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Angola: "Não são decretos que trarão honra para Savimbi"

2 de abril de 2019

Ainda não há data para o funeral de Jonas Savimbi, a família e o seu partido aguardam ainda pelo resultado do teste de ADN. Assim já não há cerimónias fúnebres a 6 de abril, como estava inicialmente previsto.

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Jonas Savimbi, ex-líder da UNITAFoto: AP

Os filhos de Jonas Savimbi e a UNITA, o maior partido da oposição em Angola, entendem que o ideal seria fazer o enterro depois da época chuvosa, que vai até princípios de maio. Rafael Savimbi, um dos filhos do fundador e ex-líder da UNITA, estima que a partir da segunda quinzena de maio, se os resultados do teste de ADN estiverem prontos, então tal possa acontecer. A DW África conversou com Rafael Savimbi sobre esse processo e não só: 

DW África: Depois de vários anos de espera finalmente os restos mortais do seu pai serão entregues a família e a UNITA. É um gesto do novo Governo angolano que em muito se distancia do anterior Governo...

Rafael Savimbi (RS): Este processo não começou com o novo Governo, começou há vários anos, na altura era José Eduardo dos Santos a dirigir o país, mas infelizmente não teve a postura necessária. Deve ter havido algum interesse que fez com que o processo não fosse muito bem sucedido. Aquando do último encontro entre o Presidente da República e o [presidente da UNITA] houve o relançar desse processo, que felizmente está a correr bem e hoje as coisas estão muito avançadas.

DW África: É um sinal de abertura por parte do Governo de João Lourenço?

RS: É um sinal de que Jonas Savimbi, por ter pertencido a um partido diferente, está a marcar profundamente Angola e os próprios angolanos, inclusivamente o próprio Governo tem necessidade de [continuar] este dossier, porque seguramente vai aprofundar o processo de reconciliação nacional. Penso que há aqui uma dinâmica política e social no país que faz com que [isso aconteça].

Angola: "Não são bem decretos que trarão honra para Savimbi"

DW África: Para muitos africanos o enterro e as devidas cerimónias fúnebres são rituais que trazem paz e encerram, de certa maneira, uma porta. Como foram os últimos 17 anos para a família Savimbi?

RS: Foram anos de dor e cheios de muita expetativa por este momento que felizmente iremos viver. É  verdade, como bem disse, nós somos africanos e na nossa cultura o óbito só se encerra com um funeral condigno do seu ente-querido. Então, seguramente que estes 17 anos foram difíceis e vão ter, felizmente, este momento de realizarmos um funeral condigno. Mas isso não significa que o homem será enterrado e que tudo para por aí, é uma pessoa que marcou profundamente as nossas vidas, seja no quadro particular ou coletivo, pelo que será sempre lembrado, como pai, avó, companheiro, sobretudo como cidadão que se entreguou as causas dos seus povos, destacou-se e marcou a história do seu país.

DW África: Um enterro sem honras de Estado é motivo de insatisfação para a família de Savimbi e para o seu partido, a UNITA?

RS: Nem a UNITA e nem a família um dia solicitaram um funeral condigno junto do Governo, isso nunca aconteceu. Eu praticamente participei de todo o processo, de todos os contatos, das negociações que fomos fazendo com o Governo para que pudéssemos encontrar algum meio termo neste processo e devo dizer que nunca, em momento algum, nós levantamos essa possibilidade. Agora, é preciso dizer que o Governo, queira ou não, Jonas Savimbi marcou profundamente a história deste país, Jonas Savimbi foi um dos co-signatários dos acordos de Alvor que trouxeram a independência para Angola, foi signatário dos acordos gerais de paz para Angola, os famosos acordos de Bicesse. Então, há factos tão marcantes da história de Angola que fazem com que Savimbi faça parte deste mosaico histórico do nosso país. Não são decretos que trarão honra para Savimbi. Eu sinto que hoje a maioria dos angolanos reconhece a sua causa e vão honrando. E digo-lhe, por exemplo, que estes dias há uma série de [ações] não só nas redes sociais, mas também nos bairros aqui em Luanda, onde os jovens dizem que para honrar Savimbi estão a desenhar a sua imagem nas paredes e isso para mim é muito reconfortante. Se fosse por causa de um decreto a determinar que Savimbi é um herói e tem a sua estátua e vai merecer honras de Estado mas que os angolanos, povo pelo qual Savimbi morreu, não o reconhecesse eu ficaria triste.

