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Média

Caso Abubacar: "Processo viciado e de acusações fabricadas"

18 de janeiro de 2019

Jornalista moçambicano Amade Abubacar está detido há duas semanas em Cabo Delgado. Sabe-se agora que é acusado de "instigação pública com recurso a meios informáticos". MISA denuncia "falhas grosseiras" no processo.

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Fernando Gonçalves, presidente do MISA, sublinha que "deter civis em quartéis militares não é prática comum em Moçambique"Foto: DW/L. Matias

Espera-se que Amade Abubacar compareça perante o juiz de instrução esta sexta-feira (18.01), em Macomia, na província nortenha de Cabo Delgado. Detido a 5 de janeiro pelas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) quando fotografava famílias que abandonavam a região com receio de novos ataques armados, o jornalista foi mantido durante dias numa base militar em Mueda, até esta quarta-feira (16.01) ser transferido para um comando da polícia.

Amade Abubacar esteve incomunicável e sem advogado durante 11 dias, mas já está a receber apoio jurídico de um advogado do Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA). Sabe-se agora que o jornalista da Rádio e Televisão Comunitária Nacedje de Macomia é acusado de "instigação pública com recurso a meios informáticos". 

Em entrevista à DW África, o presidente do MISA-Moçambique, Fernando Gonçalves, diz que se trata de uma "acusação fabricada" e que o processo está "viciado de irregularidades". Sublinha ainda que "deter civis em quartéis militares não é prática comum em Moçambique", mas não duvida que casos semelhantes possam voltar a acontecer em breve.

DW África: Amade Abubacar já foi transferido de uma base militar em Mueda para um comando da polícia. O MISA, que pretendia dar assistência jurídica a este jornalista, entretanto já conseguiu falar com ele?

Fernando Gonçalves (FG): O nosso advogado já falou com ele, porque hoje (18.01) ele devia comparecer perante o juiz de instrução para se proceder à legalização da sua detenção e depois seguir-se o processo. O advogado conseguiu falar com ele, mas até aqui não tenho informações detalhadas sobre o teor dessa conversa.

Caso Abubacar: "Processo viciado e de acusações fabricadas"

DW África: Quando calcula que será presente em tribunal? Na próxima semana?

FG: Não sei. Hoje, se a sessão tivesse sido realizada, seria a primeira sessão, que vai legalizar a detenção e aí o juiz marca o dia em que devem ser apresentados os argumentos.

DW África: Amade Abucar pelo menos já não se encontra incomunicável e sem advogado.

FG: Mas nós não estamos satisfeitos porque Amade Abubacar foi detido no dia 5 de janeiro e só agora, dia 17, é que ele foi transferido do comando militar para a polícia. A nossa lei não permite que as Forças Armadas tenham sob sua detenção civis que sejam acusados da prática de qualquer crime. Essa é uma competência da polícia, é a polícia que trata desses processos. A polícia lavra o processo, envia à Procuradoria e a Procuradoria envia ao tribunal. Portanto, este processo todo, para nós, está viciado, está eivado de irregularidades e de grosseiras falhas na observação da lei.

DW África: A detenção de civis em estabelecimentos militares, além de ser ilegal, também viola tratados sobre liberdade de expressão e de imprensa.

FG: Absolutamente. Viola todos os princípios consagrados em tratados, protocolos, instrumentos de âmbito internacional de que Moçambique e parte integrante. Não estamos satisfeitos com esta situação. Entendemos que Amade Abubacar devia ser libertado.

DW África: Agora já se sabe que o Ministério Público acusa Amade Abubacar de "instigação pública com recurso a meios informáticos". Como é que o MISA reage a esta acusação?

