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Violência sexual contra deslocadas aumenta em Metuge

Nádia Issufo
7 de dezembro de 2021

Estudo sobre impactos do conflito para a mulher em Cabo Delgado constata violações dos direitos das deslocadas e ausência de apoio coordenado com foco nas relações de género. E em Metuge as violações sexuais aumentaram.

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Deslocados internos moçambicanos na cidade de Pemba
Foto ilustrativaFoto: DW

Foi apresentado esta segunda-feira (06.12) em Maputo um estudo intitulado "Causas e Determinantes do Conflito em Cabo Delgado e o seu Impacto na Vida das Mulheres", elaborado pelo Centro de Estudos Estratégicos da Universidade Joaquim Chissano em parceria com a ONU Mulheres.

Embora as violações sexuais tenham sido pouco reportadas na maioria dos centros de acolhimento de deslocados internos, a situação é diferente em Metuge, segundo Egna Sidumo, uma das autoras do estudo e especialista em prevenção de extremismo violento.

No norte de Moçambique, a insurgência empurrou a mulher para circunstâncias onde os direitos humanos são menos respeitados, diz Sidume em entrevista à DW África.

DW África: Em condições normais, os direitos das mulheres não costumam ser devidamente respeitados em Moçambique. Isso piora em contexto de guerra em Cabo Delgado...

Egna Sidumo (ES): Obviamente que sim. A vida das mulheres em situação de paz já é caraterizada por vários desafios, quer seja por razões culturais, religiosas ou de qualquer outra índole. E isso acaba piorando em tempos de conflitos. Uma das evidências é que todos os centros [de acolhimento] têm cerca de 70% a 80% de mulheres, mas, por exemplo, as representações das lideranças desses centros não reflete de forma nenhuma esta representação maioritária. Temos milhares de crianças e mulheres, mas a estrutura de liderança do centro não integra estas mulheres. Como é que as reuniões feitas pelas lideranças se refletem no dia a dia destas mulheres? Como as necessidades delas são atendidas, se elas são a maioria mas não estão representadas? E são as primeiras que lidam com os parceiros e autoridades para fazerem chegar as suas reclamações.

Pesquisadora moçambicana Egna Sidumo
Egna Sidumo, pesquisadora do Centro de Estudos Estratégicos da Universidade Joaquim ChissanoFoto: DW/M. Maluleque

Esta é uma preocupação clara que demonstra que há muita dificuldade para perceber a importância de integrar as mulheres, não necessariamente por causa do número, mas porque são a maioria. Isso significa que todas as necessidades do centro passam por entender todas as necessidades da mulher. Deveríamos ter dois a três parceiros que estivessem diretamente concentrados nas mulheres, na questão da dignidade, do planeamento familiar, atendimento psicossocial e outros desafios.

DW África: Nos centros de deslocados, há condições de segurança para as mulheres, para que não sejam violadas, agredidas e para que tenham também um acesso a comida, bens e serviços igual aos homens?

ES: Violações sexuais foram muito pouco reportadas no trabalho que fizemos, mas há um distrito em particular onde o número de violações sexuais aumentou, segundo as autoridades do distrito de Metuge, onde estão um número significativo de centros, e também foi o primeiro centro. Tivemos a informação de que nesse centro registou-se um aumento de violações sexuais. E sim, encontramos violência doméstica, um pouco por causa da pressão a que estão expostos os homens, sem muitas opões de trabalho. Mas talvez seja também uma questão cultural. Devo recordar que ainda não fizemos análise dos dados para perceber porque a violência doméstica está lá. Este é o resultado de cerca de 500 grupos focais que fizemos com mulheres, onde reportaram até que a violência doméstica é normalizada. Agora, uma grande preocupação são as violações sexuais, que em todos os centros não tivemos grandes relatos, mas violência doméstica, sim.

Cabo Delgado: Criatividade ao serviço da maternidade

DW África: Que consequências do conflito armado observou sobre as mulheres?

ES: A consequência mais visível é a violação dos direitos humanos no geral. Perderam a pouca segurança que tinham nas suas zonas de origem, a segurança de ter uma terra, uma fonte de renda, um negócio ou uma machamba. Perderam a segurança, vivem num centro onde convivem com homens e pessoas desconhecidas, com vários diferenças, e acabam por ser um alvo muito fácil de violações sexuais, embora casos desses não tenham sido reportados no nosso trabalho, mas há casos de violência doméstica ou prostituição em troca de alimentos ou lealdades.

Muitas jovens acabaram por contrair casamento com alguns membros da comunidade para terem alguma segurança ao nível da alimentação. Encontramos pais que, de alguma forma, se sentiam orgulhosos pelo facto de as suas meninas se terem casado nas áreas, pois elas encontram o seu protetor e o garante da sua sobrevivência. Há muitas consequências, se pensarmos nas mulheres sem água, a acordar todos os dias sem ter perspetivas do que comer, como alimentar os seus filhos. São constrangimentos que não temos noção sobre o nível de vulnerabilidade a que estão expostas com o conflito.

Deslocados em Metuge, Moçambique
Deslocados internos procurando refúgio em Metuge (foto de arquivo)Foto: Estácio Valói

DW África: Há um sistema de apoio coordenado para as mulheres em Cabo Delgado?

ES: Ainda não há um sistema coordenado específico de apoio às mulheres, e essa é uma das recomendações que pretendemos integrar no relatório final. Não há em nenhum centro em Cabo Delgado parceiros que trabalhem diretamente e apenas com as mulheres, com apoio específico às mulheres. Temos vários de assistência aos menores em termos de alimentação e para se manterem na escola, com uniforme escolar, livros, cadernos e até merenda, nalguns casos. Temos kits de emprego, nalguns casos para que os homens se possam engajar em atividades de renda, mas não temos um apoio integrado de parceiros para as mulheres que lidem com questões específicas das mulheres: direitos sexuais reprodutivos, a questão do parto... e há muitas mulheres que perdem os seus filhos, percorrem grandes distâncias para ter acesso aos hospitais. Já se começa a trabalhar para ter brigadas de assistência médica, como a dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), mas são insuficientes e não são coordenadas, são casos isolados de algumas unidades que têm esse apoio. Gostaríamos de integrar essa componente do apoio muito mais coordenado de assistência para as mulheres.

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