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Cultura

Crise e Paz: Palavras do ano para angolanos e moçambicanos

Lusa | ar
18 de janeiro de 2017

No âmbito da iniciativa do grupo Porto Editora, que se realizou pela primeira vez em Angola e Moçambique, "Crise" e "Paz" foram as palavras do ano, em 2016.

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Angola Wahlen Zeitungen
Vendedor de jornais em Luanda, AngolaFoto: António Cascais

Os resultados da votação 'online', que decorreu entre 01 e 31 de dezembro, foram revelados esta quarta-feira (18.01), em Luanda, pela Plural Editores Angola, do grupo Porto Editora.

 A concurso estiveram outras nove palavras, tendo "crise" vencido com 31% dos votos. "A palavra 'crise' marcou o ano de 2016 pela crise económica e financeira que o país atravessa, agravada pela baixa do preço do petróleo no mercado internacional", recordou a editora.

A 04 de maio, em Luanda, no lançamento da iniciativa, que já se realiza anualmente em Portugal e que em 2016 foi alargada a Angola e Moçambique, Paulo Machado Ribeiro, diretor-geral da Plural Editores Angola, antevia esta possibilidade.

"A palavra 'crise' é uma forte candidata sem dúvida alguma. Ainda faltam muitos meses até ao final do ano, mas desde já é a palavra que mais nos surge na cabeça", disse então o responsável da empresa angolana, do grupo Porto Editora.

"Candando" foi a segunda palavra mais escolhida, com 22% dos votos. 

Trata-se de uma palavra cuja origem é da língua nacional quimbundo "kandandu", que significa abraço, cuja grafia (Candando) foi adotada para designar a nova cadeia de hipermercados que a empresária angolana Isabel dos Santos lançou em 2016.

Afrika Angola Candango Supermarkt in Luanda
Supermercado Candando - LuandaFoto: DW/P. Borralho

"Kixiquila" foi a terceira palavra mais votada, com 12%.

Também se trata de um termo com origem na língua nacional quimbundo, no caso "kixikila", que significa "assentar", numa alusão ao registo dos valores. Na prática, a kixiquila é hoje em dia uma forma de poupança a que muitos angolanos passaram a recorrer devido à crise.

Juntam-se em grupos de amigos, colegas de trabalho ou vizinhos, descontando todos os meses uma parte do salário para uma espécie de cooperativa informal, que distribui mensalmente o "bolo" reunido por cada um dos participantes.

"Paz" é a palavra do ano em Moçambique

"Paz" foi escolhida com 24% numa lista de dez vocábulos finalistas, num contexto de forte agravamento da crise política e militar entre as Forças de Defesa e Segurança e o braço armado da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), na sequência da recusa de o maior partido de oposição em reconhecer os resultados das eleições gerais de 2014, alegando fraude, e exigência de governar nas seis províncias onde reivindica vitória no escrutínio.

O líder da oposição, Afonso Dhlakama, encontra-se algures na serra da Gorongosa há mais de um ano e 2016 ficou marcado por confrontos militares entre as partes, emboscadas e ataques na RENAMO nas principais estradas e localidades remotas no centro e norte do país, além de acusações mútuas de raptos e assassínios de dirigentes políticos e graves denúncias de abusos de direitos humanos. Associada a "paz", a palavra "diálogo" ficou em sétimo, com 5%, numa referência às negociações entre Governo e RENAMO em Maputo, na presença de mediação internacional, mas ainda sem resultados.

Mosambik RENAMO Afonso Dhlakama
Afonso Dhlakama, líder da RENAMOFoto: picture alliance/dpa/A. Silva

Num ano de guerra e crise económica, a segunda palavra escolhida acaba por ser surpreendente, "mamparra" (idiota, parvo, no calão usado no sul de Moçambique), com 17%, por não ter relação direta com nenhum daqueles assuntos, nem ficar claro se os votantes pensaram em alguém em particular ou se a designação está apenas na moda.

Mais previsível era "crise", colocada no terceiro lugar com 16%, quando em 2016 Moçambique sofreu uma queda vertiginosa da moeda nacional, em proporção inversa à subida da inflação, e ainda a descida das exportações, falta de divisas e forte redução do apoio externo e investimento estrangeiro.

O tremendo aumento do custo de vida estará também associado à escolha da palavra "solidariedade", no oitavo lugar, com 5%, num ano que ficou ainda marcado pelo escândalo das dívidas escondidas.

"Dívida” no quinto lugar"Dívida" surge em quinto lugar na lista, com 8%, após ter sido revelado em abril de 2016 a existência de avultados empréstimos para fins de defesa, garantidos pelo Governo à revelia da Constituição e do parlamento.

Schiffe von EMATUM in Mosambik
Barcos da EMATUM, no porto de MaputoFoto: EMATUM

A descoberta de 1,4 mil milhões de dólares a favor de duas empresas estatais, somando-se a um caso semelhante mas que já tinha sido tornado público, de 850 milhões de dólares para a Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM), levou à interrupção dos financiamentos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos doadores do Orçamento do Estado e colocou a dívida pública a níveis insustentáveis.

"Educação" figura no sexto posto, com 8%, sinalizando uma preocupação com um setor crónico de Moçambique, onde, apesar de progressos nos últimos anos, cerca de 20% das crianças continuavam fora do primeiro ciclo em 2014, os casamentos prematuros e a guerra também vedaram o ensino a milhares de alunos, e 40% da população permanecia analfabeta, segundo dados de 2011.

Outros dois vocábulos, "tchilar", no quarto lugar (11%), e "txunar" no nono (3%) são expressões mais uma vez associadas à linguagem de rua, e muito usadas nas campanhas publicitárias, a primeira com a conotação de divertimento e a segunda com significados diversos, entre fazer, organizar ou aprontar-se, numa referência a uma presumível origem da palavra num tipo de jeans femininas chamado "txuna baby".

"Liberdade”A lista das dez palavras do ano é encerrada por "liberdade" (3%), num ano que ficou igualmente assinalado por assassínios de políticos, agressões a académicos, intimidações a jornalistas e líderes de opinião e até desincentivos públicos à participação numa manifestação contra a guerra e a crise.

Angola Demonstration (DW/M. Luamb
Ativistas protestam em Angola (2015)Foto: DW/M. Luamba

A escolha da "Palavra do Ano” foi realizada pela Plural Editores Moçambique, "através da análise de frequência e distribuição de uso das palavras e do relevo que elas alcançam", tanto nos meios de comunicação como nas redes sociais, e que tem em consideração também as sugestões dos moçambicanos no site da iniciativa.

 Em Angola, a Plural Editores está presente em há cerca de dez anos e atua sobretudo na área da Educação, contando com mais de uma centena de títulos editados exclusivamente para o mercado angolano, que representa 25% das vendas totais do grupo.

De acordo com o grupo português, o objetivo da iniciativa "Palavra do Ano" é evidenciar a riqueza e o dinamismo criativo da língua portuguesa, chamando a atenção para a importância que as palavras têm no quotidiano.

 

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