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Disputa marítima gera tensão entre Somália e Quénia

Cristina Krippahl
16 de março de 2021

Disputa entre Quénia e Somália por uma área rica em petróleo e gás no Índico não levará a conflito armado entre os países, mas deverá afetar pescadores e contribuir indiretamente para a instabilidade na região.

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Fischer auf der Insel Lamu
Pescadores no porto queniano da ilha de Lamu, perto da área em disputaFoto: imago/Volker Preußer

O impasse entre o Quénia e a Somália sobre uma área considerável do Oceano Índico provocou preocupação entre centenas de milhares de pessoas que dependem da pesca para sobreviver.

"Estamos realmente preocupados", disse à DW o queniano Adam Lali. "Se as questões fronteiriças não forem bem resolvidas, vão nos trazer problemas. Isto irá tomar as nossas zonas de pesca e também causar tensões entre nós e as comunidades somalis", antevê Lali.

A área contestada estende-se por 160.580 quilómetros quadrados. A Somália, que se situa a nordeste do Quénia, quer alargar a sua fronteira marítima com o Quénia ao longo da linha da fronteira terrestre, em direção sudeste. O Quénia, no entanto, quer que a fronteira seja deslocada para o mar numa linha reta para leste, o que lhe daria mais território marítimo. Para além de ser uma importante zona de pesca para ambos os países, a área é também rica em gás e petróleo.

Somalien Al-Shabaab-Kämpfer
Al Shabaab deverá tirar proveito das disputas internas e externas na SomáliaFoto: picture-alliance/AP Photo/F. A. Warsameh

Quénia recua de processo no TIJ

Depois de a Somália ter apresentado o caso pela primeira vez em 2014, o Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas (TIJ) agendou uma audiência pública em Haia, na segunda-feira (15.03). Previa-se que o processo decorresse até 24 de março.

No entanto, o Governo queniano se retirou do processo. Antes disso, as autoridades haviam anunciado a intenção de apresentar queixas ao Conselho de Segurança da ONU, do qual o país é atualmente membro não permanente.

Com base no direito marítimo internacional, esperava-se que o TIJ se pronunciasse a favor da Somália. "Possivelmente os quenianos retiraram-se também devido a uma expectativa de que perderiam", diz o cientista político Stig Jarle Hansen, da Universidade Norueguesa de Ciências da Vida.

Alguns observadores quenianos como Mustafa Ali - perito em resolução de conflitos e segurança nacional no Instituto HORN de Estudos Estratégicos - não acreditam que o TIJ seria o melhor local para resolver a disputa.

"Há tantos mecanismos alternativos que poderiam ser muito mais eficazes e produzir resultados", disse Ali à DW África. "Um deles é o mecanismo de fronteiras da União Africana. O segundo são as negociações bilaterais diretas entre o Quénia e a Somália, o que, na minha opinião, seria a melhor solução".

É pouco provável que tal diálogo tenha lugar em breve. As relações entre o Quénia e a Somália tornaram-se cada vez mais tensas após o Governo da Somália romper os laços diplomáticos com o Quénia em dezembro, quando acusou Nairóbi de se intrometer nos seus assuntos.

Ressentimentos antigos de décadas vieram recentemente à tona, incluindo o apoio do Quénia ao estado semi-autónomo somali de Jubalândia.

"Há um grande conflito na Somália entre a oposição e o Presidente [Mohamed Abdullahi Mohamed] Farmajo", disse Hansen. "Um dos atores mais cruciais é o Estado de Jubalândia".

Muitos observadores internacionais concordam com as acusações do Governo da Somália. Em janeiro, pelo menos nove pessoas foram mortas nos combates em Jubalândia. A Somália atribuiu as mortes às tropas e milícias quenianas apoiadas por Nairobi. O Quénia tem atualmente um contingente de quase 3.500 militares na Missão da União Africana na Somália (AMISOM), destacados para combater o grupo terrorista Al Shabaab.

Um Estado ainda mais enfraquecido

O Governo do Quénia nega qualquer ato ilícito e acusa Mogadíscio de procurar um bode expiatório para questões domésticas.

Hansen acredita que possa haver alguma verdade nisso: "Penso que existe agora uma maior vontade de enfrentar o Quénia para tirar o foco dos conflitos internos do país", disse ele.

Segundo o cientista político, a queda do primeiro-ministro somali Hassan Ali Khaire no ano passado, que estava em negociações bem-sucedidas com o Quénia, enquadra-se nesta hipótese.

Kenia Nairobi | Präsident Somalia | Mohamed Abdullahi Mohamed
Presidente somali Mohamed, AKA Farmajo, não deverá renunciarFoto: Yasuyoshi Chiba/AFP/Getty Images

As tensões também têm aumentado na Somália, uma vez que Farmajo continua a ignorar os apelos à retirada e à realização de eleições que estavam inicialmente previstas para 2020, remarcadas para fevereiro de 2021 e hoje não tem data para ocorrer.

Uma crise constitucional está agora a desenrolar-se no frágil Estado somali. O Conselho de Segurança da ONU exortou o Governo a organizar eleições "sem demora", numa resolução que sublinhava a pressão que o Al-Shabaab e os grupos armados da oposição estão a exercer sobre a segurança do país.

Vitória para o Al-Shabab?

O grupo militante Al-Shabab está a tirar proveito da situação, concentrando-se em ataques ao Presidente. Há também preocupações de que os recursos destinados a combater grupos terroristas sejam redirecionados para a resolução de frustrações políticas internas.

"Já vimos isso com as forças especiais somalis a serem destacadas para dentro de Mogadíscio", disse Hansen. "E assim haverá muito menos pressão sobre o Al-Shabab, o que lhe dará a possibilidade de maior expansão".

Hansen acredita que havia potencial para mais tumultos políticos em toda a região, onde muitos conflitos estão profundamente entrelaçados. A Etiópia, onde o primeiro-ministro Abiy Ahmed está atualmente a travar uma guerra na região do Tigray, apoia o Governo de Farmajo e ofereceu-se para treinar as suas tropas.

O Sudão e o Egipto estão a unir forças para se oporem à construção pela Etiópia de uma gigantesca barragem ao longo do Nilo. Há também a possibilidade de o Sudão poder intervir em Tigray.

"Por isso, há um estranho conflito que se está a formar desde o Cairo, no norte, até ao Quénia, no sul, o que pode criar muitos problemas para o mundo num futuro próximo", adverte Hansen.

Os “donos dos bairros de lata” em Nairobi