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Até que ponto o Governo sustentará a bandeira da soberania?

Nádia Issufo
20 de abril de 2021

"De certa forma Moçambique já perdeu a soberania em Cabo Delgado", diz investigador norueguês. Contudo, é uma bandeira que o Governo ainda consegue exibir para o exterior. Mas até onde vai o seu poder de a sustentar?

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BG I Alltag und Militarismus in Cabo Delgado
Militares das FDS de MoçambiqueFoto: Roberto Paquete/DW

A defesa da soberania e a integridade territorial é a bandeira que Filipe Nyusi e o seu Governo mantém permanentemente içada para afastar qualquer tipo de intervenção militar externa no combate ao terrorismo no norte de Moçambique.

Mas se a nível externo tem conseguido os seus efeitos, a nível interno é um discurso que não reflete a verdade absoluta, segundo a percepção de Aslak Orre, analista especializado em boa governação do Christian Michelsen Institute (CMI), um Instituto de Pesquisa da Noruega.

"A soberania do país em si não está em causa, a questão é até que ponto o Governo consegue exercer essa soberania em Cabo Delgado", sublinha.

Orre lembra que "uma definição clássica de soberania é até que ponto um Estado consegue exercer o monopólio do exercício de violência organizada" e neste âmbito afirma: "É evidente que há algum tempo o Governo moçambicano não consegue isso em Cabo Delgado, de certa forma já perdeu esta soberania, localmente."

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Aslak Orre, especialista em boa governação do CMI, Christian Michelsen Institute, NoruegaFoto: Privat

Prioridade para o Estado

Porém, face ao crescente domínio dos terroristas sobre as regiões costeiras e próximas delas em Cabo Delgado e a aparente dificuldade das Forças de Defesa e Segurança (FDS) em travá-los surge a pergunta óbvia: até que ponto o Governo conseguirá sustentar a bandeira da soberania para impedir a intervenção internacional que se advinha iminente?

Calton Cadeado é especialista em paz e segurança e docente da Universidade Joaquim Chissano em Moçambique e esclarece que "como Estado a soberania deve ser salvaguardada e evocada permanentemente. Onde sabemos que há terrorismo, inclusive nos países desenvolvidos, está visto que primeiro quem faz o combate contra é a força do Estado."

Assunto que já não é um exclusivo de Moçambique

O terrorismo há tempos que transpôs as fronteiras de Cabo Delgado e até de Moçambique. A presença de homens de outras regiões de África, e não só, entre os grupos armados, bem como questões logísticas que se supõem ser organizadas nos países vizinhos impedem Moçambique de fechar a porta à colaboração com outros estados. 

Cadeado defende que "mesmo sendo um assunto transnacional, o Estado pode garantir que a presença de forças estrangeiras para combater no campo de batalha seja menos real".

E o investigador lembra ainda que "há uma pressão muito forte para que essas forças venham. A nossa soberania é relativa e limitada, já que não há e nunca houve soberania absoluta".

Cadeado interpreta o posicionamento de Maputo da seguinte forma: "O que o Estado está a dizer é que não quer forças militares externas a virem morrer aqui e lutar pelo nosso território quando temos homens e mulheres que juram bandeira".

Mosambik Calton Cadeado
Calton Cadeado, especialista em paz e segurança da Universidade Eduardo MondlaneFoto: Privat

A má memória das ações do Ocidente

Há um entendimento generalizado de que seriam mais bem-vindas as forças da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e da União Africana (UA) do que as ocidentais.

É que não se apaga da memória dos moçambicanos o estado calamitoso em que ficaram os países onde as forças ocidentais tentaram combater o terrorismo.

O investigador Aslak Orre alerta para a variável incerteza: "Evidentemente não há nada que indique que uma intervenção ocidental seria um sucesso. Basta olhar para intervenções que têm havido no Médio Oriente, até na Somália. As tentativas que houve aí foram um fracasso. E tudo acabou por piorar a situação, toda a gente está de acordo com isso."

Incógnita 

A quando do ataque terrorista a Palma, a 24 de março, um dos piores de sempre, o Presidente da República se remeteu inicialmente ao silêncio numa aparante tentativa de minimizar a magnitude da ação. Face a cobrança da sociedade por um pronunciamento Nyusi cedeu, mas manteve a mesma filosofia: a sua desvalorização.

Um posicionamento que visaria manter afastadas intervenções externas? Não sabemos, o certo é que na cimeira da SADC, após os confrontos, foi acordado o envio de um missão técnica a Moçambique cuja a finalidade não está clara.

E voltamos a questão essencial: até que ponto Moçambique terá força para manter essa vontade face à sua incapacidade de conter o terrorismo?

"Essa é uma incógnita que vamos ter dificuldade de responder e teremos de viver com ela por um bom tempo", responde Cadeado.

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