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Arranca campanha "Cabo Delgado também é Moçambique"

Nádia Issufo
15 de junho de 2020

Em entrevista à DW África, organizadora da campanha apela ao engajamento dos jovens. Província no norte de Moçambique é palco de ataques armados que já fizeram centenas de mortos desde 2017.

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Foto: AFP/J. Nhamirre

"Cabo Delgado também é Moçambique" é uma campanha que arrancou esta segunda-feira (15.06) em Moçambique. Há cerca de dois anos que a província no norte de Moçambique é palco de ataques armados de insurgentes que já fizeram centenas de mortes, inclusive por decapitação. A par disso está a desencadear pobreza, deslocados internos entre outros males.

Os ataques, que acontecem desde outubro de 2017, foram classificados no início do ano pelas autoridades moçambicanas e internacionais como uma ameaça terrorista. Em dois anos e meio de conflito naquela província do norte de Moçambique, estima-se que já tenham morrido, no mínimo, 600 pessoas e que cerca de 200 mil já tenham sido afetadas, sendo obrigadas a refugiar-se em lugares mais seguros. 

Cídia Chissungo é organizadora da campanha e falou à DW África sobre os seus objetivos.

Arranca campanha "Cabo Delgado também é Moçambique"

DW África: A campanha visa, claramente, chamar atenção sobre a pouca relevância que se dá ao problema de Cabo Delgado em Moçambique?

Cídia Chissungo (CC):  Esse é um dos objetivos, mas não é o único.

DW África: E quais são os outros objetivos?

CC: Já estamos nesta campanha desde novembro/dezembro de 2018, e realizamos várias atividades. Nesta quarta fase, temos três grandes objetivos. O primeiro é continuar a promover a solidariedade. Fazer com que os moçambicanos falem sobre este assunto como algo que merece a atenção de todos. Mais do que falar, que também possam contribuir para apoiar as vítimas. O segundo objetivo é ter uma plataforma que permita com que as façam as suas contribuições e que tenham certeza de que os donativos chegarão às pessoas [que precisam]. Para termos uma ideia, Maputo e todas as outras províncias deverão recolher valores, mas apenas Nampula e Cabo Delgado farão a recolha em forma de materiais, produtos e outros tipos de alimentos. Será assim por causa da disponibilidade de transportes.

Já o terceiro grande objetivo desta campanha é atrair a solidariedade internacional. Isso porque nós não somos o primeiro país que está a ser vítima de ataques terroristas. Há outros, como a Nigéria (já há alguns anos). Nós queremos aprender com estes países como eles têm apoiado as vítimas e como têm feito ações de prevenção à violência. Sobretudo, tendo-se em conta que o maior número de pessoas que agora está a radicalizar-se se refere aos jovens. Por isso, precisamos nos prevenir para ter alguma certeza de que isso não chegue, em grandes proporções, a outras províncias, como é o caso de Nampula. Embora já haja sinais de recrutamento de pessoas lá. E também queremos chamar atenção de outros países para que não ignorem os sinais de conflitos que nós tivemos.

DW África: Falou agora de contribuições financeiras. Por acaso, um académico sugeriu, durante uma entrevista à DW África, já há algum tempo, que cada moçambicano poderia contribuir para minimizar o sofrimento da população de Cabo Delgado. Mesmo que fosse por meio de colheta de dinheiro. Qual está a ser a reação dos moçambicanos ao vosso apelo?

CC: Muito positiva. A campanha começou hoje de manhã [segunda-feira, 15 de junho] nas redes sociais, mas nós já estamos a ter um impacto maior. Não só de jovens moçambicanos no país, mas também na diáspora. Por exemplo, estudantes na China, no Japão, nos EUA, na França. Estamos a ter resultados muito bons. Há vários artistas a ajudar nesta campanha. Até a semana passada tínhamos alguns. Mas, desde que começamos, de ontem à noite até hoje, várias pessoas têm mostrado disponibilidade. Enviamos layouts para as pessoas fazerem as camisetes. Hoje, estas pessoas estão a mostrar maior interesse, a pedir. Querem fazer parte da campanha. Estamos a ver com bons olhos. As pessoas estão a receber muito bem. 

DW África: Campanhas como "Je suis Charlie" ("Eu sou Charlie") ou contra o racismo e violência policial, como no atual caso do norte-americano George Floyd, movimentam massas a nível mundial - incluindo-se os moçambicanos. Contudo, sobre os problemas locais, quase nada se vê. Acredita ser isso um problema de falta de empatia para com seus próximos? Algum problema de autoestima ou necessidade de pertença a causas que se "estão a dar internacionalmente"?

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CC: Eu diria que quando as pessoas não falam sobre um determinado assunto não é porque não se preocupam, mas porque não viram relevância suficiente neste determinado assunto. Então, qual é o exercício que precisamos fazer, como jovens? Precisamos começar a falar sobre isso. Começar a partilhar fora. Quem não faz a mínima ideia do que está a acontecer em Cabo Delgado, não tem como comentar. Eu não diria que as pessoas nos outros países não se preocupam. O problema é que a informação não está a sair como deve ser.

DW África: Eu falava dos próprios moçambicanos…

CC: Trata-se de algo um pouco controverso, porque quando os jovens fazem campanhas, eles não começam aquelas que estão a repercutir a nível internacional. Eles participam. De fato, começar uma campanha é algo que as pessoas têm dificuldade de fazer, mesmo em relação a Cabo Delgado. Mas quando alguém inicia [uma campanha], como esta que estamos a fazer agora, as pessoas facilmente acompanham. Agora, eu concordo que existe essa dificuldade e falta de iniciativa dos jovens em começar. É algo também aliado à inexperiência, por assim dizer. Intervir em causas sociais é de certo modo difícil. Sempre que alguém tenta há certas consequências. As pessoas não querem muito misturar-se e não levam [a causa] para si. Mas elas deveriam "bater com o pé" e a "mão na mesa", insistindo, para que de fato seja como querem. Nós estamos a tentar mudar a realidade através de pequenas ações. Pequenas, não. Na verdade, já são grandes ações.