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Pedido de doações feito pelo Governo gera polémica em Angola

José Adalberto
5 de abril de 2020

O Governo angolano enviou mensagens de SMS aos telemóveis dos cidadãos pedindo doações no combate à Covid-19. Iniciativa gerou críticas dos angolanos e dos principais partidos da oposição.

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Médico angolano em clínica no Kwanza Norte
Foto: DW/A. Domingos

Na mensagem enviada aos telemóveis dos cidadãos por mensagem de SMS, o Governo angolano apela a todos que efetuem depósitos de um valor mínimo de 500 kwanzas (o equivalente a 85 centavos de euro), numa conta bancária do Tesouro Nacional, como forma de contribuir com o Executivo no combate à Covid-19.

Entretanto, as reações ao pedido feito pelo Governo surgiram horas depois nas redes sociais. Para o angolano Martins Pedro, o pedido formulado pelo Executivo aos populares é uma ofensa. 

Mensagem enviada por SMS pelo Governo de Angola pede doações para combater a Covid-19
Mensagem enviada por SMS pelo Governo de Angola pede doações para combater a Covid-19Foto: Privat

"Custa-me acreditar que o Governo esteja a enviar mensagens às populações para contribuirmos com dinheiro nesta fase em que o país vive este problema do coronavírus. Considero esta atitude como uma ofensa a nós, porque seria o Governo a criar políticas de apoio às populações que precisam de meios de sobrevivência por causa da quarentena a que estamos sujeitos, e não o contrário", afirmou.

Elisa Paulo é outra voz da indignação popular. A estudante angolana considera que o envio de mensagem do Governo demonstra a forma como o Executivo trata as populações. "Não fiquei surprendida com a mensagem, porque para o Governo, este povo tem condições para levar uma vida normal. Só assim se entende que tenham nos solicitado o depósito de valores financeiros na conta do Tesouro Nacional", criticou.

Críticas da oposição  

O pedido do Governo mereceu igualmente a repulsa do maior partido político na oposição em Angola. Em nota, a União Nacional Para a Independência Total de Angola (UNITA) entende que deveria ser o Governo a prestar apoio às populações para superar as urgentes necessidades de abastecimento regular de água potável, energia elétrica e alimentos básicos às familias mais carenciadas, sobretudo, aquelas que vivem nas zonas suburbanas  e rurais.

Em entrevista à DW África, o deputado pela bancada da UNITA na Assembleia Nacional, Nelito Ekuikui, reforçou o comunicado do seu partido, afirmando que, apesar de o povo angolano ser solidário, neste momento é tarefa do Governo promover a solidaridade, dando os recursos que dispõe às familias mais carenciadas.

"Não pode ser o Estado que vai buscar do bolso do cidadão, que já tem muitas dificuldades para manter o seu fogão aceso para sobreviver", sublinhou. 

Nelito Ekuikui acha que o Governo cometeu um erro ao enviar a mensagem aos cidadãos apelando à sua contribuição no combate à Covid-19. Para o deputado, o Executivo deveria trabalhar com o setor empresarial e os cidadãos com mais posses para contribuírem a mitigar as carências da maior parte dos angolanos. É preciso criar, defende, uma cesta básica dos produtos de primeira necessidade sem os quais é impossível permanecer em casa de quarentena.

"É um erro mandar uma mensagem a um lavador de carro, a um estivador de carga, a uma zungueira, só porque têm telefone, para contribuir com dinheiro para a conta do Tesouro. O Governo é que tem de criar com urgência as condições de apoio às populações mais desfavorecidas, no sentido de conseguirem sobreviver durante este período de quarentena", concluiu. 

Para o secretário provincial do Partido de Renovação Social (PRS) no Huambo, António Solia Selende, o envio generalizado de mensagens oficiais do Governo aos cidadãos é reprovável. "Quem tem os recursos é o Governo e é sua função prover, nesta fase, condições às populações. A nossa população vive essencialmente das migalhas das vendas que pratica no seu dia-a-dia. Não é o facto de terem um telemóvel que leva o Governo a pensar que estão em condições de contribuírem", afirmou. 

Para o secretário do PRS, o Executivo angolano deve copiar o exemplo dos presidentes do Ruanda, Paul Kagame, e do Uganda, Yoweri Kaguta Museveni, que optaram pela destribuição de alimentos da cesta básica às populações.

"Atitude voluntária"

Numa nota de esclarecimento, o Governo angolano escreveu que as doações "são uma atitude absolutamente voluntária". "O Governo enviou uma mensagem telefónica aos cidadãos, com IBAN, para os cidadãos poderem transferir dinheiro em kwanzas como forma de apoiar o esforço nacional de combate à pandemia da Covid- 19 no país", justifica o Executivo angolano.

O documento esclarece que, desde a criação da comissão interministerial para a prevenção contra a Covid-19, "vários cidadãos e empresas em Angola manifestaram voluntariamente o desejo de contribuir com o que estava ao seu alcançe, desde dinheiro, medicamentos, bens alimentares e outros".

A comissão interministerial entendeu ser correto aceitar a ajuda solidária da sociedade, indicando por esse motivo um número de conta bancária  para as contribuições em dinheiro.

A indicação do número de conta pertence à direção do Tesouro do Ministério das Finanças. A consequente disseminação do SMS pelos  telemóveis criaram, diz o documento, a percepção errônea de que o Governo estaria a cobrar dos angolanos uma espécie de tributo ou imposto  para suportar os encargos na luta contra o coronavírus.

A nota reitera que toda e qualquer forma de ajuda para o apoio à luta contra a Covid-19 em Angola resulta de uma atitude absolutamente voluntária dos cidadãos e empresas. 

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