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Militares na aldeia de Mucojo, distrito de Macomia, alvo frequente de ataques armadosFoto: Getty Images/AFP/J. Nhamirre

FG: Para nós, é uma acusação fabricada. O trabalho jornalístico tem impacto no público e os jornalistas usam meios informáticos para a transmissão do seu trabalho para o público. Ele estava apenas a fazer o seu trabalho. Agora, se as pessoas ficam agitadas por aquilo que ele escreve ou coloca, essa não é a intenção. A intenção é que as pessoas tenham informação e essa informação é transmitida por meios informáticos. A não ser que a Procuradoria agora tenha descoberto outros meios que devem ser utilizados pelos jornalistas para a transmissão da informação em que trabalham.

DW África: Além de Amade Abubacar, recentemente também o fotojornalista Estácio Valói foi detido por militares no norte de Moçambique. São dois casos em menos de um mês. Quem é que legitima o Exército moçambicano a deter jornalistas? É normal que isto aconteça em Moçambique?

FG: Não é normal e por isso é que nos estamos a opor a esse tipo de práticas. E se as Forças Armadas entendem que uma determinada zona é de acesso restrito porque é uma zona de guerra, as Forças Armadas podem impedir as pessoas de entrar nessa zona. E se apanharem alguém que está a entrar, podem dizer: o senhor não entra ou a senhora não entra. Mas deter civis em quartéis militares não é prática comum em Moçambique, não corresponde aos desejos de Moçambique de ser tratado como um Estado de direito democrático.

DW África: Pode dizer-se que Cabo Delgado, neste momento, é uma região quase proibida para a comunicação social, apesar de não haver o tal aviso da parte dos militares de que se trata de uma zona de guerra?

FG: Se há razões de Estado que não permitem que os jornalistas entrem em Cabo Delgado, é importante que as instituições do Estado relevantes se pronunciem sobre isso, mas os jornalistas não podem agir com base em presunções de que é ou não é permitida a entrada em determinada zona.

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Fotojornalista ​Estácio Valói foi detido por militares em Cabo Delgado em dezembro​Foto: privat

DW África: Acredita que já está a ter efeitos a pressão que tem sido exercida por várias organizações da sociedade civil e entidades ligadas à defesa da liberdade de imprensa? Vai também continuar essa exigência pela libertação do jornalista?

FG: Vamos continuar, vamos acompanhar o processo. E nós defendemos o seguinte:  Amade Abubacar foi detido quando estava a entrevistar pessoas que estavam a ser retiradas de uma determinada zona. Isso não é proibido por lei em Moçambique. Não é proibido fotografar refugiados em Moçambique. Portanto, vamos bater-nos para que ele seja libertado. Entretanto, é preciso que fique claro: se Amade Abucar tiver cometido algum ato que está classificado como crime na legislação moçambicana, ele deve ser entregue à polícia, a polícia deve elaborar o processo, esse processo dever ser remetido à Procuradoria da República e a Procuradoria, por sua vez, remete o processo ao tribunal e o assunto é julgado e ele tem o direito de constituir a sua própria defesa. Ele ficou 11 dias incomunicável, sem acesso a um advogado, sem acesso aos familiares. Isto não é normal e não se pode permitir.

DW África: Acha que Amade Abubacar irá fazer o mesmo que o jornalista Estácio Valói, que já disse que pretende processar os militares que o detiveram em Cabo Delgado? Acredita que haverá consequências?

FG: Isso é uma decisão pessoal dele.  A nós o que importa é que devem ser salvaguardados aspectos importantes que têm que ver a com a liberdade de expressão e com o exercício da liberdade de imprensa em Moçambique. Amade Abubacar depois saberá decidir sobre o que quer fazer se julgar que tenha sido injustiçado.

DW África: Tendo em conta o ambiente de tensão que se vive no norte de Moçambique, o MISA acha provável que haja mais casos deste género nos próximos tempos?

FG: Não temos dúvidas que isso possa voltar a acontecer, porque no espaço de um mês houve dois casos desses. Portanto, não podemos pôr de lado a possibilidade de isso acontecer numa outra altura.