimos três anos, constatou a inserção de funcionários no aplicativo de gestão de recursos humanos, cujos processos "não foram visados" pelo Tribunal de Contas. 

A informação consta de um relatório sobre "irregularidades do funcionalismo público" angolano feitas pela IGAE de 2015 a 2018, onde o órgão reconhece "eficiência" na descentralização do sistema informático de gestão de recursos humanos, mas considera que o país "carece de um sistema de controlo interno adequado". 

Segundo o relatório, apresentado publicamente pelo diretor do gabinete de Inspeção da IGAE, Tomás Gabriel, alguns gestores dos recursos humanos, "porque lhes convém, introduzem funcionários no sistema de recursos humanos dos Ministérios". "E muitas vezes sem o conhecimento do titular do órgão", acrescentou. Segundo o documento, nos processos individuais, a IGAE detetou nesse período que falta documentação essencial na maior parte dos processos, bem como existem imprecisões nos arquivos e no classificador ocupacional. 

No domínio da gestão orçamental e patrimonial, a Inspeção Geral da Administração do Estado angolano diz ter identificado a "não submissão" dos contratos ao Tribunal de Contas para obtenção do visto de conformidade. "Aí, os Ministérios ou Governos provinciais faziam o fracionamento dos contratos, ou seja, para evitar levar o contrato ao Tribunal de Contas, repartiam o contrato em cinco. Assim, o valor diminuía e deixava de ser necessário remeter ao Tribunal", refere-se no documento. 

Angola Luanda Baustelle
Foto de arquivo (2014): Obras no centro de LuandaFoto: DW/C.V. Teixeira

Segundo a IGAE, o quadro de pessoal em vigor nos departamentos ministeriais e órgãos da administração local do Estado não observam dados quantitativos de pessoal do grupo técnico, havendo ainda situações de categorias profissionais "não previstas no quadro do pessoal". 

"Ou seja, num determinado órgão da administração local do Estado encontramos um quadro de pessoal médico. Mas, confrontando-se com o quadro de pessoal, não há nenhuma categoria de médico. Encontramos ainda um caso em que o número de técnicos médios era de 16, mas na folha de salário estão 50", acrescentou. 

Nos gabinetes de titulares da função executiva, adiantou Tomás Gabriel, há pessoal em número excedentário. "Há casos em que os titulares apenas têm direitos a dois [colaboradores], mas acabam por entrar 20. O mesmo se passa nas residências dos titulares de funções executivas", denunciou. 

Ministérios não justificaram despesas

Tomás Gabriel revelou ainda que os extintos ministérios angolanos das Obras Públicas e Construção não justificaram, entre 2007 e 2014, despesas de até 30.000 milhões de kwanzas (100 milhões de euros).

Segundo o diretor do gabinete de Inspeção da IGAE, além de outras irregularidades detetadas, em 2007, o extinto Ministério das Obras Públicas promoveu 14 funcionários que não reuniam requisitos legais para o efeito, não celebrou contratos com o pessoal eventual e "nem sequer justificou despesas de cerca de 30 bilhões de kwanzas". "E quando pedimos o contraditório, o ministro na altura disse que não tinha tempo para dar justificações", adiantou Tomás Gabriel.

Ainda em 2007, de acordo com a IGAE, o departamento ministerial suportou despesas de viaturas a pessoal estranho ao Ministério, adquiriu meios não inventariados e executou cerca 64 contratos cujos vistos foram recusados pelo Tribunal de Contas.

Segundo Tomás Gabriel, entre as "várias irregularidades" detetadas ainda em 2007, a IGAE constatou a "remuneração" ilegal da Comissão de Coordenação do chamado Projeto da Linha de Crédito da China.

Já em 2014, a IGAE verificou que o extinto Ministério da Construção procedeu à execução de contratos de prestação de serviços caducados e não justificou uma despesa no valor de mais de 6.000 milhões de kwanzas (20 milhões de euros).

O atual Ministério da Construção e Obras Públicas, fruto da legislatura que teve início em agosto de 2017, fundiu os anteriores Ministérios das Obras Públicas e o do Construção.

Wassertank in Luanda, Angola
Foto de arquivo: Reservatório de água em LuandaFoto: DW/N. Sul d'Angola

Clima de desconfiança

Ainda segundo o diretor do gabinete de Inspeção da IGAE, o Governo angolano pagou há quatro anos 69 milhões de kwanzas (230 mil euros) para financiar um projeto de distribuição de água numa província em Angola em que tudo está ainda por fazer. O diretor de gabinete da IGAE, que não indicou qual a província em causa, salientou que o projeto está orçado em 80 milhões de kwanzas (270 mil euros).

Tomás Gabriel acrescentou que, há quatro anos, o Governo adiantou às empresas contratadas a verba inicial de 230 mil euros para se avançar com a obra, tendo descoberto, há duas semanas, que nada foi feito.

Acrescentou que, das 50 ações ligadas ao projeto, apenas cinco foram cumpridas, e todas em 2014, sublinhou, sem identificar quais as empresas em causa. "As populações dessas comunidades consomem as águas das cacimbas, sem qualquer tratamento e, para nós, isso é falta de humanidade das pessoas", lamentou Tomás Gabriel.

Segundo o responsável, que falava perante os funcionários do Ministério das Obras Públicas e Construção de Angola, tal situação pode provocar ainda um clima de "insegurança e desconfiança" entre os funcionários e dirigentes, facto comprovado com as constantes queixas, denúncias e reclamações "que vão cair na esfera da IGAE" e "resultam justamente desse clima de insegurança e desconfiança junto das instituições governamentais, geram questionamentos sobre a capacidade de gestão e liderança dos titulares dos órgãos".

O diretor do gabinete da IGAE sublinhou que já reina "a confusão entre o poder discricionário e arbitrariedade" entre os titulares de cargos públicos angolanos, pelo que cabe à Inspeção-geral "delimitar essas fronteiras".