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SociedadeGlobal

"Querer controlar a natureza é uma ilusão"

Ruby Russel
10 de julho de 2020

A DW falou com o filósofo nigeriano Bayo Akomolafe sobre o clima, o coronavírus, os problemas da filosofia ocidental no que toca à natureza e porque é que a procura de soluções pode precisamente ser o problema.

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Foto: privat

Quando Bayo Akomolafe era criança em Lagos, nos anos 80, os professores batiam nos alunos que falavam a sua própria língua, o iorubá. Ele falava apenas inglês. As línguas e culturas africanas eram desprezadas. Muito depois da independência, ainda dominava a cultura colonial.

Mas o filósofo e professor de psicologia na Universidade Covenant da Nigéria, cujas palestras têm vindo a ganhar uma audiência crescente em todo o mundo, regressou à sua origem iorubá para perceber o mundo moderno e os seus males. Bayo Akomolafe argumenta que precisamos de repensar completamente a nossa relação com a natureza.

"Aquilo a que hoje chamamos 'natureza' não tem sequer um nome na cultura iorubá, porque não havia distinção entre nós e os acontecimentos que nos rodeiam", diz Akomolafe. A religião Ioruba de Ifa, diz, vê "vitalidade" no mundo não humano. "As montanhas podiam ser consultadas, as árvores podiam ter privilégios", explica.

No discurso ocidental há uma distinção clara entre o homem e a natureza. Mas o mundo dominado pela cultura, ideias, sistemas económicos e modelos de desenvolvimento do Ocidente encontra-se numa crise ecológica. Akomolafe está entre os pensadores pós-coloniais que apontam a disfunção crescente desta visão do mundo.

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O pensamento ocidental inventou justificações para abusar da natureza, diz o filósofo AkomolafeFoto: AFP/R. Alves

Inverter o status quo ocidental

O filósofo argumenta que precisamos de inverter um status quo que coloca os humanos, sobretudo os homens brancos, no centro do universo. "A ideia da natureza é uma criação do Iluminismo. Ela pretende que existe um mundo externo que é independente de nós, fora de nós", transformando-o "na base de recursos que podemos extrair e da qual podemos abusar, porque estamos à parte".

O observador objectivo criado pelo Iluminismo permitiu à ciência desconstruir e compreender o mundo. Mas esta posição de desapego também pode ser vista como alienadora. Akomolafe diz que levou a que corpos negros e castanhos fossem tratados como "sub-humanos", com a natureza classificada algures abaixo de pessoas de cor e descartada como "um local de passividade".

O que não só justificou a pilhagem e destruição da natureza, como também deformou a nossa abordagem de estratégias de proteção, argumenta Akomolafe. O filósofo aponta para esquemas de "limitação e comércio" de dióxido de carbono com as quais se justifica a compra do direito de prejudicar o clima, e "soluções" que colocam valores monetários na natureza.

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O controlo sobre a natureza é uma ilusãoFoto: AFP/I, Sanogo

Colocar um preço na natureza não faz sentido

De acordo com um relatório da organização ambiental World Wildlife Fund (WWF), os oceanos da Terra valem equivalem a 24 triliões de dólares em bens e serviços.

"O oceano é majestoso porque nos excede, porque nos silencia, porque viemos dele, porque os nossos corpos são compostos por ele", diz Akomolafe. "Pensar de alguma forma no oceano como algo potencialmente ao alcance de um Jeff Bezos ou de um Putin para comprar desvaloriza-o para mim". Em vez disso, o filosófo exorta-nos a "reencontrar a natureza" e optar por uma abordagem que "pode não se parecer com uma 'solução': ver o oceano como um ancião, um agente de direito próprio, e aprender a ouvir as suas várias sabedorias".

Numa época de crises múltiplas, as pessoas querem soluções concretas. Mas, para Akomolafe, a própria noção de que possam existir respostas definitivas é o verdadeiro problema. É preciso olhar para além da dicotomia problemas e soluções, crises e controlo, diz.

A ilusão de controlo

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A pandemia abrandou consideravelmente a economia globalFoto: Getty Images/AFP/P. Utomi Ekpei

Na sua juventude, Akomolafe estudou psicologia para tentar compreender elementos essenciais da mente humana. Mas a sua tese de doutoramento examina as práticas psicoterapêuticas dos curandeiros iorubás, para os quais a mente humana não pode ser categorizada pelas patologias da psiquiatria ocidental.

Para o filósofo, a visão iorubá de um mundo como intrinsecamente interligado de formas que vão para além da nossa compreensão é um antídoto vital para a divisão ocidental da realidade entre "palavras e coisas, sujeito e objetos, aqui e ali, mente e matéria, cultura e natureza", como escreve no ensaio, "O que o colapso climático exige de nós".

"As alterações climáticas são um sinal de que o mundo não nos vai dizer o que temos que fazer ", diz Akomolafe. "Por isso, temos de aprender a caminhar em direção deste mundo. O que não significa dominar o novo mundo. Significa chegar a um ponto no qual reconhecemos que não controlamos nada".

A estabilidade é um luxo

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Parte da humanidade esqueceu que a estabilidade é um luxoFoto: Getty Images/AFP/N. Celis

Atualmente, a crise que mais preocupa toda a gente é a pandemia do coronavírus, que gerou um "estado de profunda incerteza". A ameaça de colapso ecológico passou para um segundo plano na precisa altura em que é essencial tomar medidas de proteção do clima.

Para Akomolafe, este é um momento de reflexão: "Inventámos sociedades estáveis e esquecemo-nos que a estabilidade é um luxo, não é um direito que nos foi dado por Deus". "Uma das nossas formas de ação como grande organismo terrestre é binária: matamos o vírus e regressamos à normalidade. E se a crise é justamente essa forma de ver o controlo - ou de nos vermos a nós próprios - for a crise? E se o controlo é crise"?

Akomolafe adverte que precisamos de "abrandar em tempos de emergência".

O que é literalmente o que a economia global está a fazer e, por isso, o filósofo exorta-nos a aceitar o atual estado de incerteza e tirar dele as nossas lições. Mas uma certeza ele tem: "Não vamos simplesmente sair desta crise e regressar ao dia-a-dia".

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