Angola,  Kuito Ampeln Solarstrom
Província do Bié, onde nasceu Jonas SavimbiFoto: DW/M. Luamba

DW África: Então por tudo isso que referiu agora ser elevado a estatuto de herói seria uma satisfação para a UNITA?

RS: Não, o que quero dizer com isso é que a sua elevação a um estatuto de herói vai resultar da vontade do povo como tem sido de momento. Mas não precisamos de decretos para dizer o que Savimbi é, não é preciso isso, porque nunca solicitamos.

DW África: Entretanto em 2015 a UNITA teria até entregue um caderno de encargos com o plano dos atos das cerimónias fúnebres. Em que consistia esse caderno de encargos?

RS: Não só em 2015, mas também o ano passado fizemos, porque este processo que é de exumação, recolha de amostras, transladação e exumação é longo, e porque também no local, que é a aldeia Lopitanga, no município do Andulo na província do Bié, que é a terra natal de Jonas Savimbi, onde então serão exumados os seus restos mortais, é uma zona que no tempo do conflito armado tinha sido minada. Significa que em 1999, quando as tropas do Governo retomam a vila do Andulo, houve minas colocadas a volta da aldeia de Lopitanga. Então, havia necessidade garantirmos que essas minas fossem retiradas para podermos evitar acidentes, esses são alguns dos pontos que constavam do caderno de encargos e o Governo é que tem os meios para fazer isso. Um outro ponto era a necessidade, por exemplo, de abrirmos vias de acesso porque a zona praticamente estava a abandonada, um outro aspeto era a necessidade de no quadro de criamos alguma vida ali colocarmos alguns pontos de água para as populações que vivem naquela zona. Um outro ponto foi o da necessidade de, uma vez feita a exumação podermos chamar especialista para fazer a extração de amostras para o teste de ADN. São estes aspetos que constavam do caderno de encargos entregues pela UNITA ao Governo.

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Apoiantes da UNITA durante um comício no Casenga, LuandaFoto: picture-alliance/ dpa

DW África: E o Governo de Angola respondeu positivamente a esses pedidos?

RS: Pelo menos a questão da desminagem foi respondida, parte da desminagem foi feita, falta outra. Felizmente hoje já se chega a Lopitanga. A questão do ADN ja foi feita, já fizemos a recolha das amostras e neste momento estamos a espera dos resultados. Tivemos duas equipas: uma angolana e outra portuguesa, todas em nome do Governo. E em nome da família e da UNITA tivemos uma equipa sul-africana que também participou do processo da exumação e recolheu amostras. Neste momento cada grupo está a trabalhar no seu laboratório para num curto espaço de tempo darem-nos o resultado. E cada um virá de novo a Luanda para então cruzarmos os resultados.

DW África: Acredita que até abril, altura em que prevêm fazer as cerimónias fúnebres, todos estes pontos estejam devidamente respondidos?

RS: É o nosso desejo, estamos a ser o mais positivos possível, com o desejo também de que tudo corra da melhor maneira possível, pelo que estamos a trabalhar para que tudo corra dentro dos prazos pré-estabelecidos.

DW África: Os interesses da família Savimbi e da UNITA estão conciliados no que diz respeito as cerimónias?

RS: Claramente, porque o desejo tem sido da família e da UNITA. Mesmo no quadro dos contactos que foram estabelecidos com o Governo nunca houve uma dissociação. A delegação é mista, composta pela família e membros do partido UNITA para juntos defendermos esta posição, pelo que todas as posições e disposições que estão a ser tomadas são combinadas, são da nossa vontade e partilhadas pelo partido.

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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