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Cabo Delgado: Ajuda de Portugal é desinteressada?

22 de janeiro de 2021

Não, entendem pesquisadores. Portugal ganhará influência e prestígio no campo das relações internacionais. E, como "não há almoços de graça", o ex-colonizador poderá querer também contrapartidas de natureza económica.

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Flaggen von Portugal und Mosambik
Foto: Aleksandar Mijatovic/Colourbox

Não há como não notar que Portugal tem-se desdobrado em esforços para ajudar Moçambique a enfrentar a insurgência em Cabo Delgado, uma das regiões mais ricas em gás do mundo.

Em 2020, levou o problema da sua ex-colónia à mesa da União Europeia (UE), com os seus eurodeputados a fazerem os corredores em Bruxelas. Surtiu efeito. Mais sensibilizados, os 27 já se movimentam em direção a Maputo.

As estrelas estão alinhadas para Lisboa

Raúl Braga Pires, especialista nos PALOP com influência islâmica, sublinha que "há uma conjugação de fatores que permitirão a Portugal ser ainda mais ativo no que toca a questão de Cabo Delgado, isto porque Portugal assume a presidência da UE nos próximos seis meses".

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O analista recorda que "há uma outra conjugação muito interessante": Portugal tem um Governo socialista e um ex-secretário socialista e ex-ministro como secretário-geral da ONU, António Guterres.

Neste âmbito, Raúl Pires entende que "há uma oportunidade de haver um olhar mais lusófono por parte das lideranças europeias, que permitirão um apontar de soluções e colocar Cabo Delgado na agenda".

E assim começaram as idas de governantes portugueses a Moçambique. Portugal passou a ser a ponta de lança da União Europeia no que se refere ao combate ao terrorismo em Cabo Delgado. O ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Silva, enviado do alto representante da UE para a Política Externa, Josep Borrell, reuniu-se esta semana em Maputo com as altas autoridades locais.

Contudo, há o entendimento de que esta não se trata de uma investida desinteressada de Lisboa.

"Moçambique terá de pagar alguma contrapartida"

O especialista em paz e segurança Calton Cadeado entende que "Portugal faz de tudo para servir de instrumento de influência nesses espaços multilaterais onde tem alguma voz para poder fazer passar a agenda de Moçambique - sempre na lógica de que não há almoços de graça nas relações internacionais, Moçambique terá de pagar alguma contrapartida".

Ainda não se pode medir ganhos futuros, mas o mesmo não se pode dizer relativamente a ganhos imediatos. Portugal pode em breve começar a granjear mais simpatias na UE, onde não faz parte do chamado "núcleo duro".

Europaflagge
Portugal preside ao Conselho da UE por seis meses em 2021Foto: DW/B. Riegert

O prestígio que Portugal ganhará

Para o analista Raúl Pires, está claro que Lisboa "não deu ponto sem nó".

"Há obviamente a questão do prestígio internacional, que não é negligenciável. É natural que a UE veja Portugal como o construtor de pontes e a ter uma linguagem própria com África, que já conhece há 500 anos, [em vez da] Holanda ou França. Há condições para que a UE privilegie Portugal nesta ação."

Por isso, o académico português está certo de que "Portugal, obviamente, não vai querer falhar nesta ação, há uma questão de prestígio. Maximizada esta ação portuguesa, haverá uma outra importância de Portugal no seio da UE. E isso na alta politica não é descartável."

Os interesses económicos de Portugal

Portugal já foi um dos principais investidores e parceiros económicos de Moçambique, um lugar que há muito perdeu para outros companheiros europeus. Mais do que questões geopolíticas, o dinheiro é o que motiva Portugal a lutar com unhas e dentes pelo país "irmão", entende o moçambicano Calton Cadeado.

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Cabo Delgado tem uma das maiores reservas de gás do mundoFoto: ENI East

Para o especialista, há questões de sobrevivência que motivam Portugal a ser tão amigo de Moçambique.

"Portugal está a defender o seu interesse nacional, o legado colonial e os interesses que deixou aqui e precisa retornar a Moçambique para garantir que o espaço de influência esteja salvaguardado", diz.

E recorda um facto: "Não nos esqueçamos que desde que as questões da Europa começaram a pôr em causa alguns fundos europeus, foi imposto a Portugal a necessidade de procurar fundos adicionais para poder sobreviver, sobretudo quando se fez o alargamento do espaço europeu".

"O espaço privilegiado para encontrar esse fundos adicionais é nas antigas colónias", acrescenta.

Oportunidades na desgraça alheia

Então, será a desgraça de Moçambique uma oportunidade para Portugal obter louros?

"Essa é uma forma interessante de ver a coisa", responde Calton Cadeado. "Mas mesmo sem a desgraça de Moçambique, Portugal nunca deixou de querer vir cá. Portugal nunca se conformou com o facto de Moçambique ter entrado para a Commonwealth."

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Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África