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Eleições em Moçambique: "CNE sempre foi um órgão político"

Maria João Pinto
22 de agosto de 2018

Em entrevista à DW África, historiador moçambicano Egídio Vaz diz que CNE tem "motivações políticas" para afastar candidato da RENAMO da corrida às eleições e acusa MDM de "desejo de vingança".

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CNE Mosambik
Foto: DW/R.daSilva

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique afastou na segunda-feira (20.09) o candidato da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) às eleições autárquicas de 10 de outubro, alegando irregularidades na candidatura. Venâncio Mondlane foi afastado na sequência da impugnação solicitada pelo seu antigo partido, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), que considerou ilegal a candidatura, por Mondlane ter renunciado ao mandato na Assembleia Municipal de Maputo em 2015.

De acordo com a lei moçambicana, "não é elegível a órgãos autárquicos o cidadão que tiver renunciado ao mandato imediatamente anterior". Mondlane renunciou ao mandato na Assembleia Municipal de Maputo em 2015 para ocupar a função de deputado, na altura pelo MDM, no Parlamento moçambicano. 

No entanto, para o historiador e analista político moçambicano Egídio Vaz, a CNE está a fazer uma interpretação errada da lei, movida por motivações políticas. Para o analista, a decisão mancha a reputação das instituições do Estado e poderá trazer consequências negativas também ao partido no poder, a FRELIMO.

DW África: Como vê este afastamento do candidato da RENAMO às autárquicas?

Egídio Vaz (EV): Vejo como uma forma política de 'avacalhar' o candidato Venâncio Mondlane, ocupando-o com batalhas jurídicas em vez daquilo que é mais importante, a sua estratégia de campanha. A CNE é um órgão que - apesar de constitucionalmente e através da lei eleitoral, estar obrigado a agir dentro dos comandos jurídicos e da imparcialidade – nunca decidiu na base da lei e da boa-fé. Sempre foi um órgão político, guiado pelos interesses dos políticos, e esta interpretação da lei é motivada por orientações políticas. Este é um problema que urge sanar.

20 Jahre Frieden Mosambik
Foto: DW/Marta Barroso

DW África: O MDM considera a candidatura ilegal, porque Mondlane renunciou ao mandato na Assembleia Municipal de Maputo em 2015. A lei moçambicana diz que "não é elegível a órgãos autárquicos o cidadão que tiver renunciado ao mandato imediatamente anterior". Acha então que esta interpretação da lei não é correta?

EV: Não é correta, porque a lei que vigorava em 2015 foi totalmente substituída por uma nova lei. Essa é a interpretação técnica. Apesar de se manter o conteúdo e as sanções, temos uma nova lei autárquica, neste momento. Os juristas dizem que, pelo facto de ele [Venâncio Mondlane] ter renunciado em 2015, à luz daquela lei, mesmo que os pressupostos se mantenham na lei actual, aconteceu uma coisa muito importante: a substituição completa. Estamos a falar de uma nova legislação que está em vigor.

Este pressuposto é, além disso, inconstitucional, na medida em que proíbe cidadãos que queiram servir o mesmo povo, a mesma Constituição, a um outro nível. Em Moçambique, temos tido deputados eleitos para a Assembleia da República (AR) e depois nomeados para cargos executivos. Essas pessoas têm de renunciar, dada a incompatibilidade das funções. Imaginemos que a lei era aplicada nestes termos: temos muitos ministros que não voltariam a ser deputados, muitos executivos que não poderiam ser secretários permanentes.

Nesta ordem de ideias, não é recomendável que se olhe apenas para Venâncio Mondlane. Há tantos outros, inclusive o candidato da FRELIMO, que é deputado da AR: serviu vários mandatos, tanto no Executivo como nos órgãos autárquicos, foi presidente da Assembleia Municipal de Maputo e teve de renunciar várias vezes ao mandato de deputado para servir outras missões, por nomeação. Tratando-se de um novo pacote eleitoral, de uma nova Constituição, um novo mecanismo jurídico, esta proibição é por demais inconstitucional.

DW África: Voltando à questão das motivações políticas, a RENAMO diz que este afastamento se deve ao facto de o maior partido da oposição ser "muito forte na cidade de Maputo". Concorda com esta visão?

Venâncio Mondlane ACHTUNG SCHLECHTE QUALITÄT
Venâncio MondlaneFoto: Venâncio Mondlane/MDM

EV: Venâncio Mondlane, apesar de ser um jovem candidato e um político promissor, já concorreu nas eleições passadas [pelo MDM] com David Simango [da FRELIMO] e perdeu, com menos de 40% dos votos. De lá para cá, não aconteceu nada assim tão interessante com os candidatos da RENAMO e do MDM que nos possa assegurar que Mondlane seja um virtual vencedor na cidade de Maputo. Se formos ver a história das eleições, os candidatos da RENAMO ficaram abaixo dos 30%. Não acredito que as coisas mudem exponencialmente só por ser Venâncio Mondlane, a não ser que houvesse algo novo, como uma coligação entre a RENAMO e o MDM, logo à partida.

A reclamação do MDM [junto da CNE] é uma espécie de vingança pela forma menos avisada como muitos dos seus membros saíram para a FRELIMO. Hoje mesmo, por exemplo, a Assembleia Municipal de Quelimane aprovou a moção de destituição do actual edil, Manuel de Araújo, contra toda a legislação. Foi uma decisão simplesmente movida por fúria, zangas e desejo de vingança.

DW África: A RENAMO aguarda agora a notificação da CNE para interpor recurso junto do Conselho Constitucional. Caso este recurso não dê frutos e confirmando-se o afastamento de Mondlane, o que é que isto significa no xadrez político das autárquicas em Maputo?

Eleições em Moçambique: "CNE sempre foi um órgão político"

EV: Para já, o candidato da FRELIMO é o indisputável favorito. Mas o número dois da lista da RENAMO para Maputo é o general Hermínio Morais que, apesar da idade, é um notável do partido. A RENAMO pode ter melhores chances de ter bons resultados, independentemente do segundo lugar. O que pode transtornar a RENAMO é precisamente isso: o transtorno político, o transtorno logístico e o transtorno da expectativa, porque a RENAMO juntou todas as suas forças para apostar num jovem que, tendo saído com bons resultados no passado, com o MDM, esperava melhorar nestas eleições.

Julgo que o Conselho Constitucional terá, mais uma vez, arranhado a sua reputação e isto não será apenas um transtorno para a RENAMO. Isto poderá ter uma má repercussão até na própria FRELIMO, dado que a política de vitimização poderá ganhar mais relevância e as pessoas poderão estar mais seguras de que tudo isto é politicamente motivado e não tecnicamente fundamentado. Será mau para todos: para o partido no poder, para as instituições do Estado e para o Conselho Constitucional, para além de a RENAMO estar a sofrer um grande revés em relação à sua estratégia eleitoral.

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